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O Papa Francisco falou bobagem. Ou: Pelo direito de "insultar"

A fala em clima descontraído e informal do Papa Francisco, condenando o uso da religião para a violência, mas alegando que ninguém tem o direito de insultar os outros e que é normal reagir a isso até mesmo com um murro, repercutiu pelo mundo todo. Tenho pouco a acrescentar ao excelente texto de Carlos Graieb, editor da Veja.com. Mas mesmo assim vou comentar o ocorrido.

O Papa Francisco errou, disse uma besteira. Gosto do Papa, ou ao menos até aqui tenho tido simpatia por sua postura, com ressalvas (quando se mete a falar de economia e capitalismo). E até entendo o sentido que ele tentou dar à fala, pois qualquer um se sentiria ofendido se alguém falasse mal da sua mãe. Aqueles que forçam a barra para interpretar que até o papa justificou o atentado bárbaro estão sendo desonestos, simples assim. Não foi nada disso que ele fez. Ainda assim, falou bobagem.

Ninguém pode ter o direito de não se sentir ofendido. Esse seria um direito absurdo, que levaria a uma tirania. Afinal, cada um se ofende com alguma coisa. Torcedores fanáticos ficariam ofendidos se falassem mal de seu time do coração. Socialistas se ofenderiam com as críticas ao modelo utópico coletivista que trouxe apenas escravidão e miséria ao mundo. Cristãos se ofenderiam o tempo todo com sátiras a Cristo.

A ofensa nunca é um bom parâmetro para julgar o limite da liberdade de expressão. E infelizmente vivemos na era do sentimentalismo exacerbado, em que “almas sensíveis” chegaram ao poder e se julgam no absoluto direito de não ficarem ofendidos. O politicamente correto é o corolário disso, uma ditadura velada que oblitera a linguagem e cria um clima de autocensura insuportável. Daí vem a ideia de que tudo é bullying hoje. Xô, apelidos!

Eis algo que os religiosos precisam compreender: blasfêmia é um conceito que faz sentido apenas para o crente. Um estado laico, portanto, que separa estado de religião, não pode ter leis contra a blasfêmia. Não faz sentido, pois para quem não compartilha da fé em questão, ironizar a crença alheia jamais será uma “blasfêmia”. O sagrado só é sagrado para o crente.

A boa educação e a civilidade recomendam, porém, respeito às crenças religiosas dos demais. Afinal, vivemos num mundo em busca de sentido, e as religiões sempre foram, historicamente, a resposta a esse anseio universal. Falsas ou não, isso não vem ao caso. O ateu militante mais parece um crente, além de ser muito chato. E o militante agressivo, desrespeitoso, é apenas um infantil gritando por ajuda: “Não creio no seu Deus, esse maldito!”

Os humoristas inteligentes ainda existem, mas o fato lamentável é que o humor se vulgarizou, como tudo mais. A sátira passou a ser cada vez mais ácida e agressiva, para se destacar num mundo em que o desrespeito foi banalizado. Não entro no caso específico dos franceses mortos, mas aqui no Brasil sabemos como falta inteligência aos jovens humoristas famosos, cuja fama foi construída à base de muitas ofensas e vulgaridade.

Mas condenar o desrespeito ou mesmo a estupidez não é o mesmo que demandar leis contra os insultos. Coerção estatal não é a resposta certa, muito menos os atentados terroristas. Os néscios têm direito às suas estultices. E a “blasfêmia” ou a sátira agressiva jamais justificam a barbárie, que os multiculturalistas preferem chamar de “diferenças culturais”. Sim, a diferença entre quem respeita a vida e quem ama a morte.

Curiosamente, os mesmos que levantam a bandeira da “tolerância” contra o preconceito e da censura aos insultos, usando a fala do papa de forma oportunista, adoram cuspir no Cristianismo ocidental. Há um viés seletivo nessa postura de respeito às religiões: só engloba o Islã ou as exóticas orientais e africanas, nunca a própria religião predominante no Ocidente. Cristo pode ser ridicularizado, mas Maomé, jamais. Santa hipocrisia, Batman!

No fundo, esses relativistas sabem onde a porca torce o rabo, e morrem de medo dos fanáticos islâmicos. Sabem que a feminista com o peito de fora na igreja, perturbando o pobre padre, sairá de lá ilesa, viva. Sabem que o indecente uso da cruz para cenas pornográficas em praça pública não será punido. Sabem que declarações explícitas de judeofobia não vão dar em nada. Mas sabem, também, que uma simples charge ironizando Maomé pode acabar em tiroteio e bomba. São covardes.

Eis o que boa parte da esquerda e uma ala menor da direita ainda não entenderam: a defesa da liberdade de expressão só faz sentido quando discordamos do que é dito, ou até mesmo quando abominamos o que é dito. Defender o direito de o outro se manifestar verbalmente quando concordamos com ele é moleza. Difícil é adotar a máxima atribuída a Voltaire, e defender até a morte o direito de o outro falar o que pensa, mesmo sem concordar com uma só de suas palavras.

O humorista Rafinha Bastos, em artigo publicado hoje na Folha, fez um desabafo legítimo, perguntando onde estavam todos esses que agora dizem ser Charlie, em homenagem aos chargistas franceses mortos, quando ele era censurado e atacado aqui no Brasil. Veja bem: você tem todo o direito de achar o humor de Rafinha Bastos ridículo, ofensivo, patético, estúpido. O segredo é perceber que uma coisa não tem ligação com a outra. O liberal defende o princípio, não o discurso que lhe agrada.

Quando a editora Abril, após expor fatos incômodos ao PT, foi atacada por vândalos, estes foram elogiados por partidos de esquerda. A “liberdade de expressão” dos esquerdistas é válida para um lado somente. O esquerdista pode insultar todos, chamar de “fascistas” ou “nazistas” os liberais que repudiam o fascismo e o nazismo, que não tem problema.

Mas o insulto passa a ser abominável quando atinge uma das “minorias” protegidas pelos “progressistas”. Qualquer coisa vira “islamofobia”, por exemplo, quando vai contra o Islã “pacífico”, que praticamente monopoliza os casos de terrorismo na atualidade. Dois pesos, duas medidas: a marca dos hipócritas.

Ofensa gratuita não é bom humor, e extrai gargalhadas apenas dos mais limitados. Humor fino, por outro lado, é inteligente, e estimula risos nos mais sábios. Mas a diferença entre um e outro deve ser definida pelo “mercado”, pela liberdade de escolha. Insultos são normalmente ataques de gente insegura. Vejo isso diariamente aqui no blog, pela horda de esquerdistas que aparece apenas para me ofender, incapazes de debater ou argumentar. Morrem de medo de meus argumentos e reagem como os brutos.

Mas como liberal, defendo o direito ao insulto, à “blasfêmia”, pois a alternativa é uma crescente censura que terminaria abolindo a preciosa liberdade de expressão.  Haverá uma região cinzenta, claro, em que não será fácil definir se o limite foi ultrapssado. Para tais casos existe a Justiça, o devido processo legal, conquista das civilizações liberais e avançadas.

O papa, portanto, escorregou feio e levantou a bola para os autoritários que se julgam no direito de usar a força (lei) para não se sentirem ofendidos. Como ateu, fico feliz ao ver que não estou só na crítica ao líder máximo dos católicos, pois um deles, Reinaldo Azevedo, teceu o mesmo tipo de crítica em sua coluna de hoje na Folha:

Francisco tem cabeça e postura de cura de aldeia, não de papa. Suas entrevistas ambíguas são detestáveis. O jesuíta leu mal São Paulo e não sabe que cítara e flauta têm de soar de modo distinto. Suas opiniões sobre o atentado e a liberdade de expressão são covardes, imprecisas e politiqueiras. Deveria se esconder debaixo da cama com Barack Obama para conversar sobre o nada. Ainda bem que nenhum católico vai tentar me dar mil chicotadas por isso.

E essa sim, é uma ironia fina no final. Com ela, Reinaldo Azevedo expõe toda a hipocrisia dos multiculturalistas que apontam os dedos para os chargistas, transformando vítimas em culpados. Criticar o papa não coloca a vida de ninguém em risco. Já fazer um desenho bobo do profeta dos muçulmanos…

Rodrigo Constantino

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