Liberais são – precisam ser, por definição – céticos com a política, com todos os políticos. Idolatria a político é algo que simplesmente não combina com o liberalismo. Ao mesmo tempo, as mudanças são realizadas quase sempre dentro da política. E, para tanto, necessita-se de políticos. Políticos, inclusive liberais, precisam ser eleitos, naturalmente.
Eis aí o dilema de todo liberal: precisa dos políticos que aprendeu a desconfiar, a criticar, a derrubar do pedestal como todo bom iconoclasta iluminista. Nenhum liberal que se preza tem num político um líder inconteste, um guru, muito menos um “mito”.
Gustavo Nogy, comparando Lula a Bolsonaro no quesito populismo, e condenando o fato de que seus típicos seguidores mais aguerridos se mostram parecidos no que diz respeito a como lidam com críticas (“it’s all or nothing at all”, ou seja, ou estão totalmente com eles, ou são seus inimigos mortais se desviarem uma vírgula ou ousarem fazer uma só crítica), escreveu sobre essa postura cética:
A sanidade em política deveria ser medida com a régua do ceticismo. Se é preciso, de tempos em tempos, apostar na loteria do voto, que se aposte com a mesma íntima desconfiança que se tem na loteria em sentido estrito: alguém há de ganhar, provavelmente não serei eu. Políticos devem, no máximo, ser tolerados; adorados, nunca. Pois o populismo é o saco no qual são misturadas todas as farinhas. Depois de certo tempo na vida pública, fica muito difícil separar uma farinha da outra.
Alerta perfeitamente válido. Afinal, é um alerta liberal. Mas, debatendo o tema com amigos liberais, lembrei que quase chegamos a idolatrar, ou ao menos a respeitar tanto a ponto de reverenciar, alguns poucos políticos, estadistas como Churchill, Reagan e Thatcher, que fizeram grande diferença no mundo. Um colega liberal rebateu: “Eu, pelo menos, só faço isso depois que estão aposentados ou mortos. Durante a vida pública, jamais!”
Entendo a postura, mas, convenhamos: é do tipo “ainda bem que outros fazem diferente”, pois graças aos mais empolgados, aos fanáticos até, estadistas assim chegaram ao poder. A campanha de Reagan mobilizou as massas, e para tanto contou com aquela militância que abraçou um sonho, que viu ali uma questão de vida ou morte, de resgatar os valores da América e enterrar de vez o risco do comunismo.
Já resenhei aqui um ótimo livro de Arthur Brooks, The Conservative Heart, em que o presidente do prestigiado American Enterprise Institute argumenta sobre a importância de se conquistar corações, não apenas mentes, para avançar com uma agenda liberal-conservadora. Ele inspirou outro texto, uma crítica construtiva a João Amoedo, do Partido Novo. Jamais vamos chegar ao poder com discursos que parecem a leitura de uma bula de remédio, contando apenas com nossas propostas racionais.
Infelizmente essa é a pura verdade, por mais que incomode um liberal cético como eu. Os conservadores realistas costumam resumir isso numa frase bastante comum aqui nos Estados Unidos: “It is what it is”. Ou seja, é o que é, não como gostaríamos que fosse. Escrevi recentemente sobre o aspecto sujo da política brasileira de compra de votos, lembrando que esse jogo não é para amadores ou românticos “puristas”.
Devemos, então, defender populistas? Pior: populistas com viés autoritário, só porque se dizem mais liberais em economia agora? Não pretendo responder a essa questão aqui e agora. Mas trago uma reflexão de um amigo empresário, com quem conversava outro dia num inesquecível churrasco gaúcho. Diante de críticas de um libertário a um projeto de alguns empresários gaúchos para a melhoria da segurança no estado, ele desabafou: “Estou sem paciência para duas coisas hoje: para quem só critica e nada faz, e para quem só apresenta soluções utópicas, impraticáveis”.
Entendo perfeitamente. Até porque o Brasil tem pressa. Um povo sem saneamento básico, e vamos colocar como prioridade a legalização da maconha? Mais de 60 mil assassinatos por ano, e vamos debater os dogmas libertários ou discutir as desavenças entre Rothbard e Ayn Rand? O risco de o PT voltar ao poder e o Brasil virar a Venezuela, e vamos focar no discurso infantil de que “imposto é roubo”?
Não que tais coisas não sejam importantes ou interessantes. Elas são. Mas quando o assunto é política, é preciso um mínimo de realismo, de senso de prioridade e urgência, de bom senso. A postura cética que condena todo e qualquer populismo como equivalente e a postura acovardada de quem vive numa torre de marfim contra tudo e todos podem ser confortáveis, mas ajudam pouco aquele que quer emprego amanhã, que não aguenta mais tanta baixaria, indecência e corrupção. E jamais vence eleição.
O paradoxo não é novo: liberais querem restringir o poder político, mas para tanto precisam de políticos eleitos. Devem chegar ao poder para reduzi-lo. Quem entende o dilema sabe que não há solução, apenas “trade-offs”, alternativas imperfeitas. A outra opção é se retirar do jogo para não sujar as mãos, e atacar toda a política em si, todos os políticos, os populistas e os populares, qualquer um que trouxer emoção para a arena democrática. Nesse caso, resta a hipocrisia de quem torce, no fundo, para que outros sujem as mãos e impeçam um destino venezuelano para nosso país…
Rodrigo Constantino
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