Os adolescentes cometem menos de 1% dos homicídios no país. Essa é a grande bandeira dos que são contra a redução da maioridade penal. Ora, mesmo que fosse isso mesmo, e daí? Ninguém defende a redução porque acha que a grande parte dos assassinatos é cometida por menores, e sim porque aqueles que cometem tais crimes devem pagar por isso como adultos, já que são cientes de seus atos.
Mas mesmo assim esse dado é incorreto, ou ao menos impreciso. Foi o que descobriu meu colega de Veja, o jornalista Leandro Narloch. Seu furo mostra como a tal estatística, tão citada, não existe, é fantasma, é o repetido porque alguém disse, mas ninguém sabe quem. Diz o jornalista:
O Congresso em Foco, hospedado pelo UOL, afirma que “segundo o Ministério da Justiça, menores cometem menos de 1% dos crimes no país”. Um punhado de deputados e sites do PT dizem a mesma coisa. Mas basta um telefonema para descobrir que o Ministério da Justiça tampouco registra dados de faixa etária de assassinos. “Devem ter se baseado na pesquisa do Unicef”, me disse um assessor de imprensa do ministério.
Seria então o Unicef a fonte da estimativa? Uma reportagem do Globo de semana passada parece resolver o mistério: “Unicef estima em 1% os homicídios cometidos por menores no Brasil”. Mas o Unicef também nega a autoria dos dados. Fiquei dois dias insistindo com o órgão para saber como chegaram ao valor, até a assessora de imprensa admitir que “esse número de 1% não é nosso, é do Globo”. Na reportagem, o próprio técnico do Unicef, Mário Volpi, admite que a informação não existe. “Hoje ninguém sabe quantos homicídios são praticados por esse jovem de 16 ou 17 anos que é alvo da PEC.” Sabe-se lá o motivo, o Globo preferiu ignorar a falta de dados e repetir a ladainha do 1%. O estranho é que o Unicef não emitiu notas à imprensa desmentido a informação.
Também fui atrás da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mas nada: o governo paulista não produz estimativas de faixa etária de assassinos, somente de vítimas. Governos estaduais são geralmente a fonte primária de relatórios sobre violência publicados por ONGs e instituições federais. Se o estado com maior número absoluto de assassinatos no Brasil não tem o número, é difícil acreditar que ele exista. Resumindo: está todo mundo citando uma pesquisa fantasma.
Na verdade, uma estatística parecida até existiu há mais de uma década. Em 2004, um pesquisador da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo lançou um estudo afirmando que menores de idade eram responsáveis por 0,97% dos homicídios e 1,5% dos roubos. Foi assim que nasceu a lenda do 1% de crimes cometidos por adolescentes.
Mas a pesquisa de 2004 tropeçou num erro graúdo. Ao calcular a porcentagem, os técnicos dividiram o número de menores presos por homicídio pelo total de homicídios no estado. Sem ligar para o fato de que em 90% dos assassinatos a identidade dos agressores não é revelada, pois a polícia não consegue esclarecer os crimes.
Imagine que, de cada 100 homicídios no Brasil, apenas oito são esclarecidos, e que desses oito um foi cometido por adolescentes. Seria um absurdo concluir que apenas um em cada cem homicídios foi praticado por adolescentes. Um estatístico honesto diria que um em cada oito crimes esclarecidos (ou 12,5%) foi cometido menores de idade.
Adotando esse método, os números brasileiros se aproximariam dos de outros países. NosEstados Unidos, menores praticaram 7% dos homicídios de 2012. No Canadá, 11%. Na Inglaterra, 18% dos crimes violentos (homicídio, tentativa de homicídio, assalto e estupro) vieram de pessoas entre 10 e 17 anos. Tem algo errado ou os adolescentes brasileiros são os mais pacatos do mundo?
Sim, tem algo errado: a estatística.
Sim, as estatísticas podem ser a arte de torturar números até que confessem qualquer coisa. Podem mostrar muita coisa, como sabia Roberto Campos, mas esconder o essencial, tal como os biquinis. Manipuladas por gente “esperta”, as estatísticas produzem uma base empírica para a narrativa ideológica, dando ares de ciência àquilo que é puro desejo e crença.
A lógica já mostra o óbvio: a inimputabilidade dos menores gera um clima de impunidade, o que certamente representa um convite ao crime. Eles são aliciados pelos bandidos, ou então resolvem por conta própria entrar no mundo do crime, pois sabem que a punição, caso pegos, será suave. Negar que isso seja um estímulo ao crime é ignorar a natureza humana em troca de uma visão romântica do homem. Valeu, Rousseau!
O leitor tem o direito de ser contra a redução da maioridade penal, claro. Precisa, porém, apresentar bons argumentos para isso. Apelar ao sensacionalismo não vale. Tentar monopolizar as boas intenções para com nossos jovens pobres não vale. E usar falsas estatísticas vale menos ainda.
Rodrigo Constantino