• Carregando...
O legado de Adam Smith
| Foto:

Pouco mais é necessário para levar um estado, da mais absoluta barbárie ao mais alto grau de opulência, do que paz, poucos impostos e uma tolerável administração da justiça: todo o resto é produzido pelo curso natural das coisas. – Adam Smith

O aniversariante do dia é Adam Smith, o “pai da ciência econômica”. É verdade que só pelo antigo sistema de calendário cai hoje, pois pelo novo ainda faltam alguns dias. Mas na ansiedade de prestar homenagem a este gigante, escolhemos a data que vem primeiro, de forma arbitrária.

Adam Smith foi um ícone do Iluminismo escocês/britânico, e ficou conhecido pelo seu estudo sobre a riqueza das nações. Mas seu outro livro clássico, Teoria dos Sentimentos Morais, publicado duas décadas antes, merece igualmente menção em seu legado.

Alguns acham que há incongruências entre os “dois” autores, o jovem Adam Smith, focando na empatia e nos valores morais, e o “maduro”, defendendo a “mão invisível” do mercado, ou seja, o egoísmo como motor do bem-geral, resumido na famosa passagem:

Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter.

Mas, como argumenta a historiadora Gertrude Himmelfarb em Os caminhos para a modernidade, não há essa divisão entre “eles”. Os dois livros, no fundo, reforçam a mesma mensagem: a de que os indivíduos, num ambiente de liberdade, imersos em valores éticos, acabam produzindo o bem-geral. A preocupação de Smith é com o resultado para a sociedade como um todo, preservando-se a liberdade do indivíduo.

Apesar de publicado só em 1776, A riqueza das nações começou a ser preparado muito antes, antes mesmo da publicação de Teoria dos Sentimentos Morais, em 1759. Smith era, como os demais iluministas britânicos, um filósofo moral acima de tudo. Foi inclusive acusado por Schumpeter de “moralizar” demais a economia, de não dissociá-la da ética e da política.

Smith era um grande defensor da liberdade, e o livre mercado era consequência disso. Mas ele não necessariamente nutria simpatia pelos homens de negócio. Uma passagem deixa isso claro, mostrando também que seu verdadeiro alvo era o mercantilismo, uma espécie de antecessor do atual “capitalismo de compadres”:

Pessoas do mesmo ramo raramente se encontram, mesmo que para uma festa ou diversão; mas a conversa sempre acaba em uma conspiração contra o público ou em alguma invenção para aumentar os preços.

Outra passagem confirma seu receio:

O interesse dos empresários é sempre, em alguns aspectos, diferente, e mesmo oposto, ao do público … A proposta de qualquer nova lei ou regulamentação do comércio que venha dessa ordem … nunca deve ser adotada, até depois de ter sido longa e cuidadosamente examinada … com muita atenção e suspeição.

Ou seja, Smith foi um defensor do “interesse geral”, da sociedade, do povo, do trabalhador, dos mais pobres, da liberdade, e via no livre mercado o melhor instrumento para tanto, assim como no mercantilismo e num governo intervencionista seus maiores inimigos. Seu fim era a “riqueza da nação”, mas ele entendia que o único meio viável era o livre mercado, sem paternalismo ou dirigismo:

Ao perseguir seu próprio interesse (o indivíduo) freqüentemente promove o da sociedade de forma mais eficaz do que quando ele realmente pretende promovê-lo. Nunca conheci nada bem feito por aqueles que enfrentaram o comércio pelo bem público.

O risco das “consequências não-intencionais” de quem quer deliberadamente “salvar o mundo” era bem conhecido por Smith, que preferia depositar na “mão invisível” as esperanças (e de acordo com o que a própria experiência lhe mostrava). Como um bom iluminista escocês, Smith era empírico, realista, e sabia que as ações individuais sem coordenação central levavam ao melhor resultado geral:

O homem do sistema … é capaz de ser muito sábio em sua própria presunção; E muitas vezes está tão apaixonado pela suposta beleza de seu próprio plano de governo ideal, que ele não admite sofrer o menor desvio de qualquer parte … Ele parece imaginar que pode organizar os diferentes membros de uma grande sociedade com tanta facilidade quanto a mão que arruma as diferentes peças sobre um tabuleiro de xadrez. Ele não considera que, no grande tabuleiro da sociedade humana, cada peça tem um princípio de movimento próprio, completamente diferente do que o legislador poderia escolher.

Adam Smith exerceu grande influência em outros pensadores importantes, como Edmund Burke. “Caridade ao pobre é um dever dirigido e obrigatório a todos os cristãos”, reconheceu o irlandês, mas “interferir na subsistência do povo” seria uma violação das leis econômicas e uma intrusão ilegítima da autoridade. Himmelfarb escreve:

Fazendo eco à “mão invisível” de Smith, Burke presta homenagem ao “benigno e sábio distribuidor de todas as coisas, que obriga os homens, queiram eles ou não, a perseguirem seus próprios interesses, a conectarem o bem geral ao seu próprio sucesso individual. 

Ambos, Smith e Burke, entendiam, contudo, que esse “milagre” do livre mercado não ocorria num vácuo de valores morais. Ao contrário: somente numa sociedade que valoriza a ética isso seria possível. Adam Smith condenou os “tiranos do bem”, que para criar um “mundo melhor” destruíam a liberdade individual. Mas ele não abraçou a ideia de que as virtudes individuais eram dispensáveis para uma sociedade.

Ao contrário: ele sabia que a empatia pelo próximo era um sentimento natural que devia ser alimentado pelos hábitos. O que Smith queria, no fundo, era um melhor resultado para todos, especialmente para os mais pobres.

Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]