Já escrevi bastante sobre a postura da elite artística no caso do Ministério da Cultura, quando deixaram as máscaras caírem e mostraram a todos que só ligam para o vil metal, ainda que tentando disfarçar tamanha ambição e ganância com mantos altruístas. O assunto, porém, é relevante e sempre merece mais algum destaque. Afinal, essa esquerda caviar manda em boa parte do governo, como vimos, e isso tem consequências terríveis para o país.
Volto ao tema, então, com base na coluna de Demétrio Magnoli no GLOBO hoje. Vale a leitura, apesar de um deslize sobre a “seita insignificante dos ultraliberais” (Demétrio é meu esquerdista favorito). Seria bom também alertar ao sociólogo que não é muito prudente mexer nesse vespeiro direto no ninho das vespas. Não vamos esquecer que eu tinha uma coluna naquele exato espaço, às terças-feiras, desde 2009. Bater de frente com nossos poderosos artistas pode ser perigoso para um colunista do jornal…
Mas voltando ao teor do texto, Demétrio acerta ao mostrar o que está por trás de tanto barulho. Cultura? Que piada! Estamos falando de propaganda política ou de verba, pura e simplesmente verba. Seguem alguns trechos em que ele rebate principalmente os argumentos de Fernanda Montenegro, que fala da “alma de um país”, e de Juca Ferreira, o soldado do lulopetismo infiltrado no ministério:
Na “guerra do MinC”, falou-se da cultura como “alma de um país” (Fernanda Montenegro) e “área estratégica” (Juca Ferreira). As definições soam bem, mas suas implicações substanciais preocupam. A primeira remete à noção de identidade nacional: a “educação das massas” por uma elite iluminada. No Império do Brasil, a cultura deveria servir como ferramenta do projeto de edificação de uma nação europeia nos trópicos. No outono da República populista, sob o signo do CPC da UNE, a cultura tinha a missão de estabelecer um “caráter nacional” inspirado pela ideia de “resistência ao imperialismo”.
[…]
A segunda definição remete à geopolítica. Na França, por exemplo, atribui-se à cultura a função estratégica de proteger a esfera da francofonia diante da marcha avassaladora da língua inglesa. […] Juca Ferreira diz que, no governo Lula, “a política cultural foi elevada ao patamar de Política de Estado” (assim, com as maiúsculas reverenciais) — e, referindo-se especialmente aos “mais de cinco mil” Pontos de Cultura designados a “apoiar diretamente as iniciativas de cada comunidade”, explica que a cultura ganhou lugar de relevo na “agenda social”. O ex-ministro reivindicava para o MinC uma dotação assegurada de 2% do Orçamento da União, mais que o dobro do Bolsa Família e quase metade do valor destinado à Educação. A meta, nunca atingida, evidencia a vontade de erguer uma poderosa estatal da cultura, capaz de colocar um rótulo do governo federal em “cada comunidade” — ou, dito de outro modo, de atrelar ao patrocínio oficial os incontáveis grupos de “fazedores de cultura” espalhados pelo país.
[…]
A pesca é importante — mas precisamos de um Ministério da Pesca? As mulheres e os direitos humanos também o são, assim como, por motivos distintos, os portos e as micro e pequenas empresas. Sabe-se que o organograma dos 539 ministérios de Dilma Rousseff tinha a finalidade de comprar o apoio da “base aliada”. Esquece-se, vezes demais, que funcionava igualmente como instrumento de uma política neocorporativista que concedia a setores sociais organizados o privilégio de uma cadeira reservada no salão reluzente de intercâmbios e negócios com o poder público. Desconfio que, na sua épica “guerra pelo MinC”, o partido dos artistas combatia essencialmente pela manutenção de um passaporte diplomático que lhes confere acesso direto aos cofres do Tesouro.
“Alma de um país”? Os museus e as orquestras sinfônicas desfalecem à míngua, longe das luzes dos holofotes. “Área estratégica”? A Biblioteca Nacional, a sétima maior do mundo, com suas dez milhões de peças, está entregue às traças, aos ratos e à água de infiltrações, um destino compartilhado por tantas bibliotecas públicas municipais. Não tenho notícia de um manifesto dos artistas sobre isto ou aquilo. Viva o MinC!
Pois é: a máscara caiu. Esses que tentam monopolizar a preocupação com a cultura parecem bem mais preocupados em elogiar o funk (Caetano), lutar por mais receitas e poder (todos, principalmente Paula Lavigne), utilizar o Minc como instrumento de proselitismo ideológico (Chico Buarque e tantos outros), garantir empregos e mamatas (Aderbal Freire-Filho, por exemplo), tudo isso junto, menos preservar de fato aquilo que se pode chamar de cultura.
Essa patota organizada da esquerda caviar tem muito poder em nosso país. Alguém estranha a cultura estar em nível tão degradante?
Rodrigo Constantino
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