A jornalista Miriam Leitão e o fotógrafo Sebastião Salgado começaram hoje uma matéria especial sobre os “bravos e vulneráveis” índios Awá, que vivem como caçadores e coletores na Floresta Amazônica no Maranhão. O título da reportagem no GLOBO é “Paraíso sitiado: Eles estão em perigo”. Paraíso?
Sempre chamou bastante a minha atenção essa visão romântica da vida “selvagem”. Foi Rousseau quem popularizou o conceito de “bom selvagem”, como se a vida mais natural fosse sinônimo de “pureza”, “simplicidade” e “felicidade”, sendo que a sociedade acabaria nos corrompendo. Mas a ideia não vem só dele. Até Michel de Montaigne flertou com essa visão romântica de um passado idílico e melhor.
Em seus ensaios, quando ele fala sobre os canibais, podemos notar essa vontade de crer que os “bárbaros” vivem melhor que os “civilizados”. Ele resgata também filósofos que falavam desse éden perdido, desse estágio fantástico antes de os hábitos e costumes serem alterados pela civilização. Diz Montaigne:
É um povo, diria eu a Platão, no qual não há a menor espécie de comércio; nenhum conhecimento das letras; nenhuma ciência dos números; nenhum título de magistrado nem de autoridade política; nenhum uso de servidão, de riqueza ou de pobreza; nem contratos; nem sucessões; nem partilhas; nem ocupações, exceto as ociosas; nem vestimentas; nem agricultura; nem metal; nem uso de vinho ou trigo. Mesmo as palavras que designam a mentira, a traição, a dissimulação, a avareza, a inveja, a maledicência, o perdão são inauditas.
O tom de aprovação vai ficando mais empolgado ainda. Montaigne considera tais características positivas. Mas não são! E desconheço um ser civilizado que queira regressar a esse estágio bárbaro, selvagem, natural. A vida dos índios é dura. Há hierarquia, guerras, miséria. O ser humano não nasce “bonzinho” e é corrompido depois; ele nasce uma pequena besta e precisa ser civilizado, educado. O nosso estágio natural é o da miséria e da ignorância. Quem realmente deseja voltar a isso?
Ninguém. Mas muitos gostam de sonhar que era tudo maravilhoso. Eles romantizam um passado idealizado de perfeição, de fartura, de beleza e contato simbiótico com a linda natureza (esquecendo dos nossos predadores e da dificuldade de se obter alimentos, proteção contra o frio etc). E, mesmo não invejando de fato a vida real dos selvagens, essas pessoas se sentem melhor quando os colocam em redomas e preservam sua “cultura”, seu estágio subdesenvolvido de vida, em uma espécie de “zoológico humano”.
Eu dedico uma maior reflexão a esse fenômeno em meu livro Esquerda Caviar, que será lançado em outubro pela editora Record. Até lá, digo aos leitores apenas que tomem muito cuidado com as lindas fotos que passam a imensa felicidade desses índios isolados na mata, e que redobrem o cuidado quando alguns tentarem incutir culpa no “homem branco malvado” inserido na civilização ocidental.
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