Quando as gravações de Joesley Batista com o presidente Temer se tornaram públicas, escrevi textos constatando a insustentabilidade de seu governo, alegando que sua única prioridade, a partir de então, seria sobreviver no cargo, não fazer as reformas. Entendo que não é uma posição fácil, pois defender a saída de Temer implica em fortalecer o discurso oportunista da extrema-esquerda, inclusive aquele golpista que pede “diretas já” de forma inconstitucional.
O dilema de muitos brasileiros decentes era claro: o princípio da ética contra o pragmatismo. Mas argumentei, então, que mesmo pelo viés pragmático era melhor pregar a saída de Temer, pois com ele não teríamos reformas e ainda corríamos o risco de medidas populistas, como as que estamos vendo agora por meio do BNDES. Tough call.
Esse dilema é o que atormenta os tucanos, pois se casaram com o governo Temer, supostamente em prol das reformas necessárias e da estabilidade política. Mas até onde vai o discurso da estabilidade política? Até o TSE expor sua inutilidade e ignorar “excesso de provas”? Até mais escândalos tornarem inviável a permanência dessa turma no poder e o desgaste ser fatal? É complicado mesmo, até porque sabemos que não é apenas o “interesse nacional” que move os caciques tucanos, e sim sua própria sobrevivência.
Daí o racha interno. A ala mais jovem queria romper com Temer, os caciques preferiram ficar. E FHC, eterno “morde e assopra”, já balança mais do que a pinguela, ora pedindo calma e permanência, ora pregando até eleição antecipada, de acordo com os desejos da extrema-esquerda. Tucano gosta mesmo de ficar em cima do muro. Mas essa postura terá um custo alto, especialmente para João Doria, caso seja o candidato em 2018.
Rogério Werneck, em sua coluna de hoje, argumenta que a permanência do PSDB no governo vem expondo o partido a um desastroso desgaste. Já sofreu uma baixa importante, com a saída de Miguel Reale Jr., respeitado jurista. Diz Werneck:
O PSDB recusa-se a enxergar a real extensão das dificuldades com que se debate o presidente. Mal terminada a desgastante batalha do TSE, o Planalto prepara-se, agora, para enfrentar a denúncia contra Michel Temer que estaria prestes a ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O plano de jogo do governo, que o PSDB parece subscrever, é correr contra o tempo. Dar celeridade à decisão da Câmara sobre a admissibilidade da acusação contra o presidente, antes que “fatos novos” possam vir a comprometer seu apoio na Casa.
O que parece não ter sido percebido é que, ciente desse plano, a PGR pode, respeitados os prazos legais, postergar a apresentação da denúncia contra o presidente, até que “fatos novos”, gerados pela própria PGR, possam vir a público. Que é exatamente o que a Procuradoria-Geral da República já vem fazendo.
Alarmado com o que lhe espera, Temer parece ter decidido rasgar a fantasia e partir para o vale-tudo, para assegurar o apoio requerido da Câmara, como bem ilustra a convocação de indecorosa reunião com os governadores, no Alvorada, para discutir a renegociação das dívidas dos estados com o BNDES e outros bancos federais, num momento de suposta mobilização do país com a viabilização de penoso esforço de ajuste fiscal.
Ou seja, a tal estabilidade desejada e as reformas necessárias parecem ter ido para o beleléu, conforme previsto pelos mais pessimistas (realistas?). E agora temos apenas o ex-vice do PT lutando para ficar no poder, custe o que custar, dando munição para o discurso canalha do próprio PT, seu ex-aliado. Foram os petistas que colocaram Temer no poder, é sempre bom lembrar. E sacrificar toda essa narrativa em prol das reformas, que ainda não saíram do papel e se mostram cada vez mais tímidas, pode ter sido um cálculo político e econômico equivocado.
Merval Pereira, em sua coluna de hoje, também fala do que parece ser o real interesse dos caciques tucanos nessa parceria cada vez mais prejudicial ao partido e ao país:
Hoje, o foro privilegiado continua protegendo parlamentares, e as Casas Legislativas continuam tendo que dar permissão para a prisão de um de seus membros. É o caso que será analisado na próxima terça-feira pela Primeira Turma do STF em relação ao senador afastado Aécio Neves.
A Procuradoria-Geral da República voltou a pedir sua prisão, enquanto há uma ação para que ele reassuma suas funções no Senado. No caso de a Turma aprovar a prisão, o plenário do Senado terá que permiti-la, o que indica a possibilidade de uma disputa entre o Legislativo e o Judiciário que pode complicar ainda mais a crise política.
O PSDB mantém o apoio ao governo Temer muito pensando na reciprocidade que o PMDB pode dar na eventual votação sobre Aécio Neves no Senado. Mas com a mudança de posição de dois de seus principais líderes, já que o presidente interino, senador Tasso Jereissati, também já começou a intensificar as críticas ao governo Temer e a bancada tucana na Câmara caminha para votar a favor de um processo contra Temer, pode ser que o senador Aécio Neves seja uma vítima colateral desse desentendimento entre os dois principais partidos que formam hoje o governo.
Os tucanos ensaiam uma debandada? Talvez ainda dê tempo. E se o objetivo são as reformas mesmo, basta o partido sair do governo e apoiar as reformas. Mas o fato é que sua postura até aqui já compromete o discurso para 2018. Aquele “outsider” que poderia ser João Doria se parece mais e mais com o establishment, com a velha política, com o típico tucano. Bernardo Santoro, ex-presidente do Instituto Liberal, fez uma ótima análise da delicada situação de Dória. Eis sua conclusão:
Então, o que resta para Dória?
A primeira opção, mais prudente, é baixar a cabeça e sua bolinha, retornar ao seio do grupo político que o levou a prefeito de São Paulo e se tornar o mais fiel dos alckmistas, torcendo para que, com o tempo, Alckmin releve a traição, considerando-a um lapso de julgamento, e conceda a Dória a chance de ser o candidato tucano ao Governo de SP. Na possibilidade de o nome de Alckmin acabar sendo enrolado igual ao de Aécio na Lava-Jato, o que acho improvável, ele então se tornaria o candidato presidencial, mas esse é um tiro muito distante. Se nada der certo, ele pode simplesmente continuar na prefeitura e ser reeleito em 2020.
A segunda opção é jogar com os rivais históricos de Alckmin em São Paulo. Kassab e seu PSD possuem interesses conflitantes com o PSDB pelo menos em três grandes estados (SP, RJ e PR) com candidatos viáveis aos respectivos governos (o próprio Kassab, Indio da Costa e Ratinho Jr). O PRB também possui agenda própria, tem batido chapa contra os tucanos na capital (Russomann) e estão aliados ao PSD nos três estados. Se Dória realmente acha que está aberta uma janela de oportunidade para ele ser o candidato em 2018, o PSD, um partido muito parecido com Dória, diga-se de passagem, mais que o próprio PSDB, seria um destino perfeito, mas em um cenário de traição a seu criador. Dória conseguiria certamente trazer consigo a dupla PSD/PRB. Além disso, consigo ver outros partidos médios e pequenos dialogando com essa chapa, como PR, PSC, PODE, PROS, PSL/Livres, PRP e PMB. Seria um golaço para Dória, para esses partidos, e daria a Dória um discurso de oposição, já que o candidato situacionista seria Alckmin. Restaria saber se esses partidos teriam a coragem e a altivez de romper com o Governo Temer para a construção dessa candidatura independente.
A terceira opção, menos provável, seria uma ruptura total com o atual establishment político, o que dificultaria muito seu governo municipal atual, para uma candidatura presidencial pelo NOVO. No entanto, sequer sei se o partido possui interesse nele, já que o NOVO tem sua própria lógica de funcionamento, muito diversa dos partidos tradicionais, e talvez não se ajustasse a tamanha e tão independente estrela.
O que será feito, somente o tempo irá dizer.
Enfim, o PSDB segue como fiel da balança na estabilidade política e econômica ou apenas como aquilo que sempre foi, uma esquerda mais moderada que só quer o poder? Acho que se trata de um misto das duas coisas. Acredito que existam tucanos realmente preocupados com o futuro do Brasil, e dispostos ao sacrifício para tanto. Mas acho que muitos ali são apenas petistas melhorados, mais civilizados, mas de olho nas tetas estatais e nada mais.
E quanto mais o PSDB se vender como establishment amoral, mais espaço se abre para “outsiders” ou aventureiros. Melhor para algum nome independente, seja pela esquerda com Joaquim Barbosa ou pelo centro com o Partido Novo, e melhor para Jair Bolsonaro, que, apesar de estar na política há décadas, inclusive com a família toda, sabe se colocar como alguém que bate de frente com essa turma de esquerda, da ala radical, da ala moderada, e da ala fisiológica. PT, PSDB e PMDB unidos de certa forma para salvarem a si mesmos e ao “sistema” podre? Então o povo poderá escolher alguém que representa o oposto disso tudo. E pelo visto não será o Dória…
Rodrigo Constantino
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