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O ódio da esquerda à classe média "burguesa"
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Em sua coluna de hoje, o sociólogo Demétrio Magnoli defende a importância da classe média (ou classes médias, pois é impossível considerá-la algo monolítico) para o avanço da democracia. Usando como pano de fundo a conhecida declaração de Marilena Chaui sobre seu ódio à classe média, Demétrio combate a tentativa de parte da esquerda de condenar toda uma classe para impedir as críticas legítimas ao seu governo.

Os “coxinhas”, como ele lembra bem, foram os responsáveis por vários movimentos históricos que desafiaram regimes opressores e tirânicos. Diz Demétrio:

Chaui, uma professora de classe média, odeia seus colegas, seus alunos, seus amigos –e a si mesma. Entretanto, ela não entende a classe média, nem no registro sociológico, nem no histórico.

Sociologicamente, a classe média não é una, mas diversa. O crescimento econômico e a modernização social acentuam a diversidade das classes médias (assim, no plural), borrando as fronteiras que as separam dos trabalhadores assalariados. Nas democracias opulentas do Ocidente, esses segmentos compõem a maioria da população.

Como explicou Timothy G. Ash, a mensagem das revoluções de 1989 no leste europeu era “queremos também ser de classe média, no mesmo sentido em que os cidadãos da metade mais afortunada da Europa é de classe média”. A tentativa de definir a classe média por uma coleção de adjetivos derrogatórios é uma prova, entre tantas, dos efeitos obscurantistas do pensamento ideológico.

E a ideologia pode ser mesmo uma máquina de destruição de fatos. Indivíduos de todo tipo compõem a tal classe média, mas se há algum denominador comum, como observa Demétrio, é a relativa autonomia em relação ao poder estatal, em contraste com os grupos organizados típicos da esquerda radical. “Daí o incontido ódio da filósofa: as classes médias não se amoldam à caixinha dos partidos que anunciam a salvação do povo”, resume.

O pensamento classista atende aos interesses ideológicos do revolucionário pois lhe permite olhar para o próximo de carne e osso como nada menos do que um representante da classe inimiga. Ajuda na hora de agredi-lo ou mesmo exterminá-lo, com menos peso na consciência. Não é o João ou a Maria que se está atacando, mas “o burguês”. Os nazistas adotaram a mesma tática com “os judeus”.

Já mostrei aqui que somente o indivíduo é o agente da história, ao contrário do que “pensam” os marxistas, vidrados no conceito de classe. Publiquei também um ótimo texto de Flavio Morgenstern sobre a farsa das “classes sociais”. O ódio da esquerda radical à “classe média”, associada por ela à “burguesia”, é uma forma abjeta de trocar gente de carne e osso, com todas as suas complexidades, por abstrações vazias que servem ao propósito dos revolucionários sedentos por poder. Roger Scruton, em Pensadores da Nova Esquerda, foi direto ao ponto:

Supõe-se que a burguesia seja um tipo de agente moral coletivo, que realiza e sofre ações em conjunto, e que pode por estas ações ser louvada ou culpada. Sem esta suposição, torna-se incoerente acusar a burguesia de injustiça ou ressentir-se de seu domínio. Também se torna incoerente – e, na verdade, imoral – ressentir-se, punir ou (por exemplo) expropriar alguém como membro da burguesia. Em outras palavras, sem o pressuposto da burguesia como um agente corporativo, a torrente de emoção radical fica obstruída. O fluxo livre de ressentimento radical requer a personificação da burguesia.

[…]

Ademais, ser um proletário ou um burguês torna-se um atributo moral, parte de seu caráter: você é considerado virtuoso ou corrupto por pertencimento a sua classe social. (Para se chegar a essa conclusão emocional, a consciência socialista precisa evitar uma série de fatos desconfortáveis: por exemplo, o fato de que uma pessoa pode ser ao mesmo tempo empregador e empregado, ou ser empregado hoje e empregador amanhã; e o fato de que a ordem “burguesa” madura lança toda propriedade num fluxo de titularidade mutável; e estabelece uma recompensa para o desenvolvimento de qualquer habilidade. Reconhecer estes fatos, no entanto, é olhar além do mito da “luta de classes”.)

[…]

Foi a inspiração nestes sentimentos “classistas” que levou ao “massacre dos kulaks”, à “revolução cultural”, e à “purificação” da ordem social exercida por Pol Pot, no Camboja. Apesar disso, o charme da teoria permanece absoluto e avassalador.

E quem poderia negar isso observando o comportamento de Marinela Chaui e de tantos outros petistas? Como discordar de Scruton quando vemos a grande quantidade de gente que simplesmente evita olhar para os manifestantes nas ruas, enxergar os diversos críticos do governo Dilma, preferindo aderir ao rótulo pejorativo de “coxinhas”, uma mera adaptação do velho “burguês”?

Rodrigo Constantino

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