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O estado não é (e não deveria ser) Mecenas

Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal

O leitor Alexandre Guimarães Carvalho (cineasta) pergunta minha opinião sobre políticas públicas de apoio ao cinema nacional. Alega que, como “a indústria americana vive na prática em situação de monopólio, não seria correto a gente continuar se defendendo com medidas protecionistas”?

Evidentemente, não concordo. A indústria do audiovisual é uma indústria como outra qualquer da economia, além do quê políticas protecionistas e de subsídios são, por princípio, diametralmente contrárias à doutrina liberal, sejam por questões de natureza prática (utilitária), sejam por aspectos de natureza moral.

Por outro lado, também não concordo com a afirmação de que Hollywood detém um monopólio de fato neste setor. Embora as produções americanas dominem o faturamento dessa indústria, várias produções nacionais já demonstraram que boas películas são capazes de gerar excelente retorno, não raro desbancando a concorrência ianque.

Abaixo, transcrevo artigo sobre o tema, que publiquei aqui neste blog, em 2014:

Eles apoiam o governo e nós pagamos a conta

Leio na coluna do Ancelmo Gois (O Globo) que o cantor e compositor Gilberto Gil foi autorizado a captar R$ 6.205.700 pelas regras da Lei Rouanet de incentivo a cultura.  Em princípio, não acreditei, mas eis que a informação está amparada por publicação do próprio Ministério da Cultura (veja na pg 06/44), do qual, a propósito, o senhor Gilberto Gil já foi o ministro titular.

Habituada a décadas de intervencionismo em todas as áreas da atividade econômica, a sociedade brasileira tornou-se incapaz de discernir que um dos principais atentados às liberdades individuais está, justamente, na proposição de que o Estado deva fomentar a produção artística no país.

Enquanto os patrocinadores privados de qualquer evento artístico ou cultural estarão atentos, dentre outros aspectos, à viabilidade econômico-financeira do projeto, tendo em vista o seu possível retorno, os governos estão de olho somente no ganho político. Esta distorção acaba impondo aos contribuintes dois tipos distintos de prejuízo: um de caráter financeiro e o outro – a meu ver mais grave – de cunho moral.

O dano financeiro fica patente quando, ao focar a análise dos pedidos de financiamento apenas no lado político, quando não no seu conteúdo ideológico, sem considerar os aspectos práticos e econômicos envolvidos, os governos estão colocando em risco um capital que não lhes pertence, do qual são meros administradores provisórios. Creio ainda estar fresco na memória de todos o episódio envolvendo a produção do longa metragem “Chatô”, em que os produtores, após receberem os milhões do financiamento, simplesmente não conseguiram finalizar o filme, restando do imbróglio, além do incalculável rombo, um emaranhado sem fim de pendengas judiciais.

Já o dano moral é um pouco mais sutil e, por isso, difícil de ser avaliado, envolvendo aspectos de natureza ética. Quando o Estado coloca dinheiro público numa obra cinematográfica, por exemplo, uma ínfima, porém muito significante parcela daquele recurso pertence a cada um dos contribuintes. Isto quer dizer que, independentemente da minha vontade, dos meus valores, dos preceitos morais, políticos e religiosos que guiam as minhas ações, meu dinheiro pode estar sendo usado para financiar espetáculos com os quais não tenho a menor afinidade ou, pior, dos quais discorde frontalmente.

Apenas para exemplificar, suponhamos que o governo decida patrocinar espetáculos (filmes, peças, shows, etc) enaltecendo figuras históricas cujas vidas estão ligadas ao comunismo, doutrina com a qual, evidentemente, não guardo qualquer identificação. Ao contrário, sabedor das incontáveis mazelas que este tumor maligno já espalhou pelo mundo, estou aliado àqueles que têm procurado combatê-lo diuturnamente. Portanto, por escolha própria eu jamais aventaria a hipótese de investir meu dinheiro em tais espetáculos, independentemente do retorno financeiro.

Ocorre que, como é o Estado que os financia, todos estamos indiretamente patrocinando. Agora pergunto: existe algo mais imoral que alguém utilizar o meu dinheiro para divulgar ideias e ideais completamente avessos aos meus? Como se sentiria o estimado leitor se o governo resolvesse usar o seu dinheiro para financiar uma película fazendo apologia, por exemplo, do nazismo?

Outra mazela do financiamento público à cultura é o encabrestamento dos artistas. Em tese, os recursos para fomento deveriam ser distribuídos de forma democrática, mas como eles são escassos, o grande mecenas, agindo pelas mãos de alguns “especialistas” estrategicamente instalados em pontos chave da cadeia burocrática, irá quase sempre escolher, entre os inúmeros postulantes, aqueles ideologicamente alinhados com o governo, além dos que se mostrarem mais eficientes na arte da adulação.  É claro que a maioria dos artistas tenderá a dar apoio político ao partido no poder, sempre visando, é claro, a abocanhar fatias cada vez maiores das benesses estatais

Ademais, não há razão para que as atividades artísticas não devam sobreviver às suas próprias expensas, afinal são atividades empresariais como quaisquer outras. Um filme, uma peça, um concerto, um circo ou uma ópera darão retorno quando forem de boa qualidade, bem divulgados e vendidos a preço justo. No Brasil, infelizmente, criou-se o hábito do paternalismo cultural, em que os lucros de um espetáculo são dos produtores, mas os eventuais prejuízos são de todos.  Millôr Fernandes costumava dizer, com seu habitual sarcasmo, que o cinema tupiniquim quando dá lucro é indústria, quando dá prejuízo é arte.  Uma verdade que vale para qualquer espetáculo cultural no país.

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