Momentos antes de descer a rampa que dá acesso à sala de eventos do Palácio do Planalto ao lado do ministro da Justiça, Sérgio Moro, na quinta-feira passada, 29, num gesto simbólico da reaproximação, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro tiveram uma dura conversa. Segundo interlocutores dos dois lados, o encontro quase resultou na saída de Moro do governo.
A situação foi contornada, no entanto, a tempo de evitar esse desfecho, após o presidente ser convencido de que teria muito a perder com uma eventual demissão do ex-juiz da Lava Jato, idolatrado por grande parte dos eleitores.
Durante o evento, que marcava o lançamento de um programa da pasta de Moro, o presidente elogiou – que chegou a ter o status de “superministro” –, a quem se referiu como “patrimônio nacional”.
Em entrevista com jornalistas da Folha, porém, Bolsonaro mudou novamente o tom e chamou Moro de “ingênuo”, além de ter se referido a Paulo Guedes como “chucro” em política. Ingênuo é algo que remete a um bobo da corte, ainda mais em se tratando de um superministro, um juiz que foi responsável pelas mais importantes prisões de políticos no país.
O ministro, contudo, optou pelo silêncio. O ex-juiz federal ficou apenas três minutos em um evento marcado pela pasta nesta quarta-feira (4) e foi embora sem responder a perguntas. A reportagem da Folha perguntou a Moro, enquanto ele se retirava da sala do ministério da Justiça, sobre a troca de comando da PF. Ele não respondeu, acenando com a mão, dando tchau.
Um dia antes, à Folha, Bolsonaro afirmou que o comando da Polícia Federal precisa dar uma “arejada” e chamou de “babaquice” a reação de integrantes da corporação às declarações dele sobre trocas em superintendências e na diretoria-geral.
Bolsonaro disse ainda que já teve uma conversa com Moro sobre uma possível mudança na direção da PF, subordinada ao ministro da Justiça. “Está tudo acertado com o Moro, ele pode trocar [o diretor-geral, Maurício Valeixo] quando quiser.”
Trata-se de um constrangimento e tanto ao ministro, já que Valeixo é de sua confiança e seu subordinado. Bolsonaro atropela a autonomia de Moro, e o faz pela mídia, expondo o ministro ao ridículo. E o silêncio de Moro, como resposta, é inquietante, para dizer o mínimo.
Em que pese a recente analogia do presidente com o xadrez, sabemos que é Moro o enxadrista ali, e sua frieza e calma ao julgar a Lava Jato foram fundamentais para seu sucesso. O então juiz calculava algumas jogadas à frente, antecipando eventuais reações. Estaria ele fazendo o mesmo agora? Mas o que Moro tem em mente?
Bolsonaristas insistem em negar o óbvio, a relação conflituosa entre presidente e ministro, como se fosse tudo intriga da imprensa fofoqueira que torce contra o governo. Mas não adianta atirar no mensageiro. O desgaste é evidente, assim como a perda de prestígio do ministro. Moro abandonou uma sólida carreira de 22 anos de magistratura para embarcar no governo.
Pode não ter sido uma aventura, mas foi um passo ousado. Muitos acreditam que o fez por espírito público, para tocar sua agenda de combate ao crime, e também porque o cargo de ministro no STF lhe fora senão prometido, ao menos sugerido. Essa indicação, porém, parece mais distante hoje. Como fica, então, a situação de Moro?
Que ele ainda goza de muito respeito perante a população é um fato, que inclusive pesquisas atestam. Mais até do que o presidente, que vem perdendo popularidade. Se Moro desembarca do governo, Bolsonaro tem muito a perder e sofrerá um baque em termos de apoio popular.
Mas se o presidente insistir nessa postura de ingerência nos órgãos de estado, atropelando seu ministro, e Moro permanecer calado aquiescendo, será Moro a se desgastar cada vez mais. A forma como Bolsonaro vem tratando seus aliados, inclusive os superministros, denota a possibilidade de que o poder lhe subiu à cabeça, e impõe uma humilhante condição a quem chancelou o governo com selos de qualidade, antes ou depois da eleição.
Sem Moro, ou sem Guedes, o que resta do governo? O bolsonarismo radical. E isso tem quanto de apoio? No máximo uns 20%? Melhor Bolsonaro sair da bolha de bajuladores e sentir o pulso da população. Detonar institutos de pesquisa não vai apagar a mensagem. O lavajatismo é mais forte do que o bolsonarismo, nunca é demais repetir.
Rodrigo Constantino
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