Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Chegará ao fim oficialmente em poucos dias aquilo que na prática já terminou faz tempo: o mandato presidencial de Michel Temer. É o momento de observar em retrospecto as circunstâncias turbulentas em que assumiu o comando do país e apreciar o saldo de sua gestão, com vistas a iniciar uma compreensão de seu lugar na História.
Digo “iniciar” porque, se sempre é mais fácil observar a importância ou a posição histórica de um personagem sob uma perspectiva mais distanciada, no caso de Temer será ainda mais relevante aguardar os próximos passos para apreender qual terá sido o papel de seu governo. Explico adiante.
Uma narrativa, por óbvio, de pronto se deve enfatizar, está errada: a do golpe. Michel Temer não se tornou presidente do Brasil através de um golpe de Estado. Como já se torna exaustivo explicar, a deposição de Dilma Rousseff foi absolutamente constitucional e legal e Temer mais não fez que cumprir a Constituição de 1988 ao assumir o posto que então lhe coube.
Constituição de 88, aliás, em cuja feitura ele, como jurista e deputado federal constituinte, esteve envolvido. Seu mandato, provocado pelo desastre de sua antecessora e pela ruína de um regime criminoso estabelecido pelo esquema lulopetista, pode, portanto, ser visto, uma vez que ele representa a sigla do atual MDB – até ontem PDMB, como se o desaparecimento mágico de um “P” fizesse evaporar seu passado -, como sendo, ao mesmo tempo, um epílogo da era Lula-Dilma (que avalizou, junto a seu partido, como parceiro constante e vice da apocalíptica e confusa presidente) e da hegemonia social democrata e populista inaugurada, na Constituinte, como diria Roberto Campos, pelo seu próprio partido, sob a batuta de nomes como Ulysses Guimarães.
A mistura do legado patrimonialista já de outras épocas, do monturo de problemas criados pela geração emedebista que assumiu o comando dos escombros do regime militar e do amálgama completo e trevoso realizado pelo PT em sua longa investida socialista, de pretensões autoritárias, com todo o material decrépito, tudo que há de pior na cultura política brasileira, mergulhou o Brasil em uma grave recessão. Enquanto coube aos demagogos grasnar que os “direitos sociais” estariam sendo assassinados, caiu no colo de Michel Temer a responsabilidade de corrigir o estrume que havia ajudado a amontoar.
Meus amigos mais entusiastas do governo Temer devem me perdoar, mas sempre manterei minha avaliação a esse respeito. O que Temer recebeu do imponderável destino não era a missão de ser o virtuoso obreiro que retificaria o desastre dos vilões anteriores, mas a de limpar a bagunça que havia apoiado. Não é possível dar suporte a seguidos mandatos do PT – e dar suporte como vice de chapa presidencial, não em qualquer posto subalterno -, fazer de conta que tudo estava bem com o país quando estava tudo absurdamente errado, e depois ser aplaudido como um grande homem. Temer tinha nada mais que a obrigação moral de fazer seu governo dar certo, como teria o funcionário que acompanhava o colega que sujou a sala e, depois que o colega é demitido, fica com o encargo de varrer a sujeira.
Aliás, obrigação moral e questão de sobrevivência, já que o país simplesmente não subsistiria, caso o quadro permanecesse como estava. Entrementes, feitas essas ressalvas, a obrigação moral de Temer era, ao mesmo tempo, uma tarefa imensamente difícil. Em linhas gerais, ele conseguiu ir além das expectativas e merece, a despeito da baixa popularidade, que isso seja reconhecido.
Como bem aponta o prezado Rodrigo Constantino, citando artigo de Alexandre Shwartzman na Folha, Temer logrou êxito em nos retirar do âmago da recessão, reduzir significativamente a inflação e aumentar o PIB, deixando o desemprego em leve queda. Também conseguiu reformas muito importantes para o futuro, das quais os governos passados nunca chegaram perto, como a reforma trabalhista, a reforma do Ensino Médio, as mudanças nas regras internas de governança de empresas estatais e a criação do teto de gastos, que triunfou sobre protestos e até ocupações em colégios, na velha barulheira das esquerdas, sedentas por dar vazão a seus desvarios demagógicos e ansiosas por fingir que não há contas a pagar. Foram mudanças de espírito voltado para a flexibilização, a liberdade e a responsabilidade fiscal.
Esse legado é objetivamente muito positivo, independentemente do que venha a ocorrer – entretanto, é preciso lembrar, o legado positivo dos governos tucanos, com a conclusão dos esforços pelo Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal, também o foi, e isso não impediu que o país mergulhasse no delírio e no abismo pouco depois. O governo Temer, acuado por denúncias que erodiram seu capital político e deficiente na comunicação, não foi capaz de aprovar a Reforma da Previdência e de atacar, com isso, efetivamente o cerne da dor de cabeça fiscal aguda do país. Não conseguiu tampouco avançar tanto na senda das privatizações. Tudo isso ficou para os governos seguintes. Também ficaram para os governos seguintes pepinos delicados criados em sua gestão que ele não conseguiu evitar e até sancionou, como o aumento do STF e a lei intervencionista sobre os compradores de imóveis.
Abro parênteses para tratar da política externa, a que fiz críticas duras nos últimos anos. Nesse campo, o governo foi eminentemente tucano, tendo Aloysio Nunes à testa do Ministério das Relações Exteriores: não francamente alinhado ao bolivarianismo latino-americano, como antes, o que já foi um respiro imperioso, mas ainda assim medíocre, atordoado e sem o menor sinal de virilidade, incapaz de dar nome aos bois como se deve. Eis algo que precisa ser totalmente diferente daqui em diante.
É justamente olhando para adiante que retomamos a questão proposta ao começo. Se o governo Bolsonaro conseguir promover as reformas urgentes, a começar pela previdenciária, e avançar na seara das privatizações e na inserção do país na rota do comércio global, o governo Temer será visto pela História como o governo de transição e preparação, que operou as primeiras transformações necessárias para recuperar o Brasil e para facilitar as alterações estruturais seguintes. Se, no entanto, a partir de janeiro, tudo der errado, estará na História como um governo “enxuga-gelo”, entre outros que já tivemos, que equacionou um drama mexicano, mas cujas reformas não foram suficientes para efetivamente alterar o rumo nacional. Não creio que a segunda hipótese esteja descartada, mas torço sinceramente pela primeira.
Quanto ao homem Michel Temer, que agora se retire e acerte suas questões com a Justiça. O Brasil segue em frente, para um novo capítulo.
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