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O resultado das urnas mostrou: o povo anda cansado do establishment e deu voz ao “outsider”. A renovação no Congresso foi alta. A própria vitória de Bolsonaro demonstra o grau de insatisfação com os políticos tradicionais. A derrota de vários caciques partidários comprova isso. O povo se levantou contra seus representantes, mas por meio da democracia representativa. E agora?

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Os americanos vivem situação semelhante: Donald Trump venceu com um discurso contra o poder estabelecido, de “drenar o pântano” em Washington. Mas os republicanos acabam de perder a maioria na Câmara, ainda que tenham preservado o Senado. Historicamente tem sido assim nas eleições de meio de mandato: a oposição vence a situação.

É um mecanismo talvez inconsciente da democracia americana para impor pesos e contrapesos ao poder, impedindo excessiva concentração. Como a população anda cansada dos políticos e Trump, de certa forma, é visto como o anti-político, isso pode não fazer muito sentido. Mas há alguma sabedoria popular nessa tradição.

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A verdade é que mesmo quem vence com discurso anti-política se torna ou é político, e precisa respeitar as regras do jogo. A democracia representativa pode ser entediante, imperfeita, cansativa e entregar resultados muito aquém dos esperados. Mas qual a alternativa concreta? A democracia direta? Um líder populista que fala em nome do povo contra os políticos?

Isso já foi testado aqui e acolá, invariavelmente com resultados terríveis. A busca do déspota esclarecido que incorpora o desejo popular e pode, portanto, ignorar o Congresso não costuma acabar bem. Por mais que o Congresso seja um antro de oportunistas – e não é bem assim – o fato é que o instrumento democrático serve como obstáculo a regimes tirânicos, que sempre surgem em nome do povo.

É nesse contexto que o dilema do atual governo Bolsonaro fica evidente. Sem experiência nos bastidores do Congresso, apesar de estar em seu sétimo mandado como deputado (sempre do baixo clero), e com um partido sem quadros técnicos suficientes, o presidente eleito terá enormes desafios à frente para aprovar as reformas necessárias. Qual será o relacionamento com o Congresso? Merval Pereira falou sobre isso em sua coluna de hoje:

De nada servem declarações como as do futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, de que é preciso dar uma “prensa” neles, ou as do filho do presidente, deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro, de que é preciso “tratorar” o Congresso.

Guedes já havia proposto que as bancadas na Câmara tivessem voto unificado quando a maioria aprovasse um projeto, esquecendo que votos minoritários dentro do Congresso têm direito a serem representados, inclusive obstruindo votações, um direito das minorias parlamentares em todos os Congressos do mundo ocidental.

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O filho-deputado, que obteve a maior votação de um deputado federal na história, talvez esteja se achando forte demais, e repete a fala sem controle que o levou a dizer que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastavam dois soldados. Teve que se desculpar naquela ocasião, e provavelmente vai ter que explicar agora também.

Uma coisa é cortar as trocas de favores com o dinheiro público, ganhar votos com o toma-lá-dá-cá. Outra, muito diferente, é imaginar que o governo poderá obrigar o Congresso a aprovar reformas que quiser, sem negociação. Quando o senador Eunício de Oliveira, atual presidente do Senado que não se reelegeu, soube do comentário do superministro, apenas sorriu e disse que ele “não sabe” como funciona o Congresso.

Entende-se perfeitamente a angústia de Paulo Guedes: esse Congresso não pode ser um obstáculo às reformas de que o Brasil tanto precisa. Ele, como economista preparado, sabe o que fazer. A questão é como. E a política não anda na velocidade necessária para o resgate da economia. Eis a dura realidade que é difícil de engolir. Dá até vontade de defender um poder quase absoluto para o ministro…

Mas aí lembramos que, amanhã, pode ser um Guido Mantega, um Nelson Barbosa ou um Ciro Gomes lá, quiçá uma Dilma Rousseff. E logo temos calafrios terríveis. Entendemos, então, a importância do mecanismo, por mais imperfeito que seja, por mais desesperador que pareça ter que depender desses deputados para fazer o Brasil avançar.

Sim, a sociedade civil terá de fazer sua parte e “prensar” seus deputados eleitos, colocá-los contra a parede, pressiona-los pelas reformas. E as redes sociais representam uma novidade nesse sentido, um instrumento que pode e deve ser usado pela população. Mas o governo não pode simplesmente “tratorar” o Congresso, nem mesmo com o peso de quase 58 milhões de votos. Eles não garantem ao presidente eleito um poder que inexiste na Constituição, e o próprio Bolsonaro já deixou claro que esta será o norte de seu governo.

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É por isso que as mudanças não virão na quantidade ou na velocidade necessárias ou desejadas, e teremos de lidar com isso de forma madura, compreendendo que há limites claros numa democracia representativa, e que a alternativa é pior a longo prazo. Uma campanha vencedora costuma gerar bastante expectativa no eleitor, ainda mais quando há um discurso um pouco messiânico (populista) do candidato.

Mas a realidade logo bate à porta. Uma coisa é campanha eleitoral; outra, bem diferente, é governar um país complexo como o nosso.

Rodrigo Constantino