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O capitalismo e o surf – parte 2

Por João César de Melo, publicado pelo Instituto Liberal

Como todos sabem, um brasileiro sagrou-se campeão mundial de surf no final do ano passado. O segundo brasileiro em dois anos. Todos sabem disso porque o surf agora é pauta na grande mídia. Qualquer vitória é amplamente repercutida nos maiores jornais e telejornais.

Gabriel Medina é um dos atletas mais bem pagos do Brasil. Adriano de Souza foi recebido no aeroporto e deu entrevistas como se fosse um jogador de futebol que fez o único gol da final da Copa do Mundo. Montadoras de veículos e operadoras de telefonia têm surfistas como garotos-propaganda. Existem duas dezenas de programas especializados em surf nos canais de TV a cabo. Existem mais sites e revistas sobre surf do que sobre qualquer outro esporte. Ao redor do mundo, existem milhares de marcas e de lojas especializadas em roupas e equipamentos de surf. Grande parte das pessoas que vestem marcas de surfwear não surfam. Muitas, sequer moram no litoral.

A ascensão do surf no Brasil e no mundo comprova o que os liberais dizem desde sempre: Nenhum segmento social, esportivo, cultural ou econômico precisa da mão do estado para se desenvolver.

O surf brasileiro chegou ao nível em que chegou sem incentivos estatais de qualquer espécie. O surf nunca fez parte do currículo de escolas públicas. Nunca esteve no foco do Ministério dos Esportes. Por todo o litoral, existem dezenas de escolinhas de surf mantidas por pequenas empresas. Todas as marcas de surfwear nasceram da iniciativa de surfistas comuns. Os diversos campeonatos regionais e nacionais são organizados por associações privadas, patrocinadas por empresas privadas. O apoio que uns poucos eventos recebem de governos estaduais e municipais representam muito pouco diante do que é investido pelas empresas. Adriano de Souza nasceu numa favela. Foi descoberto, incentivado e patrocinado desde pequeno por pessoas e empresas.

No final de janeiro, uma grande revista de surf americana publicou uma matéria cuja reflexão pode ser resumida numa pergunta: Em que nível o atual predomínio dos brasileiros pode interferir na performance, na cultura e nos negócios do surf, historicamente dominados por australianos e americanos?

Lembrando:

No ano de 2015, brasileiros venceram o título do circuito mundial da WSL (liga mais importante), o título do Pipe Master (campeonato mais importante), o título da Tríplice Coroa Havaiana (que reúne os três campeonatos mais importantes do Havaí), o título de estreante do ano, o título da divisão de acesso à elite e o campeonato mundial de SUP. Logo no começo de 2016, um brasileiro também venceu o título mundial pró-junior. Cada título foi conquistado por um atleta diferente, com a exceção dos dois primeiros citados, que foram vencidos por Adriano de Souza. No circuito da WSL, brasileiros fizeram as finais de oito das onze etapas, vencendo seis. No ranking final, quatro brasileiros estavam entre os sete melhores do mundo.

Trintas anos atrás, não tínhamos nenhum surfista brasileiro se destacando no circuito mundial. Vinte anos atrás, tínhamos dois atletas que somaram ao longo de suas carreiras não mais do que três ou quatro vitórias em etapas do circuito. Há dez anos, tínhamos meia dúzia que mantiveram o rendimento da geração anterior. Hoje, os surfistas brasileiros ditam o ritmo do circuito mundial.

A conclusão da revista e também de todos os jornalistas estrangeiros é que a ascensão do Brasil no cenário mundial do surf será o mais importante motivador do aperfeiçoamento do esporte em todos os sentidos. Motivador!

Para compreendermos o que esse caso acrescenta à reflexão liberal, basta imaginarmos o que teria acontecido se o surf brasileiro tivesse sido controlado, desde seus primeiros anos, por uma entidade de viés socialista. Com absoluta certeza, a supremacia de americanos e australianos teria sido vista como uma força opressora-elitista que deveria ser sabotada ou boicotada.  Com toda certeza, esta entidade teria criado uma liga reunindo os piores surfistas do mundo que competiriam entre si em eventos promovidos por governos e em formatos carregados de políticas “inclusivas” e “afirmativas”  – como o PT fez ao distanciar o Brasil dos países mais desenvolvidos para se aproximar dos países mais atrasados.

No entanto, como o surf brasileiro nunca foi controlado por nenhuma força centralizadora de poder e de dinheiro, a supremacia estrangeira sempre foi apenas uma motivação. Surfistas e empresários brasileiros tiveram americanos e australianos como modelos a serem seguidos e aperfeiçoados, não como demônios a serem apedrejados como fazem os socialistas diante do sucesso alheio.

Os obstáculos que os surfistas brasileiros encontraram ao longo do tempo e as soluções encontradas:

1 – Língua. Em vez de reclamar por ser o único grupo de surfistas que não falava inglês, os brasileiros estudaram. Adriano de Souza, mesmo quando já estava entre os melhores do mundo, passou dois anos morando numa garagem na Califórnia apenas para melhorar sua fluência em inglês.

2 – Respeito. No Havaí, há um histórico conflito entre surfistas locais e estrangeiros. O clima é realmente muito tenso pelo “controle das ondas”. Brigas são frequentes. Havaianos agridem americanos, australianos e qualquer estrangeiro, mas faz alguns anos que pensam duas ou três vezes antes de agredir um brasileiro. Por quê? Por causa de alguma lei do governo? Não. Simplesmente porque os surfistas brasileiros sempre foram aqueles que não fugiam das brigas e que não chamavam a polícia. Apanhavam, mas não abaixavam a cabeça. Para não apanhar mais, alguns aprenderam jiu-jitsu e outros passaram a manter um taco de beisebol guardado no carro. É assim que o respeito realmente é imposto entre os seres humanos. Leis nunca construíram o respeito na alma de ninguém.

3 – Preconceito. Até menos de dez anos atrás, os surfistas brasileiros eram tratados com certo desdém tanto por terem um surf abaixo do nível quanto por serem de um país subdesenvolvido. Qual a solução contra isso? Surfar melhor. Em vez de procurar governos ou as entidades internacionais do esporte para cobrar políticas “contra o preconceito”, os surfistas brasileiros dedicaram-se a mostrar para os gringos que poderiam ser tão bons ou melhores do que eles.

Poucos anos atrás, Adriano de Souza foi vítima de um preconceito ainda maior por ser moreninho, baixinho e nada engraçadinho, ou seja, por não estar dentro dos padrões publicitários. Perdeu o patrocínio de uma grande marca internacional. No entanto, em vez de ficar chorando pelos cantos, manteve a cabeça erguida e foi trabalhar. Correu o circuito sem patrocínio principal por um tempo até ser contratado por uma empresa brasileira. Sagrou-se campeão mundial.

4 – Ondas. Apesar do tamanho do nosso litoral, o Brasil é um país de ondas ruins. Não contamos com nem meia dúzia de ondas de categoria internacional, o que por quase três décadas prejudicou a formação dos surfistas locais que corriam o circuito mundial. Qual a solução? Cobrar mudanças nas regras e no formato do circuito para ajudar os surfistas brasileiros? Não. Os surfistas brasileiros passaram a viajar mais. Passaram a ficar mais tempo no Havaí e na Indonésia.

5 – Dinheiro. Até pouco tempo atrás, o Brasil não contava com um mercado de surf forte o suficiente para patrocinar atletas da mesma forma que as grandes marcas internacionais faziam com australianos e americanos. O que os brasileiros fizeram para resolver isso? Pediram dinheiro ao governo? Não. Trabalharam. Trabalhando, algumas marcas se fortaleceram, começaram a patrocinar eventos e atletas, culminando com o título de Adriano de Souza e de Lucas Silveira (no mundial pró-junior). Cada um deles sendo patrocinado por uma marca brasileira de surfwear diferente.

Antes dessa geração que vem ganhando os campeonatos, atletas brasileiros bancavam suas temporadas no Havaí trabalhando em subempregos.

Em resumo, o surf brasileiro chegou ao atual nível porque surfistas e empresários do esporte trabalharam duro para isso. Não foram beneficiados pela intoxicante benevolência do estado. Muito pelo contrário, já que os altos custos de produção no Brasil prejudicam as empresas locais em benefício das estrangeiras. Mas foi assim, superando por si mesmo as dificuldades que o mercado e que a cultura do surf brasileiro superaram a hegemonia australiana e americana. Foi assim que o esporte saiu da marginalidade de trinta anos atrás para se tornar referência social, cultural e econômica. Foi assim que o Brasil se tornou a potência no esporte que mais cresce no mundo.

Moral da história: Os demais setores da economia e da cultura brasileira não se desenvolvem por causa da insistência do estado em planejar seu desenvolvimento.

Para ler o artigo O Capitalismo e o surf – parte 01, clique aqui.

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