| Foto:

Se me pedirem os dez pensadores que mais influenciaram minha formação intelectual, três deles certamente serão Ludwig von Mises, Hayek e Nassim Taleb. Li vários livros deles, e absorvi seus principais conceitos, que carrego até hoje. Quando Martim Vasques da Cunha, autor de A Poeira da Glória, usa suas habilidades para unir num ensaio o básico de cada um deles, especialmente sobre a fundamental questão da incerteza, só posso aplaudir o esforço e divulgar o resultado. É realmente de tirar o chapéu.

CARREGANDO :)

O leitor que conhece pouco tais autores terá uma excelente introdução no texto de Martim, que foi publicado na revista Mises, do IMB. Lá estão explicados, com incrível poder de síntese, os conceitos do “cisne negro”, do “antifrágil”, como devemos encarar a incerteza do ponto de vista filosófico, o que é o mundo das médias normais (Mediocristão) e o mundo dos extremos imprevisíveis (Extremistão), e por aí vai.

Martim pega os quatro livros de Taleb e faz um belo resumo, juntando com a biografia pessoal do libanês nascido em tempos de guerra, que serve para ilustrar sua visão de mundo. Depois, utiliza a “praxeologia” de Mises e a “ordem espontânea” de Hayek para misturar tudo, bater no liquidificador e entregar o produto final ao leitor, que poderá mastigá-lo sem dificuldade, e finalmente digeri-lo. Assim mesmo: rico conhecimento de mão beijada!

Publicidade

Espero que meus leitores aproveitem essa sexta-feira para um passeio intelectual de alto nível. Como já disse, esses três gigantes influenciaram bastante a minha própria visão de mundo. Martim defende a importância de ser um “flaneur” com base nesses conceitos descritos acima. Num trecho do ensaio ele explica melhor:

Neste ponto, é de se ressaltar que, mesmo defendendo a ciência como um método empírico de correção dos fatos, Taleb emprega muito mais outro tipo de método, retirado não dos laboratórios experimentais ou dos gráficos de estatística, e sim da literatura e da filosofia antigas. É um modo de ver as coisas que ele autodenomina como “epistemocracia” e que tem, entre seus cidadãos ilustres, além do próprio Taleb (é claro), pessoas do calibre como o filósofo estoico Sêneca ou então o pensador francês humanista Michel de Montaigne (1533-1592). Na verdade, o seu método é o do ensaísta – melhor dizendo, o do flaneur, do homem que caminha pelas ruas de uma cidade ou de um vilarejo sem meta definida, aberto ao que o acaso pode lhe dar, naquele estado de maravilhamento que o poeta espanhol Antonio Machado descreveu com perfeição nos seguintes versos: “Caminante, no hay caminho/, se hace camino al andar” (Caminhante, não há caminho,/ faz-se caminho ao andar).

A atitude de flaneur é a ideal para descrever o que Taleb pretende com sua obra. As suas digressões não são aleatórias; a criação de personagens, como Fat Tony (um sujeito que repassa a quem quiser a sabedoria de ter sido “AntiFrágil” desde o nascimento) ou Yevgenia Krasnova (uma escritora russa que conseguiu ser um Black Swan em um dos mercados mais difíceis para isso acontecer, o editorial), deixam de ser ilustrações das suas teorias sofisticadas e passam a ser estudos de caso retirados da própria experiência do autor; e o uso elaborado de uma linguagem literária, repleta de metáforas, trocadilhos e ditos populares, provam que há um impulso orgânico de acrescentar algo empírico e concreto a uma especulação que, se não for bem controlada, pode cair na mais perigosa das abstrações.

Por isso, ser um flaneur, para Taleb, não é um mero capricho, mas um meio de vida que protege a sua integridade intelectual. De certa forma, caminhar sem rumo definido é o melhor exercício que se pode fazer, tanto no aspecto físico como mental, para ajudar as pessoas a viverem em um mundo onde parece surgir um Black Swan a cada canto e sem nenhum aviso.

Como alguém que, assim como Taleb, trabalhou no mercado financeiro por muitos anos, posso assegurar que a visão de risco e incerteza da maioria dos gestores é equivocada. Modelos matemáticos complexos, econometria e muita estatística que acumula tudo sobre o passado, mas pode ser cega quanto ao futuro. A curva normal serve para o mundo Mediocristão, jamais para o Extremistão (falo um pouco mais sobre isso no meu novo curso de finanças). É como dirigir numa estrada olhando apenas para o retrovisor.

Publicidade

Mas nesse mundo de grandes incertezas, que modelo algum consegue antecipar, não precisamos cair em desespero. O próprio Taleb não é um pessimista. Se estivermos adaptados para essa realidade como ela é, podemos tirar proveito dessa condição, ou ao menos aceitar melhor as contingências do destino. Martim conclui:

Eis aqui a importância de ser um flaneur: mostrar para si mesmo que, como diria Hamlet, “estar pronto é tudo” (the readiness is all) – e assim a “AntiFragilidade” de Taleb se mostra como um método de sabedoria tradicional que dá os instrumentos necessários para o homem recuperar a sua liberdade interior num mundo onde os Black Swans podem (ou não) destruí-la em um piscar de olhos. Esta é a sua originalidade para a sociedade em que vivemos. Num ambiente onde não há mais estadistas, artistas responsáveis, sacerdotes virtuosos e empreendedores que assumem o risco, o flaneur, o caminhante, o andarilho, o peregrino se torna uma espécie de Quarto Poder, acima do Estado, da Igreja e do próprio Povo, conforme a boa lembrança de Henry David Thoreau (1817-1862), capaz de vigiar por todos e reafirmar o fundamento da liberdade de acordo com a defesa intransigente da incerteza como “a mãe de todas as disciplinas”.

Todos nós somos cisnes negros, impossíveis de sermos classificados – esta é a grande lição de Nassim Nicholas Taleb para os nossos dias. Mas, ainda assim, temos de ver essa afirmação com muita cautela, como sempre acontece ao abordar a obra desse pensador, ainda em progresso e ainda em formação. Pois, já dizia o técnico de beisebol Yogi Berra (1925-2015), um de seus mestres, “it ain´t over until it´s over” – neste mundo, só acaba quando termina.

E ainda não terminou. Eis o fascínio da vida!

Rodrigo Constantino

Publicidade