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“O Ocaso do Império” e a missão dos brasileiros de hoje
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

O fluminense Oliveira Viana, embora um autor clássico, não era, certamente, um liberal – ter servido de inspiração para o regime ditatorial de Getúlio Vargas e ensejar ao chamado “autoritarismo instrumental” como única forma de superar a falta de idealismo e sentimento de pertença cidadã dos brasileiros demonstram isso. Também ficou conhecido pela sua adesão às teses racistas então ainda muito em voga, em um tom oposto acerca do tema ao que seria adotado, por exemplo, por Gilberto Freyre e sua ênfase à miscigenação.

Nada disso, naturalmente, merece de nossa parte qualquer simpatia, ainda mais hoje quando, em um país com um aumento exorbitante no número de habitantes e muito mais urbanizado, nos esforçamos tanto por produzir valorosas iniciativas na sociedade civil para sanear o ambiente do nosso pensar político. Contudo, no pequeno volume O Ocaso do Império, de 1925, encontramos algumas avaliações bastante interessantes do cenário que antecedeu a derrubada do regime monárquico brasileiro. Não há, é verdade, tantos elementos que fujam ao que corriqueiramente se comenta; entre as influências está, por exemplo, a abolição da escravatura, que muito se aponta ainda hoje como causa da derrubada da Família Imperial.

Viana oferece uma descrição do movimento abolicionista, que “acentuou o sentimento de irritação” contra as instituições monárquicas ao conquistar o sucesso pretendido sem ofertar indenizações aos proprietários de escravos. “Esse ideal teve (…) um ambiente de dramaticidade vibrante, o mais próprio para fazer palpitar e comover um povo tão exuberantemente sensível e imaginativo como é o nosso”, de modo que, segundo o autor, “nenhum” dos grandes ideais que circularam no Brasil no Segundo Reinado “foi mais difuso, mais geral, mais popular do que este”. De tal modo, acreditava Viana, que em dado momento, pouco se acreditava que seria possível evitar o seu triunfo. Ele narra inclusive um episódio muito interessante, em que, no dia do advento da Lei Áurea, a Princesa Isabel se movia apressada para o Paço e Paulino, o Visconde de Uruguai, que “podia embaraçar o projeto”, desistiu “com fina elegância, em expressões que são um modelo de polidez, aticismo e ironia, declarando que, tendo cumprido o seu dever de cidadão, ia agora cumprir o seu dever de cavalheiro, ‘não fazendo esperar uma dama de tão alta jerarquia”.

O sociólogo elencou também o descrédito em que, aos olhos de muitos, as instituições monárquicas caíram, por diversificadas razões. Uma delas, a de que, diante da velhice e doença de D. Pedro II, antipáticos ao Conde D`Eu, marido da princesa, ou céticos quanto aos príncipes então jovens, os brasileiros da elite política e intelectual – que, lembremos, para Viana, estão sempre muito separados da “massa”, porque esta, (mal) educada em séculos de regime arquetipicamente “feudal” e patrimonialista, não teria construído qualquer senso de espírito público e cidadania capaz de sustentar plenamente uma democracia liberal – não enxergavam a monarquia subsistindo para um Terceiro Reinado.

A segunda seria o fato de que as lideranças dos grandes partidos – os liberais e conservadores, luzias e saquaremas, em cujos programas Viana também enxerga poucas diferenças práticas, a ponto de se servirem de retóricas e instrumentos, no governo, que combatiam e identificavam com o partido adversário, na oposição – começavam a se mostrar incomodadas demais com as intervenções do monarca. D. Pedro, é sabido, podia dissolver os Gabinetes ministeriais, ou poderiam ser convocadas eleições para o Parlamento, a fim de que ambos, Executivo e Legislativo, se harmonizassem; o Parlamentarismo sem opinião pública efetiva tornava “todos os atos políticos e administrativos” dependentes do Gabinete, que então montava “a ‘máquina’ do seu partido – pelos mesmos processos usados atualmente”, isto é, na República Velha, em que Viana vivia, “pelos oligarcas estaduais”.

Por isso, Viana acreditava que D. Pedro, usando do Poder Moderador, incumbia de “organizar o novo gabinete um prócer do partido oposto”, de tempos em tempos, a fim de “tanto quanto possível corrigir estes processos, impedir a montagem dessas ‘máquinas’”, e foi isso que teria garantido a estabilidade do regime por tantas décadas. A mesma prática, porém, – sobretudo, diz o autor, a partir da intervenção no gabinete Zacarias de Góes e Vasconcelos para substituí-lo, contra a maioria do Parlamento, pelo gabinete conservador de Itaboraí, em 1868 -, acabou levando à indisposição política de setores barulhentos contra o seu papel institucional. Seria, ele supunha, tal como alguns conservadores monárquicos supuseram ao defender o Poder Moderador que o Brasil apresentava na prática, a única maneira, à época, de conter o mandonismo e a ausência de legalidade nas províncias e regiões.

Porém, nem isso, nem a própria ideologia republicana em si, que Viana demonstra, com dados numéricos, inclusive revelando a quantidade diminuta de periódicos em sua defesa, não ter sido tão penetrante, seriam os fatores mais interessantes apontados pelo autor na obra. O fator prioritário seria a agitação militar; sem isso, o golpe de 1889 não se daria e, mesmo que a monarquia viesse a cair, teria sido possível que isso ocorresse apenas após a morte de D. Pedro.

Viana descreve a dimensão comportamental e psicológica dos militares como algo diferenciado da psicologia política e partidária; os militares teriam um forte espírito coorporativo, e, por obra da instigação dos próprios civis, sua inserção passional e exacerbada nas discussões e contendas políticas teria criado o monstro que devoraria o próprio regime. Teria havido um “grande programa de exploração sistemática das Forças Armadas, desenvolvido” no Brasil “desde 1870, com inegável habilidade, pela classe dos políticos civis”, visando “preparar um conjunto de circunstâncias, um ambiente apto a constituir como que um campo de atritos entre as suscetibilidades conhecidas da classe militar e as atitudes políticas dos gabinetes ou de uma dada situação partidária”. Foi isso que acabou sepultando o Império; o movimento de 1889 era lido, de início, como uma desarticulação do gabinete do Visconde de Ouro Preto, contra o qual se indispunham certas alas militares, mas acabou desembocando no desmantelamento de todo o sistema e o triste exílio imposto ao monarca.

A insatisfação com a realidade, que hoje inclusive também nos domina, pode levar ao cultivo de ideias revolucionárias, ao ímpeto de destruir o edifício do passado e implantar a absoluta novidade pela força. Nosso golpe republicano, a partir do qual destratamos de maneira tão vexatória um dos nossos governantes mais admiráveis, é um demonstrativo disso. Parece-nos que a própria evolução do regime ao longo do tempo, desde 1824 até então, evolução da qual participa até o figurino “parlamentarista” que veio a assumir, indica que tínhamos alternativa a simplesmente destruir tudo. Inclusive, no seio do monarquismo, reformas já eram discutidas e propostas. No entanto, a paciência e a prudência raramente prevalecem por aqui; tendo isso em mente, vejamos o que dizia, em carta confidencial de 1887 transcrita por Oliveira Viana, portanto alguns anos antes da República, o famigerado marechal e presidente Floriano Peixoto:

“Vi a solução da questão da classe, excedeu sem dúvida a expectativa de todos. Fato único, que prova exuberantemente a podridão que vai por este pobre país e, portanto, a necessidade da ditadura militar para expurgá-la. Como liberal que sou, não posso querer para meu país o governo da espada; mas não há quem desconheça, e aí estão os exemplos, de que é ele o que sabe purificar o sangue do corpo social, que, como o nosso, está corrompido”.

O próprio Oliveira Viana acreditou na força violenta de Vargas para equacionar os dramas nacionais. Contudo, qualquer que seja o valor de suas apreciações e de suas atitudes, apenas o levantamento desse pequeno documento já vale a leitura do livro. Floriano expressa muito da nossa falta de senso de orientação cíclica, que nos deixa prontos a querer resolver tudo com um absoluto revolver de todas as instituições e de toda a conexão com um passado histórico e uma continuidade, em busca de uma unidade armada que possa solucionar a nossa cultura cidadã invertebrada.

Quero crer, contra Oliveira Viana, que, quando muito por vivermos hoje um outro momento, podemos fazer melhor do que isso. Podemos fazer algo diferente do que fizeram os republicanos golpistas, ao escorraçar indignamente do Brasil um dos seus maiores homens de bem, ou do que fizeram os próceres do Estado Novo varguista, como o próprio Viana, após a Revolução de 1930. Quero crer que é possível semear as boas ideias e construir um espírito de autonomia e cidadania a partir de nossa sociedade civil. É a missão que movimentos, think tanks e intelectuais liberais e conservadores precisam trabalhar para cumprir hoje e construir um melhor amanhã.

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