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Por Claudir Franciatto, publicado pelo Instituto Liberal

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“Só me interessa o que não é meu”. (Manifesto Antropofágico – Oswald de Andrade)

Em 2017, completaram-se 25 anos do falecimento do austríaco prêmio Nobel de Economia, Friedrich A. Hayek e, no próximo mês de março, serão 74 anos desde o lançamento de sua obra seminal O Caminho da Servidão. Antecipo a lembrança dessa data importantíssima para destacar o que o próprio autor fez por ocasião do lançamento da edição de 1975 nos Estados Unidos. Algo de que não podemos nos esquecer ou mesmo subestimar, principalmente para entender o que ainda ocorre no Brasil de hoje. Por que tanta dificuldade para um Congresso democrático aprovar medidas cruciais para o país como a do teto de gastos, uma decente reforma trabalhista e uma, ao menos, razoável reforma previdenciária? Não vivemos em um estado totalitário, mas… isso tem feito alguma diferença? Prestem atenção ao que afirmava em 1975 o mestre Hayek:

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(…) Evidentemente, seis anos de governo socialista na Inglaterra nada produziram que se assemelhasse a um estado totalitário. Mas os que alegam que isso desmentiu a tese de Caminho da Servidão na realidade deixaram escapar uma das afirmações fundamentais do livro: a mais importante transformação que um controle governamental amplo produz é de ordem psicológica, é uma alteração no caráter do povo. Isso constitui um processo necessariamente lento, que se estende não apenas por alguns anos, mas talvez por uma ou duas gerações.

 (…) Mesmo assim, saltam aos olhos as mudanças por que passou o caráter do povo britânico, não apenas durante o governo trabalhista, mas ao longo do período muito maior em que gozou das bênçãos de um estado previdenciário paternalista. Essas mudanças não podem ser demonstradas com facilidade, mas são sentidas com clareza por quem mora no país.

Eis a resposta para a pergunta que formulei no primeiro parágrafo. É difícil se obter a aprovação de medidas basilares para desregulamentação estatal porque os parlamentares que lá estão foram eleitos e saíram do bojo de um povo cujo caráter está indelevelmente marcado pela cultura estatizante. O espírito predominante numa nação é elemento fundamental para traçar seu próprio destino. E resiste a mudanças agudas que venham a modificar a base de seu sentimento mais profundo.

Não, senhoras e senhores, o brasileiro não é um “herói sem nenhum caráter” como tentava demonstrar a obra Macunaíma de Mário de Andrade, nem um mero canibal de culturas alheias, como apontava Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropofágico, ambos os trabalhos de 1928. Nem, tampouco, o carnaval absorvente da Tropicália de um confuso e confundido Caetano Veloso, seguido por um não menos desinformado Eduardo Gianetti, indicando-nos a nós, os brasileiros, como aqueles que sabem carnavalescamente sugar, elaborar e regurgitar em versões tropicais o que se faz pelo mundo.

Não, o caráter viciosamente dependente do brasileiro – seja mesmo desembocando nessa assertiva oswaldiana de que “só se interessa pelo que não é seu”, ou pela mistura do público com o privado, na essência capturada por Sérgio Buarque de Holanda no homem cordial de Raízes do Brasil em 1936 – está fixado como uma tatuagem em nosso tecido social por causa dos longos (todos) anos de cultura estatal. Como afirmo em meu livro O Círculo do Bem e a Teologia da Prosperidade, a ser lançado em breve, o Estado ganhou no imaginário do brasileiro a formação mítica de uma entidade mágica. Algo que paira acima de nós e que apenas nos trai cruelmente quando não nos entrega o que promete. Não faz mal que ele fique com a maior parte de nosso dinheiro, ganho dura e penosamente, desde que ele garanta segurança, escola, transporte, moradia, saúde e até entretenimento. Mesmo sabendo, inconscientemente, que isso jamais irá ocorrer.

Porque o pacto feito com o Estado é de mão única. Não tem retorno. Os homens que entram para a máquina acabam se desapegando de valores éticos. O que significa não só usurpar dos recursos que entraram nesse pacto, mas descumprir quase como um ritual obrigatório, tudo o que foi combinado. E os que defendem a social-democracia e o welfare state não percebem como o caráter do povo está sendo mudado. De empreendedor para acomodado. Um dia a bolha assistencialista estoura. É inevitável.

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Sim, senhoras e senhores liberais, a exemplo do que fazem na prática cotidiana os jovens do MBL – e ao contrário do que subestima o grande Luiz Felipe Pondé -, é preciso enfrentar e tentar vencer de todas as formas a guerra cultural. Nossa arma principal é a verdade. Temos de nos fixar nela. Enquanto a esquerda, de forma mentirosa e até infantil, faz de tudo para reduzir o liberalismo a um mero esforço do “neoliberalismo para favorecer o capitalismo financeiro mundial”, cabe-nos responder com o quadro real do que representa o pensamento socialista para o presente e o futuro. Lembrando do vaticínio de Hayek: pelo menos duas gerações são necessárias até que o caráter seja moldado. O novo caráter de todo um povo. Não é fácil, mas é possível.

Sobre o autor: Claudir Franciatto é jornalista e escritor, autor de 12 livros.