Bolsonaro e seus assessores próximos têm dado declarações preocupantes sobre a urgente e necessária reforma da Previdência. Onyx Lorenzoni disse que tem quatro anos para fazer a reforma, Eduardo Bolsonaro teria dito nos Estados Unidos que não tem como garantir sua aprovação, e agora se fala em fatiar a reforma. Só há um problema: o Brasil não tem tempo a perder.
Em seu editorial de hoje, O GLOBO condena essa estratégia de fazer a reforma em doses homeopáticas e cita o caso da Argentina, em que o presidente Macri, vitorioso com um discurso reformista liberal, acabou esperando tanto que a crise chegou antes. Diz o jornal:
No ano passado, o rombo chegou a R$ 268,8 bilhões, divididos entre R$ 182,4 bilhões das aposentadorias e pensões dos trabalhadores urbanos e rurais, e R$ 86,4 bilhões provenientes dos servidores da União, sem incluir os militares.
Destaque-se que, enquanto o déficit originado nas cidades e no campo deve-se ao pagamento de benefícios a 30 milhões de pessoas, o saldo negativo do funcionalismo é causado por apenas 1,1 milhão. Quando se comparam as médias de benefícios recebidos nestes dois mundos, o público e o privado, também aparecem inaceitáveis disparidades: enquanto se paga no INSS R$ 1.200, o servidor público do Executivo recebe R$ 7.580, e o funcionário do Legislativo, R$ 28.500. Eis por que entre os 2% mais ricos da população estão castas de servidores públicos aposentados, dos três poderes.
Pode ser que Bolsonaro procure usar o apelo da máquina de fabricar injustiças que é a Previdência para começar a reforma. Porém, o grande perigo está em que o presidente pode gastar parte ponderável do seu capital político na tentativa de viabilizar uma fatia da reforma, e não ter condições de seguir adiante.
Míriam Leitão, jornalista do mesmo jornal e por quem não nutro exatamente muita simpatia, de vez em quando acerta, e também criticou essa postura da equipe de Bolsonaro em sua coluna de hoje:
Em menos de uma semana o governo eleito deu seguidos sinais de que a reforma da Previdência terá que esperar. Ontem, Bolsonaro disse que ela deve ser fatiada. Isso seria um erro. Segundo o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “temos quatro anos para fazer a reforma, porque não dá para chegar aterrorizando.” No último dia 30, Bolsonaro falou que a proposta não poderia ser dura porque não se pode “querer salvar o Brasil matando idoso”. E por fim o deputado Eduardo Bolsonaro disse a investidores que talvez ela não seja aprovada.
[…]
Todos esses sinais de ambiguidade do futuro governo estão sendo somados pelos analistas e podem, em determinado momento, virar pessimismo em relação ao Brasil. É no início, quando tem força parlamentar, que uma administração deve fazer suas propostas mais difíceis, porque depois os obstáculos serão maiores.
A convicção no mercado financeiro, aqui e no exterior, de que o governo Bolsonaro buscará o reequilíbrio das contas — tarefa na qual a reforma é indispensável — vem apenas da reputação do economista Paulo Guedes. E essa confiança pode desmoronar caso se confirme a falta de pressa, empenho ou até entendimento do que é necessário numa reforma.
Paulo Guedes e sua excelente equipe econômica são, de fato, o selo de qualidade, a garantia de que Bolsonaro pretende mesmo seguir na toada liberal reformista. Mas a turma política tem jogado ducha de água fria no clima de mudanças, e essas declarações soam como alerta para investidores. Eles sabem da importância da reforma previdenciária para sanar as contas públicas.
O “mercado” não perdoa, não tem ideologia, é pragmático e foca em resultados. Sem reforma logo no começo do mandato, a paciência vai diminuir, e a lua de mel com Bolsonaro poderá ser interrompida logo na noite de núpcias. É fundamental o presidente eleito e seu time político entenderem a língua falada pela equipe econômica e pelo mercado: ou faz uma reforma previdenciária decente, ou bye-bye sentimento otimista com seu governo.
Rodrigo Constantino
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