Por Claudir Franciatto, publicado pelo Instituto Liberal
Neste mês de março de 2017, num cenário cinematograficamente pós-Oscar e politicamente voltado para Donald Trump e João Doria, nada mais oportuno do que a prometida estreia de um filme bem especial. Aquele que retrata a saga de dois tipos de empreendedorismos. Um filme que eu, pelo menos, aguardo há um bom tempo. E pena que não concorreu a nada no Oscar, pois teria chamado a atenção para detalhes bem importantes. Trata-se de The Founder, para variar título mal vertido para o português, como Fome de Poder.
Nada menos que a história de Raymond Albert Kroc (Ray Kroc) e sua relação com os irmãos Maurice (Mac) e Richard (Dick) McDonald, os homens que inventaram ou reinventaram o fast-food como um negócio global e bilionário. Há uma ansiedade em ver o filme, pois deve retratar algo como na biografia levantada por John F. Love, autor do livro McDonalds, A Verdadeira História do Sucesso, na qual podemos acompanhar esses dois tipos diferentes de formas de empreender. Com sutis diferenças, mas ambos bem norte-americanos, ou seja, determinados, independentes, criativos, inovadores e completamente alheios ao Estado e seus meandros que, quando se propõem a ajudar, corrompem ou atravancam.
Ray Kroc era, ainda aos seus 52 anos de idade, um obstinado empreendedor. Ali, em 1954, andava de um lado para o outro com sua máquina de preparar milk-shakes, visitando donos de restaurantes e lanchonetes. Não estava fácil vender. Para se motivar, colocava na vitrola seus vinis de autoajuda. O que mais escutava era um que repetia constantemente as seguintes palavras: “Perseverança é a chave. A persistência vale mais que o talento e a genialidade”. Com isso em mente, ele não desistia.
Já os irmãos McDonald eram daquele tipo de empreendedor simplório. Muito unidos, formavam o que Napoleon Hill – um dos maiores instigadores da iniciativa privada dos Estados Unidos daqueles tempos – chamava de “master mind”. É quando duas mentes ou mais vibram juntas em direção a uma meta e se energizam. Eles só queriam que seu restaurante fosse um sucesso. E descobriram que mais de 80% dos pedidos dos clientes eram feitos de três itens: hambúrguer, fritas e refrigerantes, enquanto a maior reclamação vinha da demora no atendimento. Passaram, então, a só vender esse tipo de trio matador, transformando a espera dos clientes de 30 minutos em 30 segundos. Um novo conceito de produção que revolucionou uma série de coisas na alimentação e no atendimento nesses estabelecimentos.
Um belo dia, o escritório de Ray Kroc, com dificuldade para vender um único mixer, recebeu um pedido para entregar meia dúzia de uma só vez. Aliás, o pedido foi aumentado para oito peças. Como assim? Ele estranhou. Foi verificar. A solicitação vinha lá de San Bernardino, na Califórnia, exatamente da lanchonete dos irmãos McDonald. Viajou para lá e, ao se deparar com a qualidade dos sanduíches, com a rapidez do atendimento, com o chamariz dos arcos dourados e, principalmente – confessou ele bem mais tarde – com a marca McDonalds brilhando no alto, Ray Kroc quase enlouqueceu. Aquilo tinha que ganhar o mundo. E mais: tinha que ser dele. E foi!
Quem dera o empreendedorismo fosse mesmo uma “teologia” no Brasil!
Ray Kroc e o conceito McDonalds são efetivamente um prato cheio para os politicamente corretos e suas patrulhas incansáveis de neo-puritanos. E o filme certamente despertará debates. Dirão que ele roubou a marca dos “caipiras” Dick e Mac. Que faltou ética e sobrou ganância. Que esse sistema ajudou no aquecimento global e no desequilíbrio ecológico, etc, etc… Portanto, “Ray Kroc foi um escroque”, trocadilho que estou oferecendo de graça para o professor Leandro Karnal, filósofo pop da Unicamp (é preciso dizer mais?) que, nada sutilmente, utiliza suas palestras para falar mal dos empreendedores. Segundo ele, representam uma “teologia” e usualmente ferem a ética para enriquecer. E cita como exemplo magno Steve Jobs, que começou a carreira vendendo máquina de roubar sinal telefônico. E por aí em diante. Ele até tenta ser sutil ao afirmar que respeita um certo espírito protestante-anglo-saxão…
Mas o que não dirão – e certamente aparecerá no filme – é que Ray teve de hipotecar a única casa da família para iniciar o sistema de franquias para os irmãos McDonald. Com mais de 50 anos de idade, esse início foi feito de suor e sangue, correndo nos bancos atrás de investimento. De ideia em ideia, o sistema se transformou num negócio bilionário e ele é conhecido hoje no mundo como “o fundador” da rede McDonalds e “o filantropo”, doando rios de dinheiro para se livrar de culpas que a sociedade lhe impunha e ele não tinha.
É interessante acompanhar sua história. Seus funcionários podiam começar na chapa de fritura e chegar à presidência, como aconteceu com Fred Turner. Este dizia sempre sobre o conselho de Ray Kroc dado aos seus subordinados: “Concentrem-se em fazer um bom trabalho e não em ganhar dinheiro, pois, se trabalharem duro e gostarem de seu trabalho, os problemas de dinheiro se resolverão por si”.
E, vejam, mesmo com toda sua verve empreendedora e perseverante, chegou um momento em que Ray estava num completo buraco. Iria perder a casa, os negócios e o futuro. Só que não. Esse tipo de pessoa acaba atraindo outros pares. Como aconteceu, só para citar um exemplo conhecido por aqui, com Silvio Santos. Quando apostou demais no SBT e se encalacrou todo. Quase faliu e apareceu alguém com a ideia da Tele Sena e o salvou. Surgiu na vida de Ray Kroc a figura de Harry J. Sonneborn – feito depois o primeiro presidente da rede, e disse a ele a seguinte frase: “Ray, você não está no negócio de hambúrguer. Você está é no ramo imobiliário. Comece a ser dono dos terrenos onde serão fincadas as lanchonetes e terá toda a cadeia nas mãos”. Não deu outra. A partir daí, nada mais o deteve.
Houve falta de ética ao tomar a marca dos irmãos McDonald? Houve ganância? Ambição desmedida? Resposta: vícios privados, virtudes públicas. Entenda como quiser. Ganhamos todos nós.
E esse filme vai estrear por aqui no momento em que dois empreendedores chegaram ao poder. Um na presidência da maior nação do mundo. Outro na maior metrópole da América Latina. Quando eu me lembro de um diálogo que pude acompanhar recentemente entre dois petistas que eu conheço e que fizeram suas carreiras dependendo das ações de empreendedores, ao tecerem críticas repletas de palavras pesadas a respeito dos primeiros dias de Donald Trump no poder. E um deles, ao encerrar a conversa afirmou: “Mas o que é que se pode esperar de um empresário?”.
Sobre o autor: Claudir Franciatto é jornalista e escritor. Autor e organizador, entre outros, dos livros O DESAFIO DA LIBERDADE e A FAÇANHA DA LIBERDADE, obra editada pelo jornal O Estado de S. Paulo, com participação de liberais brasileiros e mais Mário Vargas Llosa, Octavio Paz, Carlos Rangel.
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