Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

O desencanto dos jovens com a política e a crise de representatividade

O jovem, apesar de ter mais tempo pela frente, costuma ser mais ansioso, quer resolver tudo logo, para “ontem”. Apresenta também uma tendência a embarcar mais em utopias, em soluções mágicas, românticas. Por fim, também demonstra normalmente maior dose de arrogância. Como dizia Oscar Wilde, “não sou jovem o suficiente para saber tudo”. O jovem pensa ter descoberto a resposta para as grandes questões, já que ainda não possui experiência o bastante para lhe esfregar muitos erros na cara e, com isso, o tornar mais humilde.

Quando os jovens partiam para a política, portanto, normalmente era para aderirem a partidos mais radicais, aqueles que propõem magias e bruxarias, revolucionários. A esquerda nunca ignorou esse fato, e por isso sempre foi a grande defensora do voto para pessoas cada vez mais jovens, ainda que, em total contradição, diga logo depois que esse mesmo “jovem responsável” não passa de uma criança indefesa se matar um inocente. A esquerda radical sempre atraiu mais a juventude.

Enquanto isso, os jovens mais preocupados com seu futuro, cientes, pela boa educação dos pais, de que terão de se sustentar por conta própria, não com base em esmolas estatais ou recursos alheios obtidos à força em nome da “justiça social”, nunca tiveram tanto tempo para a política, para “salvar o mundo”. Estavam ralando, estudando para ser alguém na vida, alguém de verdade, digno de respeito, e não um presidente da UNE ou um senador petista. Por isso os jovens com inclinação mais liberal ou conservadora raramente aportavam na política.

Uma grande reportagem do GLOBO hoje mostra como o desencanto da juventude com a política institucionalizada é crescente. Os maiores partidos têm perdido membros jovens, principalmente o PT. Os partidos perderam nada menos do que a metade dos jovens em termos proporcionais em poucos anos. Os partidos estão envelhecendo, incapazes de se renovarem, de atraírem gente nova. O próprio ex-presidente Lula reconheceu isso recentemente, de forma bastante direta:

O PT precisa, urgentemente, voltar a falar para a juventude tomar conta do PT. O PT está velho. Eu, que sou a figura proeminente do PT, já estou com 69 (anos), já estou cansado, já estou falando as mesmas coisas que eu falava em 1980. Fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução neste partido.

A juventude utópica está decepcionada com a política, desiludida, e a fadiga do PT no poder, após tantos escândalos de corrupção, representa muita lenha nessa fogueira. Mas não se trata de fenômeno apenas nacional, e sim mundial. Além disso, há o surgimento das redes sociais, que compensam a perda de interesse com a política tradicional, vista como antro de corruptos (não sem boa dose de razão). Os jovens encontraram outros meios para expressar seus sonhos e fantasias, suas revoltas ou angústias, para além da política institucionalizada.

Agitadores de massas estão de olho nisso, naturalmente. Se não é mais pela via normal da política, então que seja pelas redes sociais e ruas. Manuel Castells, Zizek e tantos outros vibram com as novas possibilidades. A crise visível de representatividade, com parlamentares incapazes de efetivamente dar voz aos eleitores, especialmente os mais jovens, abre o flanco para os “commnunity organizers”, os “líderes comunitários” que agitam os sentimentos de insatisfação para ver o circo pegar fogo. Estratégia da esquerda radical e revolucionária, apenas adaptada aos tempos modernos.

Conhecemos bem isso nas manifestações de junho de 2013. Nos Estados Unidos, o Occupy Wall Street também foi nessa linha. E na Espanha, talvez o caso de maior sucesso dos radicais, os Indignados ajudaram a parir o Podemos, um partido oficial que chegou ao poder agora, mesmo sob acusações de ligação com o tráfico de drogas venezuelano. O desencanto com a política tradicional não é necessariamente o desencanto com a revolução sonhada: é somente uma transferência de meios.

Diante disso, o que todos aqueles que apreciam a democracia representativa, jovens ou velhos, podem fazer? Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que não há vácuo de poder em política: ele logo será preenchido. Melhor que o seja por pessoas comprometidas com as instituições, com a democracia representativa, portanto. Mas é fundamental os políticos compreenderem o que está em jogo aqui. Se continuarem virando as costas para os anseios da população em geral, perderão mais credibilidade ainda, e cada vez as alternativas da “democracia direta” ou da tomada das ruas pela turba revoltada serão mais atraentes. Será a “marcha da insensatez” daqueles que chegaram ao poder e não perceberam os riscos que corriam.

Já os jovens liberais e conservadores precisam, de alguma maneira, resgatar o apreço pela política clássica. Sei que não é tarefa fácil, seja porque esse jovem está de olho em seu futuro profissional, como já dito acima, seja porque ele está cansado e desiludido com os políticos também. Mas quanto mais a política for vista como uma porcaria, e não uma via legítima para resolver dilemas públicos na vida em sociedades civilizadas, mais livre estará o caminho para os oportunistas de plantão, para os vagabundos que desde cedo só enxergavam na política um trampolim para se dar bem sem ter que trabalhar e estudar, apenas bradando slogans vazios entre uma baforada e outra de maconha.

Em artigo neste sábado no Estadão, Marco Aurélio Nogueira falou justamente sobre o lado positivo da política tradicional, tantas vezes esquecido na atualidade. Os gregos tinham isso em mente no passado, e é triste ver como a política se deteriorou na própria Grécia hoje, tornando-se apenas um palco para oportunistas. Hannah Arendt era outra que entendia a importância da política. Diz o autor:

Pode não parecer, mas política não é somente – nem sequer principalmente – coação, roubalheira, disputa infrene pelo poder, esforço para destruir inimigos e adversários. Tem uma dimensão nobre, positiva, dedicada à construção de articulações, consensos e legitimidade. O lado sombrio da atividade política, marcado pelo binômio coerção-corrupção, é compensado por um lado solar, vinculado aos temas quentes da vida, aberto para o que é coletivo, público, e para o futuro.

A política sempre flutua entre as extremidades do “bem” e do “mal”, fato que faz tudo o que a orbita aparecer de modo tenso e contraditório para os cidadãos. Mas os cidadãos continuam a ser o que são – portadores de direitos e obrigações – porque integram uma comunidade política. Somos o que somos porque somos animais políticos. Dessa constatação elementar podemos derivar algumas coisas.

Não há vida coletiva sem política, mas nem tudo na vida é política: nem tudo o que pulsa tem em vista o poder, a contestação, a disputa, ou o delineamento de pautas coletivas de ação e zonas sólidas de consenso. Viver também é usufruir, gozar a vida, experimentar os desafios da individualidade e da diferenciação. Ser um animal político é antes de tudo saber pensar e dialogar. A política é um campo exclusivo do agir humano, mas não submete tudo a si. Para incorporar os cidadãos há que existir qualidade, perspectiva e razoabilidade. Massas podem seguir encantadores de serpentes, mas sempre em ritmo de autoritarismo e tragédia.

[…]

Os políticos, em particular – eles próprios, seus líderes, seus partidos, suas vozes –, seguem em marcha batida para a deslegitimação, para a perda de contato com a sociedade. Exagerando: movem-se como bandos suicidas, ou zumbis.

O cenário é de horror. Mas não se sabe direito como evoluirá. Há poucas prospecções e elas não chegam ao mundo político, que continua a olhar para o próprio umbigo. Ninguém sabe o que fazer com as reservas políticas e intelectuais do País, com as energias cívicas e associativas que estão de prontidão. Na falta de um eixo comum que coordene tudo, o desperdício e a irracionalidade crescem, a alimentar, no limite, uma marcha para trás, o crescimento insano dos fundamentalismos, o protagonismo primitivo dos retrógrados, o mau funcionamento dos sistemas.

Não temos uma tarefa nada fácil pela frente. Como um liberal que entende bem o alerta de Lord Acton, de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, e também como um liberal que compreende bem a importância de uma sociedade maior do que o estado, acho que se politizou coisas demais no Brasil, que muitos assuntos que simplesmente não deveriam transitar pela via política viraram temas para decisões coletivas por voto, o que é um perigo para as liberdades individuais.

Mas a saída não é abandonar de vez a política, pois há um alerta ainda mais relevante aqui: você pode não se interessar pela política, mas os políticos vão se interessar por você de qualquer jeito. “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam”, disse o historiador Arnold Toynbee. “A punição que os bons sofrem, quando se recusam a agir, é viver sob o governo dos maus”, já dizia Platão muito antes. Ignorar a política, portanto, não é solução para o problema.

O que temos de fazer é insistir na batalha das ideias, mostrando com argumentos os riscos do radicalismo, das revoluções “mágicas”, do excesso de estado, da “democracia direta”, etc. E também ampliar o campo de atuação na própria política, formando jovens lideranças, gente comprometida com os valores liberais que estejam dispostos a se dedicar ao debate político, que começa já nos diretórios estudantis. Por décadas esse espaço foi deixado totalmente livre para os barbudinhos com camisas do assassino Che Guevara. Não mais. Chapas liberais têm sido formadas para ocupar tais espaços, com sucesso. São os ventos de mudança, alvissareiros.

O liberalismo está na vanguarda, e o socialismo conquista cada vez menos jovens, a despeito de toda a campanha criminosa de militantes disfarçados de professores, que fazem intensa lavagem cerebral e doutrinação ideológica. Esse desencanto da juventude com a política institucionalizada demonstra em parte isso, mas o perigo é essa gente cair nas garras de algum aventureiro agitador de massas, de um líder totalitário que julgue falar em seu nome. Esses jovens precisam ser atraídos, ao contrário, para os bons fundamentos da filosofia liberal ou conservadora, amadurecendo neles a ideia de que as utopias são perigosas e as “soluções” não são mágicas.

Eis o grande desafio: persuadir gente que, normalmente, deseja extravasar sentimentos em ebulição em vez de usar mais a massa cinzenta, e que está, hoje, revoltada e desiludida com o sistema apodrecido de nossa democracia “representativa”, sonhando com alternativas extremamente perigosas. Essa turma precisa entrar em contato com as boas ideias liberais. E as redes sociais, apesar de servirem de palco para todo tipo de radicalismo e estupidez, podem ajudar também, disseminando bons textos, apresentando bons autores.

A forma mais fácil de acabar com uma guerra é perdê-la, disse George Orwell. Não podemos entregar os pontos nessa batalha intelectual e política. Seria suicídio, a morte da própria democracia.

Rodrigo Constantino

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.