Alguém vai propor “diálogo” com bandidos? Aplica-se a lei e ponto. Ao se aceitar a ideia de que devemos “dialogar” entre as partes, concede-se um valor que o marginal simplesmente não tem. É preciso ficar claro quem é refém e quem é algoz numa situação dessas. Palavras importam. Mas nossa diplomacia pensa diferente. Insiste na tese de que, com ditadores, negocia-se como se fossem legítimos democratas. Vide o caso da Venezuela.
É verdade que houve um avanço notável com a saída do PT. Com Lula e Dilma, o Itamaraty era aliado do regime ditatorial venezuelano. Marco Aurélio “top top” Garcia era agente do Foro de SP, ou seja, fazia de tudo para aproximar Venezuela e Brasil, tornando este mais parecido com aquela. A chegada de José Serra como chancelar coincidiu com a subida de tom, com uma maior firmeza contra os comunistas bolivarianos.
Mas ainda é pouco. E mesmo os senadores que, antes na oposição, falavam grosso, agora na situação aliviam a barra, falam em “diálogo”. É o que ataca Demétrio Magnoli em sua coluna de hoje no GLOBO:
A oposição venezuelana recolheu 1,85 milhão de assinaturas pela convocação de um referendo revogatório do mandato de Maduro, ultrapassando largamente os requisitos legais, mas enfrenta as manobras protelatórias do regime. Provocativamente, o Conselho Eleitoral, controlado pelo governo, chegou a impugnar assinaturas de líderes oposicionistas como Henrique Capriles e Lilian Tintori. A tática do regime é protelar o processo, evitando a realização do referendo ainda este ano, de modo a impedir que a revogação do mandato provoque a antecipação das eleições presidenciais. É nessa moldura que emerge a “iniciativa construtiva” do “diálogo” com a oposição. “Diálogo”, no caso, é o nome bonito para a violação da provisão constitucional do referendo revogatório.
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Cláusulas democráticas não produzem “milagres”. Sua finalidade é aumentar os custos da violação das regras democráticas, semear a dúvida entre os componentes dos regimes autoritários e organizar frentes de solidariedade às forças políticas de resistência. Invocá-las serve para isolar os tiranos, expondo a ilegitimidade de suas ações. Já a renúncia a aplicá-las funciona quase como um endosso tácito, estimulando os tiranos a avançar por uma estrada desimpedida. Quando lê as palavras “construtivas” de Serra, Maduro conclui que a oposição interna está indefesa. O “diálogo” prenuncia a repressão, que se prepara à luz do dia.
[…]
Brasil e Argentina não têm o direito de fingir que não entenderam o cenário. Os principais líderes oposicionistas — Capriles e, da prisão, Leopoldo López — esclareceram que o “diálogo” só pode ser aquele previsto na Constituição: a realização do referendo. Na outra ponta, a aposta repressiva de Maduro explicitou-se na declaração de que “a Assembleia Nacional logo desaparecerá”. Munique: as “iniciativas construtivas” de que falam Serra e Malcorra pavimentam o caminho para as iniciativas destrutivas imaginadas pelo regime chavista.
Quando certos princípios inegociáveis são sacrificados no altar do “realismo político”, tem-se um perigoso precedente que normalmente acaba muito mal. A cláusula do Mercosul é clara, e a Venezuela não a atende. O PT fez vista grossa a isso, como Kirchner na Argentina. Mauricio Macri venceu com discurso contrário, e agora parece ceder. Michel Temer chegou com mais vontade, e Serra, novo chanceler, já dá sinais de fraqueza. Não há “pragmatismo” que justifique falar manso com um tirano como Maduro.
O povo venezuelano pede ajuda. Se as democracias latino-americanas não mostrarem apoio incondicional aos opositores que demandam apenas a aplicação das leis, então Maduro se sentirá mais seguro no papel de novo Fidel Castro. Nossa diplomacia brinca com fogo. Não há “diálogo” possível com quem usa milicianos cubanos para intimidar e atirar na própria população. Ou Maduro aceita o plebiscito legal, ou a Venezuela deve sair já do Mercosul e sofrer as consequências. Chega de tanta contemporização com os inimigos da democracia.
Rodrigo Constantino