Os dois artigos de opinião do Estadão de hoje merecem ser lidos com atenção. Um é assinado por Modesto Carvalhosa, e o outro por Murillo Aragão. Ambos falam da mesma coisa: os absurdos privilégios acumulados ao longo de décadas no setor público, e o fato de que a população brasileira que paga a conta não aguenta mais e exige mudanças. Seguem trechos de cada um deles, mas recomendo a leitura na íntegra:
A estabilidade do emprego público é amparada por um bunker normativo dentro da própria Constituição. Nenhum servidor público pode ser exonerado ou dispensado, salvo se cometer gravíssimos crimes contra a administração. Mesmo nessa hipótese extrema, cabem-lhe ampla defesa em infindáveis processos administrativos e judiciais. Enquanto não for condenado com trânsito em julgado, goza o funcionário réu de todos os proventos, vantagens e verbas indenizatórias (artigo 41 da Constituição). A propósito, não se conhece mais do que meia dúzia desses processos canônicos em todo o País durante os últimos 70 anos, apesar do envolvimento de várias centenas de servidores nos casos de corrupção levantados a partir de 2014 pela Lava Jato. E quando, após décadas, sobrevém a condenação, fica o servidor em disponibilidade ou é “compulsoriamente” aposentado, com todos os proventos.
Nos países democráticos desenvolvidos somente os poucos que exercem altas funções de Estado são estáveis. Nos Estados Unidos apenas juízes da Suprema Corte e oficiais das Forças Armadas são estáveis. Já em nosso país, todos os 12,5 milhões de servidores são estáveis. Desde o manobrista da garagem do Senado até os ministros do Supremo Tribunal, desde o gari da pequena prefeitura de cidade de 6 mil habitantes até o médico do posto de saúde. Todos, simplesmente todos, exercem “funções de Estado”, e não simples atribuições administrativas. Pergunta-se: qual a função de Estado de um funcionário de município? Não importa. Os 12,5 milhões de servidores são constitucionalmente “imexíveis”.
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Por coincidência, temos hoje no Brasil a seguinte realidade social: no setor privado 12,5 milhões de desempregados procuram um posto de trabalho há quatro anos. No setor público, dos 12,5 milhões de servidores públicos, nenhum foi despedido no mesmo período. São estáveis. Têm emprego garantido para toda a existência. No setor privado todos os empregados se submetem ao risco de perder o emprego, como agora milhões deles, por causa da recessão e da estagnação decorrentes da insanidade fiscal e da corrupção dos governos recentes.
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E aí volta a pergunta: onde o novo governo vai cortar? Vai intervir nos milhares de municípios e nos Estados que infringem a Lei de Responsabilidade Fiscal? Ou vão enfrentar o tabu máximo da República dos privilégios, instituindo, por meio de reforma constitucional, a estabilidade para as poucas e qualificadas funções de Estado, a par de extinguir o regime especial de aposentadorias do setor público? Tais medidas reduziriam em dois terços as pantagruélicas folhas de pagamento estatais. Fora disso não há que falar em cortar despesas, abater o déficit fiscal e retomar o investimento público. Vai-se, apenas, enxugar gelo.
Que o novo governo federal e o novo Congresso tenham a coragem de resolver esse problema, para podermos retomar a prosperidade econômica em bases sólidas e permanentes.
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Desde os tempos coloniais, o governo é mais importante que a sociedade. A vida brasileira gira em torno do Estado. E quem se relaciona bem com ele, seja vendendo produtos e serviços ou trabalhando para ele com uma incontável série de benefícios, está feito. Criamos duas castas no Brasil: a dos que se servem do Estado e a dos que são escravizados por ele.
A mão grande dos exploradores dos cofres públicos atingiu todos os ramos da administração pública, criando um Estado gastão, ladrão, ineficiente e preguiçoso. Ao cidadão tem restado ruminar as narrativas politicamente corretas que impunham a lógica de que o Estado sabe o que faz pela sociedade.
A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente do Brasil, cujo mandato se inicia agora, representa uma espécie de despertar da cidadania. Ainda que parte da imprensa, das esquerdas derrotadas, da academia e do mundo politicamente correto diga que não. Pois a nova lógica demole o projeto de poder que transferia a subserviência das oligarquias econômicas para as oligarquias de esquerda.
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Fica claro que, depois de quase 40 anos orbitando em torno de fórmulas social-democráticas e socialistas tupiniquins, não fomos a lugar nenhum de forma consistente. O roubo e o privilégio aumentaram. Os gastos com salários mais do que dobraram. Bilhões de reais foram surrupiados em corrupção, corporativismo, clientelismo e fisiologismo. Auxílios-moradia, planos odontológicos e pagamento de faculdade para filhos de juízes são a ponta de um iceberg profundo que envolveu crimes e privilégios ilegítimos, mas legalizados por leis anticidadania.
Todo o discurso do bom-mocismo dos últimos tempos serviu para encobrir uma brutal exploração dos cofres públicos em favor de políticos, empresários corruptores e corporações de funcionários públicos. A eleição de Jair Bolsonaro significou que a cidadania não quer o sistema que vigia até agora. Deseja outra relação entre o governo e a sociedade. Enfim, representa um despertar cujas repercussões não são apenas nacionais.
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A cidadania demanda que o governo Bolsonaro abra a caixa de Pandora dos privilégios no Brasil. De forma ampla e transparente. E, passo seguinte, comece a cortá-los. Doa a quem doer. Não será uma batalha fácil. Não há aqui, no meu texto, uma intenção de oposição ao serviço público, que é mais do que necessário para a cidadania. Não podemos, contudo, viver num condomínio em que os moradores trabalham para os funcionários, e não o contrário.
Nada a acrescentar. Que comece a batalha cultural e política pelo corte de privilégios!
Rodrigo Constantino
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