Se o leitor estiver interessado nos aspectos históricos do feriado mais importante para os americanos, junto ao Natal, então recomendo esse texto da Gazeta. Ali consta o básico, o mais relevante, e trechos como esse abaixo mostram o que a data representa do ponto de vista cultural:
Chamada de “primeira Ação de Graças’, esta festa reuniu um grupo de cerca de 90 nativos e outro de aproximadamente 50 colonos. Após um estranhamento inicial, os dois grupos se integraram e compartilharam comida em um banquete, para celebrar uma boa colheita antes da chegada do inverno. O encontro durou três dias e, depois dele, foi selado um acordo de paz que durou 50 anos.
Nos anos seguintes, os colonos da região, chamada de Nova Inglaterra, fizeram diversas festas esporádicas para agradecer a Deus por coisas boas, como vitórias militares ou o fim de uma seca.
A proporção que a coisa ganhou pode escapar ao conhecimento dos brasileiros. Leandro Ruschel resumiu em seu Twitter: “54 milhões de americanos devem viajar nessa semana para o feriado de Thanksgiving na quinta-feira. É o momento para a maioria dos americanos se reunirem com suas famílias e dar graças pelas suas conquistas. A tradição foi trazida pelos peregrinos ingleses”.
Como sabemos, os americanos costumam sair de casa na época da faculdade, para morar em outra cidade. Do nascimento aos 18 anos, porém, o grau de dedicação dos pais é absoluto, e incompreensível para a elite brasileira, acostumada com babás e folguistas. Aqui se vive quase em função dos rebentos. Depois eles se mandam, e é nesse feriado que as famílias se reúnem, além do Natal.
A esquerda, que politiza absolutamente tudo, tenta ensinar como “debater” com o tiozão raivoso de esquerda ou direita. O NYT fez exatamente isso, publicando um script da suposta conversa. Tudo que conseguiu foi mostrar seu preconceito ideológico. O tio de direita é retratado como um alienado e idiota, enquanto o de esquerda é refinado e inteligente.
Outros recomendam que no jantar de ação de graças não se fale de política ou religião. Ora, desde quando a fuga dos temas mais interessantes é a receita certa do bom convívio? O que restaria: apenas o “small talk”, as banalidades e futilidades? Conhecer o que o outro pensa da vida, suas crenças mais profundas, sua visão de mundo, parece algo bem mais interessante. É debatendo e divergindo que crescemos. O segredo é fazê-lo com respeito, civilidade e realmente interessado no que o outro tem a dizer, não evitar qualquer risco de divergência mais estrutural.
Mas o ponto central desse texto não é nada disso, e sim retornar à essência da data. Vivemos numa época um tanto egoísta, hedonista até, e mimada. Todos parecem voltados ao seus próprios umbigos. E na época dos “entitlements”, com a turma encarando benefícios estatais como direitos inalienáveis, nunca foi tão importante lembrar do teor do Thanksgiving: agradecer por tudo aquilo que temos. E não é pouco!
Do ponto de vista material, desnecessário dizer: alguém de classe média hoje vive com mais conforto do que nobres e reis do passado. O que um índio daria por um ar condicionado? O que um aborígene daria por uma penicilina? Os indicadores comprovam: a qualidade de vida aumentou muito nos últimos séculos, graças ao capitalismo.
Mas não falo apenas do aspecto materialista. Falo, ao contrário, do ponto de vista espiritual. Estar vivo já é uma dádiva, um milagre que deve ser reconhecido e aproveitado, com moderação e respeito ao que representa ser humano. Quem acha que viemos de baixo, dos bichos, pode acabar mirando no animalesco como referência. Quem acha que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus olha para cima, para algo mais elevado, como meta. Parece-me mais interessante.
E o ateu fica em dificuldade nessa hora: vai agradecer a quem por tudo que tem? Ao acaso? Pode até ser. Já estive lá. Mas venho me reaproximando da “casa”, e ironicamente isso aconteceu antes de o chão sob meus pés se abrir. Não quero entrar em detalhes, pois se trata da minha vida pessoal, mas leitores sabem que enfrentei uma barra pesada nos últimos meses, culminando no meu segundo – e definitivo – divórcio (com a mesma mulher). Houve bastante sofrimento, decepção, inúmeros sentimentos ruins.
Não obstante, sou grato a tudo que tenho! Enfrentei esse momento difícil com cabeça erguida, alguma resignação e estoicismo, pensando sempre no que tenho, não no que perdi, e agradecendo a Deus pela minha vida e pelos meus filhos, minha maior prioridade. Sempre há alguém em situação pior, e a nossa também pode sempre piorar. São as contingências do destino, que não controlamos, apesar de todo o planejamento.
Essa noção, de quem procura olhar o copo meio cheio em vez de meio vazio, e aceita com alguma naturalidade as peças que o destino nos prega, ajuda a superar as crises. A alternativa é se tornar um revoltado, quase um niilista, e bancar a vítima, como se o mundo conspirasse contra você. Bobagem! Tem gente passando por uma barra bem mais pesada e com dignidade, mantendo o foco nos valores, fazendo a coisa certa.
Não são livros de autoajuda que ajudam nessas fases, mas sim valores sólidos, família, Deus, mitos de heróis, referências morais. O “desapego”, a vida sem sentimentos, uma blindagem covarde, é uma fuga ineficiente. Muito melhor, repito, é voltar sua atenção para o que você tem, não para o que não tem, para o que ganhou, não o que perdeu. Não é por outro motivo que, na minha parede com as fotos da família, há também essa mensagem escrita:
Essa é a mensagem do Thanksgiving em sua essência. Essa é a mensagem que gostaria de deixar para meus leitores. Sejamos mais gratos a tudo aquilo que temos. Vamos agradecer mais do que pedir ou cobrar. Vamos enxergar o copo meio cheio, não meio vazio. E vamos focar mais naquilo que realmente interessa: a família, os valores éticos, uma vida humana digna e voltada para padrões mais elevados, mirando em metas acima das bestas animais, pois somos mais do que isso. E devemos demonstrar muita gratidão por isso.
Rodrigo Constantino