Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
O experiente jornalista William Bonner, este ano acompanhado de sua colega Renata Vasconcellos, têm tornado uma tradição do Jornal Nacional nas eleições um esforço por “apertar”, pressionar, torpedear os candidatos à presidência da República. Apesar de em 2014 a dinâmica ter sido muito acelerada, com tantas interrupções dos entrevistados que chegavam às raias do questionável, é sem dúvida dever da imprensa fazer esse esforço.
O que não se esperava era que um candidato conseguisse “dobrar” esse tiroteio de maneira tão contundente que conseguisse “tirar do sério” os próprios jornalistas. Jair Bolsonaro tem e sempre teve suas limitações e defeitos. Entretanto, sua performance na sabatina do telejornal mais importante do país foi de um sucesso surpreendente, denotando nítida evolução e capacidade de “devolver” as investidas contra os próprios entrevistadores e, principalmente, contra a emissora em que trabalham, que já é alvo predileto de queixas tanto à direita quanto à esquerda. Conseguiu aliar seu discurso tradicional, que já cativa seu eleitorado de sempre e o que ele conquistou nos últimos quatro anos, com reações rápidas acima do seu normal.
Seu trabalho, contudo, foi mais uma vez facilitado pelos jornalistas, que, estes sim, não demonstraram nenhuma evolução. A imprensa permanece querendo “destruir” o fenômeno do bolsonarismo através de pautas que interessam apenas a uma “bolha” militante da beautiful people politicamente correta e repete obsessivamente as mesmas perguntas que já foram satisfatoriamente enfrentadas em sabatinas anteriores. Como a audiência desta vez é maior, o sucesso dos memes e o escárnio com o desempenho dos âncoras do JN é o sintoma do efeito deixado por essa exibição.
Vejamos ponto a ponto algumas das questões e comentários redundantes e irritantemente absurdos dos entrevistadores. Em primeiro lugar, logo na abertura, insistiram em citar que Lula não pode ser entrevistado por determinação da justiça, dando sequência à maior fake News desta campanha eleitoral: a candidatura do vilão-mor Lula da Silva.
Depois, William Bonner voltou a falar da possibilidade de Paulo Guedes ser “demitido” (ou se demitir, ou morrer, ou seja lá o que mais) durante o mandato. “Existe um conceito de gestão que diz o seguinte: não se deve contratar ninguém que não possa ser demitido. O senhor sabe que é impossível garantir (que não vai demiti-lo)”, pontuou, para depois perguntar o que Bolsonaro faria se, numa situação concreta, Guedes exigisse a aprovação de determinadas medidas para permanecer no cargo, tentando fazê-lo admitir a possibilidade (óbvia!) de o economista liberal ser retirado do cargo que ocuparia.
Bolsonaro respondeu com sua velha analogia entre seu relacionamento com Guedes e um casamento, enfatizando sua extrema confiança, mas consentindo em que, evidentemente, a eventualidade de um rompimento é algo próprio do humano e que não pode ser descartada de forma absoluta e incondicional. Ainda indiretamente usou o exemplo do casamento do próprio Bonner com Fátima Bernardes como uma relação em que se fizeram “juras de amor eterno” e depois o divórcio aconteceu. O jornalista poderia ter passado sem essa.
Não passou porque insistiu em fazer o mesmo questionamento que nenhum jornalista fez até agora para absolutamente nenhum outro candidato. Ninguém pergunta a Geraldo Alckmin o que fará caso se desincompatibilize com Pérsio Arida, por exemplo. Poder-se-ia alegar que a questão é a diferença da trajetória de pensamento entre Bolsonaro e seu ministro, mas isso, se pode ser uma razão subjetiva para que eleitores desconfiem do candidato – ceticismo, aliás, que é saudável em relação a todos os políticos -, não é justificativa para que os jornalistas deem um tratamento tão particular aos dois.
Pior, entretanto, foi o desempenho de Renata Vasconcellos, que tomou uma surra moral ao retomar o tema da pregação por novas interferências no mercado para parear salários entre homens e mulheres, que supostamente estariam em terrível desequilíbrio. “O Estado tem mecanismos para estimular a iniciativa privada para que não cometa esse tipo de desigualdade salarial”, pregou Renata. Bolsonaro ponderou que provavelmente o salário de Bonner, um homem, é maior que o de Renata, uma mulher.
Evidentemente ele a enfureceu. Ela reagiu dizendo que poderia questioná-lo, como funcionário público, por seus proventos serem custeados pelos impostos. “O meu salário não diz respeito a ninguém”, ela pontuou. Bolsonaro novamente a destruiu: “Vocês vivem em grande parte aqui de recursos da União. São bilhões que recebe o sistema Globo de recursos da propaganda oficial do governo”. A invertida é matadora, mas nem seria necessária. Tivesse raciocinado um pouquinho, Vasconcellos entenderia que tem toda razão ao dizer que seu salário não diz respeito a ninguém, mas estaria obrigada a concluir, logo em seguida, colocando seus neurônios para funcionar, que, da mesma forma, o salário de outras tantas mulheres não diz respeito a ninguém, o que é um argumento fulcral contra a aposta cega no intervencionismo estatal como recurso dignificador. Aos que quiserem mais dados sobre o tema, é recomendável ler Nadando contra a corrente, recente lançamento da Editora Armada.
Novamente, também, retomaram o tema da “homofobia”, com direito a uma “retificação” politicamente correta de Bonner, questionando o termo “homossexualismo”, por haver a preferência por “homossexualidade” em razão do fato de “ismo” ser associado à “doença” – preocupação exagerada que transformaria as principais religiões e doutrinas do mundo em doenças.
Bolsonaro novamente – as palavras “novamente”, “insistiram”, não estão sendo repetidas nesse artigo de maneira despropositada – respondeu citando sua luta contra o “Kit Gay” nas escolas, tentando mostrar um livro que estaria sendo produzido como literatura infantil com conteúdo sexualmente apelativo. Bonner disse que havia acordado com os assessores do deputado uma regra para que nenhum documento ou material fosse mostrado, mas, logo antes, Vasconcellos usou outro argumento para persuadi-lo a ocultar o material, rapidamente abafado: “pediria que o senhor não mostrasse, as crianças não podem…”. Não podem o quê? Ver o livro? Se não podem, o argumento de Bolsonaro não está definitivamente comprovado?
Quando a pauta foi segurança pública, Bonner mostrou-se horrorizado com a possibilidade de, talvez, quem sabe, Bolsonaro dar a entender a absurda ideia (sic) de que é preciso combater violência com mais violência – como se esta não fosse justamente uma das funções básicas que o liberalismo clássico reconhece ao Estado! Finalmente, evocou-se o regime militar, apenas para que Bolsonaro lembrasse – mais uma vez, novamente – as declarações de Roberto Marinho em apoio ao movimento de 1964 e, depois da entrevista, Bonner repetir a referência editorial à velha nota da Rede Globo publicada em 2013, dez anos depois de o velho criador da empresa já ter deixado este mundo, “reconhecendo” – em nome de quem está morto – que o apoio ao regime militar foi um erro.
A imprensa está transformando seus encontros marcados com Bolsonaro em um eterno loop, fabricado por quem parece viver em uma redoma. Estão transformando essas entrevistas em embates e os embates, em palanques. O candidato agradece.