Quando eu era adolescente, vi uma cena que me marcou bastante. A vizinha, uma senhora idosa que sofria de câncer, estava sentada na varanda de sua casa com um sujeito que dava voltas pela cadeira “exorcizando” o vilão, presumivelmente algum demônio que causara a grave doença. Ela estava tomando um “banho de espírito” para se curar. Faleceu pouco tempo depois.
Eu era um ateu racionalista e militante na época, e aquilo me impressionou bastante. “Que charlatão”, pensei. Para todo desesperado sempre haverá um abutre à espreita. Mas não quero falar aqui do aspecto religioso da coisa, do fato de que, hoje, posso compreender com um pouco menos de preconceito a medida desesperada da vizinha.
A questão é outra: e se ela pudesse experimentar, em vez do “exorcismo”, algum tratamento experimental em fase inicial? Não seria um evidente direito dela? E não seria, dependendo do caso, uma escolha racional, uma vez que nenhum risco poderia ser maior do que a inação? Pois é. O problema é que, mesmo na América, a “terra da liberdade”, a coisa não funciona bem assim, e o indivíduo tem menos autonomia do que deveria em sua vida.
Há um movimento liberal que tenta justamente permitir maior grau de liberdade a esses indivíduos com graves doenças. Chama-se “Right to Try”, e nasceu nos estados, chegando a colocar maior pressão em Washington. Finalmente, o presidente Trump, em seu excelente discurso do State of the Union, mencionou o assunto, apoiando mudanças na legislação. Esse foi o tema do podcast de hoje do Cato Institute.
O que poderia parecer autoevidente não é permitido ainda: o indivíduo ter o direito de escolher experimentar novos remédios para salvar a própria vida. O poder de regulação do FDA é gigantesco, e isso tem inclusive encarecido muito o custo do investimento em pesquisa e, portanto, dos próprios remédios. Da última vez que verifiquei, um novo produto não ficava por menos de $1,5 bilhão até a fase três de aprovação do FDA. Quem pode arcar com isso? Alguém fica surpreso com a concentração de poder no que se chama Big Pharma?
Christina Sandefur, do Goldwater Institute, comentou que está esperançosa após a fala do presidente, e que isso mostra a força do federalismo no país, uma vez que a iniciativa surgiu de baixo para cima. O próprio vice-presidente, Mike Pence, defendeu mais liberdade aos pacientes quando foi governador.
Há, ainda, a questão da informação. Leis proíbem os laboratórios de compartilhar informações sobre seus experimentos até a aprovação final pelo FDA, o que reduz o avanço dos tratamentos e subtrai dos médicos e dos pacientes sua capacidade de decisão. Empresas de seguro de saúde acabam negando tratamentos por falta de informação também.
Por fim, existe o risco de processos judiciais, que não é nada desprezível. Promotores se aproveitam da visibilidade dos laboratórios para muitas vezes ganharem pontos em suas carreiras processando as “insensíveis farmacêuticas” que buscam o lucro à custa de vidas humanas (valeu, Chomsky!). O caso de Howard Root, mencionado no podcast, é um bom exemplo dos problemas criados pelo governo.
Sua empresa desenvolveu tratamentos revolucionários, nenhum paciente foi prejudicado, os produtos novos representavam algo como 1% das vendas totais, mas ainda assim sua empresa foi processada e precisou gastar uns $25 milhões para se defender. No final, Root se cansou, decidiu que não era possível operar nesse ambiente, e decidiu vender a empresa, dedicando-se a lutar por mais liberdade no campo das ideias.
Ele resume em seu site: “Quando promotores podem usar acusações criminais falsas para destruir todos aqueles à exceção de uns poucos ricos e resistentes como eu, então virtualmente todos estão em risco – mesmo se você não fez nada de errado”. Ele alega que não é mais seu caso, mas sua causa: reformar o sistema americano de justiça.
Por trás desse debate há uma questão fundamental: será que não demos poder demais para o estado? Ainda podemos nos considerar livres se não temos o direito sequer de escolher correr certos riscos em casos de vida ou morte só porque os burocratas do governo ainda não finalizaram o processo de análise dos tratamentos?
Hayek, o grande economista austríaco liberal, estava certo quando disse: “É verdade que ser livre pode significar liberdade para passar fome, cometer erros custosos, ou correr riscos mortais”. E quem tem o direito de decidir? A FDA, ou o próprio paciente em estágio avançado de alguma doença terminal? Um “banho de espírito” pode, mas não um tratamento desenvolvido – e ainda não totalmente testado – por algum laboratório sério? É poder demais nas mãos da FDA, que está longe de ser onisciente…
Rodrigo Constantino
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