“O sentimentalismo é a expressão da emoção sem julgamento.” (Theodore Dalrymple)
Na era das redes sociais, o narcisismo dos seres humanos acabou ainda mais estimulado. Expressar nobres emoções – verdadeiras ou não – passou a ser extremamente comum. Fosse algo restrito a essa necessidade de aparecer, tudo bem. O problema é que isso acabou tomando conta do debate político, e o maior sacrificado foi o argumento racional.
É o que mostra Theodore Dalrymple em Spoilt Rotten: The Toxic Cult of Sentimentality. Ao falar desse sentimentalismo, claro que não estamos falando de algo novo no mundo; mas não resta dúvida de que o fenômeno tem se expandido bastante nas últimas décadas. A explicação passa pelo avanço tecnológico e pelas mudanças culturais.
A origem filosófica disso tudo talvez esteja em Rousseau e sua imagem romântica de “bom selvagem”. Ao retratar as crianças como “puras” e os adultos como corrompidos, Rousseau instigou uma visão de que tudo que é mais “natural” e, portanto, menos civilizado, é melhor, mais genuíno, mais louvável. Era o caminho aberto para que os bárbaros se julgassem superiores.
No campo da educação, os efeitos dessa mentalidade foram devastadores. Um “construtivismo” mal calibrado iria dizer que cada um aprende em seu próprio ritmo, que não há hierarquia do saber, que o professor ou o aluno possuem apenas “opiniões diferentes”, cada um à sua maneira. A horizontalidade nas salas de aula, o enfraquecimento da noção de conhecimento objetivo, a suspensão do julgamento acerca dos méritos individuais, tudo isso iria contribuir para a decadência da qualidade do ensino, principalmente o público.
Quando alguém critica quem fala “nós pega o peixe” e é acusado de “elitista”, o maior prejudicado é o aluno que aprende errado. Esse tipo de sentimentalismo, que impede um parecer mais realista para não “ofender” os demais, prejudica justamente os mais pobres e humildes, reféns dessa redoma criada por uma elite culpada.
A educação não é o único setor afetado. Esse romantismo coloca em um altar tudo aquilo que é “espontâneo”, vis-à-vis aquilo que exige treinamento, esforço e dedicação. Podemos imaginar o que isso causou no campo das artes, por exemplo. Na verdade, não precisamos imaginar; basta observar. Qualquer tipo de lixo artístico passou a ser visto como interessante ou “original”, se produzido de forma “espontânea”.
Quando os “sentimentos” passam a ser tão mais importantes que o conhecimento, cria-se um ambiente onde vale tudo, onde qualquer um pode alegar se “sentir” de certa forma, e isso basta para todo tipo de reclamo frente a sociedade. Para “vencer” um debate, basta expressar com mais veemência seus supostos sentimentos, e fim de papo. Uma sociedade assim vai produzir um contingente enorme de histéricos, de pessoas com reações histriônicas para se destacar em meio à multidão.
Um dos resultados mais nefastos dessa mentalidade foi a falência da responsabilidade individual. Rousseau embalou em sua filosofia aquilo que muitos queriam ouvir: que eles nascem bons e que seus erros são fruto da sociedade. Todo tipo de bandido, de marginal, de indecente, de escroque, encontrou nisso uma bóia da salvação, uma justificativa fantástica para seus atos condenáveis. O sentimentalismo enaltece os piores e, com isso, pune os melhores.
No mundo das aparências, parecer nobre ou uma vítima tem bastante valor, independente da realidade. Um exemplo citado por Dalrymple, que foi médico em várias prisões, são os pais que tatuam o nome de seus filhos no braço, bem à mostra. Não podemos generalizar, mas o autor acredita que em vários casos isso pode muito bem substituir uma solicitude genuína para com os rebentos. Na falta de cuidados reais, o corpo é marcado para que o mundo veja o contrário da verdade.
Da mesma forma, os atos de caridade se transformam em propaganda pública, para todos tomarem conhecimento. Jesus, no Sermão da Montanha, alertou justamente contra tal hipocrisia. No mundo da internet, ela cresceu exponencialmente. Basta um clique de curtir em uma página do Facebook, basta colocar o nome de uma tribo indígena no perfil, basta compartilhar uma campanha para salvar os pandas ou as baleias, que a pessoa se sente a mais nobre do mundo, enquanto os outros não passam de seres insensíveis que não acompanham sua nobreza.
A privacidade foi para o espaço também. Não se conserva mais os sentimentos. Eles devem ser expostos o tempo todo, e quem não o faz, só pode ser um psicopata insensível. Aquele que não coloca para fora tudo aquilo que está “sentindo” é visto como um pária, quase um inimigo do povo. Só é virtuoso quem demonstra todo o seu sentimentalismo. E isso, naturalmente, alimentou sobremaneira a vitimização no mundo.
Qualquer um que clama ser uma vítima obtém o status de superioridade moral sobre os demais. Vivemos em uma época em que as pessoas competem para ver quem sofreu mais e, com isso, destacar-se na estima dos outros. Só é digno quem sofreu. Por isso tantos livros com relatos de tragédias pessoais, algumas forjadas de forma fraudulenta. Por isso tantos movimentos de minorias vitimizadas em busca de recompensas. Quando o sentimentalismo abunda, a vitimização explode, para explorar essa fraqueza infantil.
A visão cristã de “pecado original” diz o contrário desse mito romântico de Rousseau: os homens nasceriam imperfeitos e poderiam buscar seguir na direção do aperfeiçoamento. Em outras palavras, a besta homem precisa ser domesticada, civilizada, e a responsabilidade é de cada um por seus próprios atos. Claro que vamos sofrer influências grandes do ambiente, da família, da sociedade; mas, em última instância, somos os responsáveis pelo que fazemos e escolhemos, temos o livre-arbítrio.
Ao se substituir essa visão pela romântica, abrem-se os portões do inferno, onde cada um alega ser uma vítima, às vezes de suas próprias emoções. Concluo com o alerta de Dalrymple: “O culto do sentimento destrói a capacidade de pensar, ou mesmo a consciência de que é necessário pensar”.
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