Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
O coordenador nacional do Movimento Brasil Livre, Renan Santos, concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo neste domingo (28), sob o título MBL admite culpa por polarização no país e exagero em sua agressividade retórica. Em resumo, ele fez uma autocrítica ao movimento que integra e delineou os próximos passos a serem seguidos pelo MBL.
Começarei pelos comentários de Renan com que concordo. A ideia de reunir representantes de correntes de esquerda e de direita para discutir aspectos estruturais do sistema político com vistas a uma reforma me parece ótima. Isso porque questões como voto distrital e candidatura independente, mencionadas por Renan como pautas de um congresso a ser organizado pelo movimento reunindo lideranças de campos políticos divergentes, não necessariamente são pautas da direita. É possível que tanto figuras ao estilo de uma Tabata Amaral ou um João Doria quanto um Kim Kataguiri e um Luiz Philippe de Orleans concordem com uma mesma reforma – e precisarão votá-la.
Concordo também em que é plausível entender que a linguagem política foi degradada, que investimos em uma recorrência do uso de “memes” e retóricas tribais a tal ponto que os temas mais importantes se tornaram difíceis de serem discutidos. O MBL pode ter tido a sua parte nisso. É um Inferno termos chegado a um ponto em que tudo que se quer saber é se fulano ou sicrano “mitaram” e em que a única informação que interessa, até sobre um espirro, é se ele é de esquerda ou de direita. Isso torna as discussões cansativas e pobres, especialmente num momento em que reformas econômicas e estruturais de enorme importância precisariam ser o enfoque.
Igualmente é uma boa ideia do MBL e de Renan tentar lançar os holofotes para os problemas locais, para os desafios dos municípios, e tentar levar ideias liberais mais caracterizadas e fundamentadas aos mais pobres. Tudo muito bom, tudo muito bem. Tenho certeza de que o MBL pode contribuir com esses projetos, tanto quanto já contribuiu até aqui, em especial nas convocações e na organização das manifestações que mudaram a História.
No entanto, a tese principal do Renan está errada. Não posso concordar com ela. Não é nem porque ele diz algo pejorativamente que o “lavajatismo” da direita é algo “moralista, quase udenista”, como se isso fosse ruim, e não faço segredo a ninguém de minha afinidade com Carlos Lacerda e com a UDN – enfoques de meu próximo livro, Lacerda: A Virtude da Polêmica, a ser lançado nas próximas semanas. Admito que essa referência me incomodou, mas já tratei do tema do lavajatismo em outra oportunidade.
O que me incomoda mesmo é a visão de Renan sobre a “polarização”. Ele disse: “Simplificamos demais a linguagem política. A gente polarizou, e era fácil e gostoso polarizar. Quando começaram a proliferar as camisetas do Bolsonaro e as pessoas diziam “mito, mito”, a ideia de infalibilidade dele, muito foi porque ajudamos a destampar uma caixa de Pandora de um discurso polarizado”. Adiante: “Foi um erro endossar candidaturas majoritárias. Erramos em apoiar [João] Doria. Erramos em endossar Bolsonaro no segundo turno. Mas também não havia o que fazer. Se o PT chegasse ao poder, a gente teria guerra civil. A classe média e o centro-sul não iriam aceitar o resultado”. Finalmente, ele argumentou que o MBL errou na sua investida contra a exposição do Queermuseu, que era financiada com dinheiro público e fornecia material acessível para crianças e adolescentes da rede de ensino: “não deveríamos ter entrado e participado da polarização. Não precisávamos ter feito o barulho que fizemos”.
Gosto, como disse, do movimento do MBL de chamar todos a uma discussão sobre reformas estruturais e superar uma disputa restrita à distribuição de rótulos e insultos infantis, mas estou preocupado com essa narrativa sobre a “polarização”. Tudo precisa ser colocado em seus devidos lugares e ser bem dosado.
A polarização pode ser entendida como a concentração do discurso político em posições diametralmente opostas e bem definidas. Nas eleições de 1980, Ronald Reagan representava a direita, o conservadorismo, enquanto Jimmy Carter representava a esquerda americana. Os dois eram polos diferentes, que se atacavam de forma saudavelmente polarizada com base na diferença programática essencial que existia entre eles: um apostava na redução do poder do governo e nos valores fundantes do país, o outro apelava para soluções provenientes do governo federal. A República dos Estados Unidos da América não mergulhou no caos, na dissolução institucional, na tirania ou na violência por causa disso. Ao contrário: a polarização representou a ascensão do movimento conservador ao poder e a admirável Era Reagan.
Está certo que a polarização nunca é matematicamente precisa. Ao lado de Reagan havia várias direitas, decerto ao lado de Carter várias esquerdas; não é bom nem saudável que seja tudo dividido inteiramente em apenas dois lados, nem é possível, porque há mais ideologias e opiniões do que apenas duas. Meu ponto é que não podemos transformar o apelo por moderação e diálogo em um apelo para que os partidos, ideologias e correntes políticas se dissolvam e tentemos tornar tudo o mais unificado possível. Essa divisão deve ser saudável para que não chegue ao ponto de uns anatematizarem e destruírem os outros, bem como devemos condenar veementemente e conter os grupos que polarizam ao extremo de defender a destruição das regras do jogo, isto é, a aniquilação do sistema representativo e da escolha democrática. Porém, isso é tudo que devemos querer evitar, não a divisão em si mesma.
Por muito tempo, o Brasil esteve limitado a um “consenso social democrata”, em que tucanos e petistas encerravam a oposição política em uma redoma ideológica com estreitos limites de variação. A recente ascensão de uma direita – o que significa, na prática, a criação de um outro polo – foi algo muito positivo, ao contrário do que Renan parece sugerir. O MBL não deveria se arrepender de ter feito parte disso. Ao contrário: deve se orgulhar.
Há outra questão que merece ser ponderada: a polarização precisa ser administrada, porquanto em certos momentos históricos e perante certos temas, ela pode e deve ser mais intensa, enquanto em outros deve ser atenuada. A respeito da exposição do Queermuseu, minha opinião não mudou: o MBL estava certo em combatê-la. No caso do impeachment, igualmente. O objetivo do MBL e da direita era remover uma presidente do poder. Em outras palavras, eliminar o seu governo.
Não havia espaço, sejamos realistas, para uma conversa bonitinha. O PT era o inimigo. Ele tinha que ser politicamente aniquilado – em outras palavras, extraído do poder. Era uma ameaça à nossa vida democrática e à de nossos vizinhos, patrocinador de todo tipo de tirania mundo afora, um desastre moral e econômico de consequências até hoje sentidas. O apelo à moderação, digo mais uma vez, não pode ser transformado em um apelo para que se negue o fato de que, às vezes, o enfrentamento é mesmo entre o bem e o mal. Mesmo que do nosso lado não possamos dizer que havia ou haja o monopólio da virtude, devemos ter a consciência de que o PT era realmente o mal e precisava ser derrotado. Como travar uma luta tão definitiva e tão severa sem polarizar? O que queríamos era tirar o inimigo dali. Impossível fazer isso sem polarizar com ele.
Era a mesma coisa que Carlos Lacerda fazia com Vargas e seus sequazes: polarizar muito, porque eles eram o inimigo mortal do projeto de uma democracia liberal tão autêntica quanto possível no Brasil. Essas situações históricas exigem dureza e virilidade. O MBL teve isso e não deve se envergonhar de ter tido.
Minha preocupação é essa. O MBL pode e deve tomar as iniciativas que elencou, mas espero que tenha consciência de que não deve abdicar de ter uma identidade, nem deve se lamentar pela sua participação em uma das páginas mais justas da história nacional: a revolta do povo brasileiro contra a tirania lulopetista.
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