Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal
Uma das palavras mais utilizadas nos últimos tempos, nos meios políticos, é o tão famigerado: globalismo. Mas talvez falte um aprofundamento mais sistemático e que abranja o globalismo de maneira panorâmica em sua extensão geopolítica contemporânea e desenvolvimento histórico e filosófico; não se trata, porém, de buscar uma etimologia da palavra “globalismo” ou de montar uma árvore genealógica daqueles que primeiro se utilizaram de tal denominação. Ainda que tais explanações possam ser de uma riqueza ímpar no meio acadêmico, por vezes tais exposições apenas evidenciam o termo nascituro e não o debate já amadurecido; e no caso do globalismo isso é um fato.
Rodrigo Constantino fez uma feliz explicação da diferença entre globalismo e globalização. Em suma, a globalização é um fenômeno de conexão comercial entre países com economias pulsantes, abrindo, assim, a possibilidade da competição econômica e de transações comerciais a nível mundial; o globalismo, por sua vez, é um fenômeno político que parte do pressuposto do “vale tudo por poder”.
Não há erros em tal discrição do Constantino e como abordagem introdutória é de uma riqueza ímpar, mas creio ser necessário aprofundar algumas características históricas e filosóficas do globalismo para podermos, então, compreendê-lo em seis vieses políticos e como ele age na contemporaneidade.
As bases do globalismo:
O globalismo é um movimento ideológico que busca suprimir uma moral estrutural, uma tradição arraigada e/ou conceitos que sustentam a realidade ocidental tal como recebemos dos séculos que nos precederam. Tal movimento é verdadeiramente uma engenharia social em sua conceituação mais dinâmica e completa. Todavia, engana-se quem pensa que esse é uma intuição nova, talvez seja nova a sua roupagem e sua retórica, mas as suas ambições são tão antigas quanto o própria URSS no desejo de expandir sua filosofia política soviética pelo leste europeu e Américas.
O comunismo estruturou sua fé ideológica sobre um comando que se reverberou por todos os cantos onde tais ideias chegaram. “Proletários de todos os países, unam-se” (MARX; ENGELS. 2012, p. 83), foi o brado de guerra deixado por Karl Marx ao fim de seu Manifesto do partido comunista. Desde então, entendeu-se que o comunismo deveria ser alicerçado sob uma corrente internacionalista — podemos dizer de maneira sumária: o precursor do globalismo moderno foi a URSS em sua filosofia universalista —, a partir de então o encontro dos comunistas multinacionais começou a se chamar: “internacional comunista”. Sob Lênin inicia-se trama para a revolução global, mas as anexações dos países, propriamente dita, somente se inicia ao fim da vida de Lênin e tem sua continuidade sob Stálin. É bem verdade que Stálin assume muitas características do puro nacionalismo fascista; Vladimir Tismăneanu afirma que há um freamento na exportação da filosofia leninista e começa-se a exportar um “russocentrismo” e um utopismo comunista em sua vertente mais radical. Nada que nos espante, afinal, o fascismo e comunismo nunca tiveram tão distante assim como se pensa. Aliás, Tismăneanu também já afirmara em seu livro Do comunismo: “O comunismo e o fascismo são gênios totalitários, são dois gêmeos totalitários”. (TISMANEANU. 2015, p. 16)
O impulso internacionalista do comunismo soviético não visava exclusivamente o aparato econômico, como muitos pensam, tanto que as “galinhas d’ouro” da URSS eram os meios de produção estatizados, tendo seus motores econômicos nas tomadas dos meios de produção através das anexações. Sendo assim, não havia uma preocupação em exportar um modelo econômico para as demais nações pois suas vias econômicas já estavam muito bem delineadas nas estatizações; por mais que isso possa soar estranho basta-nos olhar que as influências exercidas pela URSS eram, de maneira primeva, na área filosófica e política.
É necessário compreender isso de maneira mais aprofundada. O jovem Karl Marx, e aquele que escrevera o Manifesto, tinha em mente uma revolução de caráter paramilitar, em que um levante político-operário iria colocar abaixo o sistema político e econômico reinante, algo como que uma segunda leva da revolução francesa. Todavia, percebeu Marx, já próximo ao fim de sua vida, que havia um aspecto social que era anterior a qualquer movimento revolucionário em si. Isto é: as pessoas estão estruturadas, primariamente, sobre o pilar familiar numa condição de indivíduos distintos, — todavia, interdependentes —, e não como cidadãos dependentes de uma estrutura estatal que molde-os conforme uma filosofia determinada.
Esses indivíduos estão imbuídos de uma moral histórica relacionada às suas criações familiares que são independentes das opiniões e vertentes estatais, isso é uma pedra enorme no caminho do marxismo que busca moldar a sociedade a partir da ação estatal e da coletivização dos indivíduos. Marx tenta inverter a estrutura da realidade que nos afirma que a família é anterior ao Estado; tal inversão é indispensável para os planos do marxismo.
Em suma, os indivíduos estão envoltos em costumes, tradições e realidades que influenciam fortemente suas escolhas e as mantém seguras em um senso-comum conservador emancipado de qualquer influência política do Estado — aquilo que Marx chamará de “Supraestrutura”. Sendo assim, não era inteligente esperar uma revolução social de operários que estavam “contaminados com mentalidade moral burguesa e tradicional da sociedade”. Era preciso uma desconstrução — ou como veremos na citação abaixo, uma “reconversão” — ética, moral, filosófica e religiosa na sociedade como um todo. Marx deixa isso praticamente explicito em sua última obra — obra esta que fora terminada por Friedrich Engels — A origem da família, da propriedade privada e do Estado, nessa obra ele denomina a família como o mal a ser combatido culturalmente. Nesse ensaio Marx e Engels intuí aquilo que já vinha sendo um start na obra Manuscritos econômico-filosóficos: a sociedade precisa de uma revolução cultural que preceda a revolução político-social.
A partir da 3ª Internacional, Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas, os grandes expoentes da Escola de Frankfurt, começaram um movimento de enculturação e quebra de paradigmas através da filosofia, sociologia e linguagens. A ideia que plainava tal movimento — que seria expoente para outros intelectuais de esquerda no mundo inteiro — era quebrar a camada de gelo da moral familiar, baseada nas concepções judaico-cristãs, não com brocas ou marretas, como se lia no Manifesto do partido comunista, mas através da pedagogia, enculturação, inversão moral e movimentos sociais militantes. O que se esperava de tal estratégia era fazer uma revolução interna e silenciosa, ao ponto que só daríamos conta dela no momento em que já estivéssemos envoltos nesse éter ideológico permeado na cultura e sociedade mundial. Tal intuição passa a ser ainda mais exacerbada após a queda da URSS e o fracasso retumbante de suas ambições comunistas tradicionais. Ficava claro aos socialistas que a revolução armada já não era um caminho viável. (Continua…)
Referências:
ARON, Raymond. O ópio dos intelectuais, Três estrelas: São Paulo, 2016
- E. DAVIS. La modification des attitudes, Rapport et documentes de sciences sociales, nº 19, Paris, Unesco, 1964, In. BERNADIN, Pascal. Maquiavel pedagogo: ou o mistério da reforma psicológica, Ecclesiae: Campinas/SP; Vide Editorial: São Paulo, 2013
MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do partido comunista. Penguin: São Paulo, 2012.
MISES, Ludwig von. A mentalidade anticapitalista, 2ª Ed. Instituto Liberal: São Paulo; Mises Brasil: São Paulo, S/A
TISMANEANU, Vladimir. Do comunismo: o destino de uma religião política, Vide editorial: Campinas SP, 2015
Sobre o autor: Pedro Henrique Alves é Filósofo formado pela Faculdade Dehoniana; escritor na coluna de política do Instituto Liberal de Minas Gerais; editor e escritor do Blog Do Contra; além de estudioso de filosofia política com ênfase em políticas totalitárias.
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