Escrevi um texto há alguns anos que fez muito sucesso, sobre o acostamento em nossas estradas brasileiras, sempre repleto de “malandros” tentando furar a fila dos “otários”. Pela quantidade de curtidas, toquei numa ferida, sem dúvida. Muitos brasileiros estão cansados desse excesso de malandragem em nosso país, que resulta apenas numa nação de otários, em que nada funciona direito.
Lembrei disso ao estudar para minha carteira de habilitação aqui na Flórida. Uma das coisas que notei, assim que cheguei em Weston, foi a grande quantidade de cruzamentos, daqueles com carros em todas as direções. Você pode seguir reto, virar à esquerda, à direita, e o mesmo vale para quem está vindo na outra direção. Parece um tanto caótico e perigoso. De fato, é considerado o momento de maior risco no trânsito local.
Ainda assim, tudo parece funcionar muito bem. Para começo de conversa, há uma placa STOP que é totalmente respeitada. Reparem na coisa: todo motorista para completamente o carro diante dessa placa, mesmo quando não vem nenhum carro nas demais direções. É a força do hábito, que faz a virtude, assim como o receio da punição, que reduz a quantidade de transgressão. Começamos bem, portanto: carros parados no cruzamento representam menos perigo.
Mas isso não é tudo: mesmo carros que respeitam a placa e param na faixa, algo que já seria um espanto em nosso querido Brasil, precisam depois seguir adiante. E eis onde mora o perigo: quem vai? Tem carro apontado para todo lado. Uns querem cruzar na sua frente para virar do outro lado, enquanto outros querem seguir em seus caminhos. Como saber de quem é a prioridade? Aqui está o mais interessante: é por ordem de chegada!
É claro que pode haver confusão legítima, pois nem sempre o motorista está atento o suficiente para decorar quem chegou em qual ordem. Mas pensem só nisso, caros leitores de terras tupiniquins: a regra é com base em quem chegou primeiro, e todos os motoristas a respeitam! Quão fantástico é viver num país em que regras básicas e simples, que visam à segurança do próprio povo, são respeitadas?
Canso de trafegar por tais cruzamentos diariamente, e sempre reparo no respeito às regras. Chama-se educação, civilidade, cidadania. Se eu cheguei um segundo depois do outro, então aguardo pacientemente ele fazer sua manobra e seguir em sua direção, para somente depois fazer o mesmo, com o terceiro que chegou um pouco depois de mim esperando sua vez. Tudo muito civilizado, sem guarda de trânsito no local, sem câmera da prefeitura. Respeito às regras!
O relato pode parecer bobo, mas retrata um fenômeno da maior seriedade. Nós brasileiros avacalhamos com as regras, e com isso parimos uma sociedade da desconfiança, onde um quer tirar vantagem sobre o outro, e ninguém respeita ninguém. O resultado é o caos, os custos maiores de transição, os acidentes mais frequentes, a constante tensão de quem não sabe o que esperar do próximo, pois vive na “lei da selva” do “salve-se quem puder”. Que maravilha, não?
Um cruzamento. Ele pode explicar muita coisa, mais do que anos de aulas de sociologia marxista. E pensar que só há latino-americanos por aqui, basicamente. Mesmo assim essa gente toda “introjetou” o respeito às regras, o comportamento cívico que se espera de todos numa sociedade avançada. Placa de STOP? Eu paro completamente o carro, mesmo sem ninguém à vista. Cruzar por ordem de chegada? Aguardo com calma minha vez, sem ansiedade.
Sou um otário? Pelos padrões dos “malandros” brasileiros, sim. O problema é que o cruzamento de malandro com esperto dá em um país de otários, enquanto os “otários” aqui criaram um país onde as coisas funcionam bem. Quem é o otário de verdade, afinal?
Rodrigo Constantino