O marxismo é o ópio dos intelectuais. Com essa sacada, Raymond Aron resumiu muito do que significa ser de esquerda, usando inclusive as armas da própria, pois Marx dizia, repetindo Louis Blanc, que a religião era o ópio do povo. O esquerdista tende a gostar de uma visão extremamente abstrata das coisas, enquanto o liberal e o conservador costumam adotar uma visão mais prática e realista.
Flavio Morgenstern escreveu um belo ensaio para o Instituto Liberal sobre isso, com base no suposto Natal de Sakamoto, aquele que ganha centenas de milhares de reais do governo para defender… o governo. Usa como gancho o espanto de um típico esquerdista com as declarações de uma tia pobre, que não aguenta mais tanto imposto e criminalidade, e demanda penas mais severas para os bandidos. Um horror na visão “esclarecida” dos “ungidos” de esquerda.
Como pode alguém se mostrar mais indignado com as “cantadas” que as mulheres recebem nas ruas do que com quase 60 mil pessoas assassinadas todo ano nesse país? Por que a nossa esquerda adota como causas principais questões que parecem tão distantes da realidade do “povão”, aquele que ela jura defender? São perguntas pertinentes, pois o contraste é chocante. A esquerda elitista parece viver numa bolha. Flavio diz:
Tal se dá porque a esquerda, mesmo tendo seu cerne em um livro de economia (lido por todos, exceto por economistas), trabalha com o imaginário coletivo: são de esquerda os críticos literários, os ficcionistas, os psicólogos, analistas da linguagem e sociólogos que trabalham com o próprio mecanismo com o qual interpretamos o mundo.
A direita (liberal ou conservadora) é técnica: domina a economia, o Direito, as relações internacionais – todavia, sem conseguir comunicar o que pensa, por que pensa, com quais objetivos e através de quais meios pretende atingi-los, é vista até por apolíticos pelos signos de interpretação da esquerda, que a ela atribui racismo, intolerância, xenofobia, machismo, homofobia. Mesmo seus próprios defeitos, como intolerância à diversidade e o uso do Estado para impedir a liberdade das pessoas, ou defeitos de inimigos da direita, sobretudo o nazismo.
[…]
Não há um único comentário sobre uma experiência concreta dessas pessoas cometendo injustiça alguma ou ferindo alguém, mas cita-se frases desproporcionais em um ambiente familiar como se significassem que todo o país virou o Partido Nazista.
Todavia, o problema da esquerda é exatamente o oposto: fala maviosamente sobre “justiça social”, edulcora seus métodos para se vender como “preocupada com os pobres”, canta com voz melíflua a respeito de “direitos humanos”… mas, em toda história mundial, é a campeã número 1 (contando até teocracias esquisitas e reinados bárbaros da Antiguidade) de mortes, injustiça, escravização, censura e destruição de direitos básicos do homem.
Nas ceias de Natal que geraram indignação entre os leitores progressistas de Sakamoto, não há ninguém indignado porque um parente foi assassinado num país com 56 mil homicídios em um ano. Não há um único muxoxo contra sermos obrigados a gastar mais para financiar quem ceifa nossas vidas e de nossos entes queridos pelo Estado do que para a educação de crianças inocentes.
Pelo contrário: quem expressa tais sentimentos na mesa de Natal, ainda que de forma desajeitada, é tratado como alguém capaz de provocar “terror e pânico”. A única indignação permitida é contra assoviar para uma mulher, não enfiar uma arma em sua cabeça e atirar. Ou ser contra o Bolsa Família.
O autor segue dissecando as razões por trás dessa postura estranha adotada por tantos esquerdistas, especialmente os da nossa elite. Suas prioridades são bastante insensíveis quando lembramos do quanto o povo brasileiro sofre com coisas básicas. Sua pauta é produzida por gente deslocada da realidade, por adultos que parecem crianças mimadas.
E tudo precisa se encaixar em suas explanações abstratas, que simplificam o mundo de forma maniqueísta, que retiram a complexidade da vida. Opressores e oprimidos, eis o que basta. O que gera interpretações bizarras de acontecimentos do cotidiano. Flavio provoca o leitor:
Tal chave de entendimento está em quase todos os bordões da esquerda mundial, mas não dá conta de absolutamente nada da realidade complexa – se há um negro gay com uma arma apontada para um rico heterossexual, quem é o opressor e o oprimido na situação? E com uma jovem loira e rica com os peitos de fora contra a Igreja, diante de um pobre velhinho religioso rezando em paz?
É com esse tipo de narrativa de heróis e bandidos facilmente identificáveis que muitas pessoas inteligentíssimas ainda creem no mistifório de “correção de injustiças pelo Estado e pela conscientização” da esquerda. Tais narrativas são insuficientes para se conhecer o mundo.
Há um conforto em ver o mundo dessa forma tão simplista e abstrata. Afinal, exige muito mais trabalho e coragem ao se reconhecer que não podemos enquadrar situações complexas em nossas regras abstratas e infantis. Sim, infantis. Lembro que minha filha, quando menor, queria sempre saber, logo no começo dos filmes, quem era o “bonzinho” e quem era o “malvado”, e se o “bonzinho” venceria no final. A esquerda age assim até hoje. Flavio conclui com um convite esperançoso:
Fica um convite para os racionais que ainda creem no planejamento reformador, no centralismo burocrático e no progressismo seletivo da esquerda: conheçam o capitalismo, e saibam o que é de fato a direita liberal ou conservadora. Do contrário, seu destino é apenas a indignação modelo Sara Winter: uma loira, rica, magra, famosa e que alguns consideram atraente, protestando e jurando a si mesma que é uma “minoria” vítima de injustiças.
Rodrigo Constantino
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