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Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal e originalmente no blog do autor

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Who watches the watchmen? Ou: quem vigia os vigilantes? Esse questionamento brota naturalmente diante de investigações que revelam o envolvimento de tribunais de contas estaduais (TCE) e até mesmo do órgão equipotente da União Federal (TCU), tais como essas noticiadas recentemente pelo portal G1:

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Ora, quando até mesmo as instituições encarregadas de velar o erário, criadas com a missão primeira de impedir a delapidação dos recursos públicos por parte de agentes do Estado ímprobos e capitalistas “compadres”, aquelas que são os olhos do povo sobre as operações financeiras realizadas com os impostos extraídos da atividade produtiva, resolvem, elas também, tomar parte na orgia bancada com o nosso dinheiro, não há como julgar aqueles que perderam por completo a esperança de que, um dia, será possível mitigar a corrupção na administração pública brasileira.

Tal conjuntura, na qual o próprio juiz do jogo entre os interesses público e privado deixa-se corromper, deve ser surpreendente tão somente àqueles que consideram que um cargo de qualquer natureza, uma função governamental, uma farda ou uma toga são capazes de livrar um ser humano de todas as suas imperfeições, tornando-o imune às tentações que atormentam pessoas comuns.

Que nada: os auditores e conselheiros dos TC são tão falíveis quanto qualquer um de nós, e constitui pura quimera fantasiar que outorgar-lhes a responsabilidade de zelar pelas contas das demais pessoas que movimentam valores dos cofres públicos vai elevá-los, por si só, a um grau de honestidade superior.

Não. Eles também estão sujeitos aos pruridos que costumam irromper na alma diante de oportunidades de embolsar, de uma única lapada, valores equivalentes aos salários acumulados por múltiplas existências consecutivas. Ser nomeado como funcionário de um TCE ou do TCU não purifica o espírito de ninguém, nem torna o indivíduo menos propenso a sucumbir ao vil metal fácil – tal qual o personagem Jacobina, do célebre conto “O Espelho” de Machado de Assis, cuja imagem refletida altera-se quando ele está vestido com sua indumentária de Alferes da Guarda Nacional. Pura ilusão: sua personalidade, seu “eu” interior permanece inalterado, tão adstrito pelos defeitos da humanidade quanto qualquer um de nós.

E quando do carimbo, do aceite deste agente estatal depende o sucesso de empreitadas impudicas empreendidas nos corredores do poder, pior ainda, pois esta competência jurídica majora em muito seu poder de barganha em eventuais negociatas e amplia a probabilidade de ocorrência de desvios da ética profissional. E em nada adianta remunerar-lhe regiamente ou conferir-lhe prerrogativas visando aumentar sua isenção, tais como a estabilidade e a autonomia do órgão em que labora, uma vez que nada pode comparar-se à possibilidade de ficar rico apenas fazendo vista grossa.

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Não há anjos entre nós que possam, eventualmente, serem selecionados e convocados para tais atribuições sob tais circunstâncias. Não adianta, pois, nutrir expectativas de que, cedo ou tarde, super-heróis sem capa dotados de valores incorruptíveis irão ocupar tais postos e darão fim a sequência de episódios de subversão. Não vão.

Agora imagine este cenário temperado com um Estado agigantado, onde parcela significativa da riqueza nacional circula na esfera pública, em que milhares de contratos públicos são firmados diariamente, em número muito acima da capacidade de análise dos órgãos fiscalizatórios – o que facilita, claro, olhar de soslaio para determinadas manobras ilícitas, sob o pretexto da sobrecarga de trabalho: está pronto o enredo de um país assolado por uma verdadeira praga que canaliza para bolsos marotos boa parte do valor gerado pelos esforços dos brasileiros, distorcendo toda a lógica da vida em sociedade e desmotivando o trabalho honesto do cidadão comum – precisamente o oposto do que costuma afirmar Leandro Carnal, por sinal.

Ressalve-se que mesmo a maioria de bem-intencionados que trabalham nos TCE e no TCU pouco pode fazer frente à avalanche de indícios de irregularidades a serem apuradas, tal qual um cachorro peludo tentando aliviar a coceira provocada por um sem número de pulgas e carrapatos: enquanto ele tenta aliviar a cabeça, o lombo é atacado impiedosamente, e vice-versa. Ou se adota, no caso, a solução mais racional – ou seja, submete-se o animal à tosa, dificultando a proliferação dos insetos – ou o destino é apenas enxugar gelo indefinidamente.

Da mesma forma, ou procedemos à “tosquia” do Estado, reduzindo seu tamanho e foco de atuação, promovendo o enxugamento da máquina pública, ou nosso cachorro vai passar a vida tendo seu $angue sugado por parasitas, a despeito da boa vontade de seu dono. Pode coçar à vontade que os sifonápteros vão prevalecer, invariavelmente, ainda que sejam contratados cinco veterinários para tratar do cão, e mesmo considerando que todos irão trabalhar da melhor forma possível (o que não costuma ser verificado na prática).

Em suma: se há funcionários públicos abusando e desviando do poder neles investido de monitorar a regularidade dos atos praticados por outros agentes estatais, e diante da impossibilidade (ou da esquizofrenia) de watch the watchmen (e quem vigiaria os vigilantes de vigilantes, e assim sucessivamente?), só resta restringir esse poder, franqueando quaisquer atividades econômicas que possam ser executadas por investidores privados ao livre mercado.

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Reservadas ao Estado devem permanecer tão apenas aquelas áreas que o sistema de concorrência não logre desempenhar – bem como, por inequívoco, sua função primordial de “combater a violência, agindo sob leis objetivas que determinam os limites que ele deve respeitar e as consequências para aqueles indivíduos que violarem os direitos individuais dos outros, a saber, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade como aprouver a cada um, desde que, no exercício desses direitos, ninguém viole esses mesmos direitos de outro”, como bem definiu Roberto Rachewsky.

Infelizmente, não há um Sérgio Moro disponível para ocupar cada um dos cargos de auditor de contas públicas existentes. Nem de longe. Se a ocasião faz o ladrão – por vezes com o consentimento da autoridade supervisora -, então que se reduzam ao mínimo as ocasiões disponíveis para conluios entre particulares e o governo.