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O perigo da regulação estatal para a destruição da liberdade de expressão e do progresso

Por Vitor Humberto Sampaio Netto, publicado pelo Instituto Liberal

O Iluminismo adveio da prevalência da liberdade individual e da razão em seu centro no ocidente, tendo como uma das consequências a liberdade religiosa, de expressão, de associação e a separação entre igreja e o Estado. No entanto, vê-se um recrudescimento da perseguição à liberdade de expressão, mesmo nos Estados Unidos, consoante nos alerta Steve Simpson, Diretor de Estudos Legais do Instituto Ayn Rand, que editou em um livro, Defending Free Speech, uma série de artigos que tratam dos principais problemas  atualmente relacionados à liberdade de expressão.

Nota-se que a liberdade de expressão está em perigo pelo aparato estatal e a sua regulação basicamente por três principais ideias: as fake news; tribalismo; e a noção de que uma ideia é ofensiva ao sentimento de determinada pessoa ou grupo.

John Stuart Mill trata do tema sobre liberdade de expressão com maestria na obra Sobre a Liberdade, publicada em 1859. Liberdade de expressão está intrinsecamente conectada com a capacidade e a liberdade de pensar para a reflexão em constante busca da verdade para o aprimoramento da pessoa e da sociedade.

Consoante ensina Mill, pontos de vista e ideias, ainda que obscuros, podem conter uma pequena fração da verdade. Se uma opinião ou ideia não contém a menor fração da verdade, ainda deve ser permitida, porque contribui para uma percepção mais clara e impressão mais viva da verdade, produzida por sua colisão com o erro.

Se a opinião de uma pessoa é certa e é proibida, todos os outros que pensam diferentemente e a sociedade são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade. Se uma determinada opinião contém alguma parcela de verdade e é proibida, também seremos privados de organizar nossas ideias e pensamentos em busca da verdade. Se a pessoa com uma ideia errada não puder expor seus pensamentos, não poderá chegar à verdade e ter clareza nas suas ideias, se assim quiser, bem como toda a sociedade.

Ou seja, mesmo se uma ideia for certa ou errada, se houver censura, perde-se a clara percepção e produção da verdade pela sua colisão com o erro, tanto por parte da pessoa quanto da sociedade.

Assim, as fake news são vantajosas às pessoas, pois as concedem mais informações que antes não tinham e podem colidir com as suas ideias em busca da verdade. Claro que quem espalha fake news não terá a mesma credibilidade de antes, ainda mais se não errou buscando o  acerto. Se as pessoas têm a liberdade de debater e buscar as informações, não há porque ficar na histeria das fake news. As pessoas não são “burras” como pensam o governo e os doutores.

A mídia mainstream (TV, jornais e revistas), que não tem mais o monopólio da informação, graças à internet e às redes sociais, é que parece que ainda não se atentou a isso ao espalhar diversas informações incorretas ou fake news, que são rapidamente rebatidas e expostas nas diversas redes sociais, para a desmoralização ainda maior desse tipo de mídia. Não por acaso, os jornalistas desse tipo de mídia são os principais ardorosos defensores da regulação estatal das mídias sociais.

O pós-modernismo tem um papel fundamental nessa questão de restrição à liberdade de expressão e pensamento, pois busca a relativização da razão, não se podendo, assim, chegar à verdade por meio dela. O que vale são os desejos e não a razão. Só se pode debater ideias predeterminadas, que o grupo ou seu pensamento coletivo guiado pelos sentimentos permitem; tudo o que ficar de fora é blasfêmia, por assim dizer. Para os pós-modernistas, dessa forma, o que importa é o sentimento de determinado grupo e qual deles terá o sucesso de buscar o controle e a coerção de ideias pelo Estado.

Uma explicação psicológica interessante dos motivos que fazem as gerações atuais serem mais apegadas aos sentimentos do que à razão é dada por Greg Lukianoff e Jonathan Haidt no livro The Coddling of the American Mind – How Good Intentions and Bad Ideas are Setting Up a Generation for Failure. Apesar de o livro ter uma pegada mais ao gosto do partido Democrata em diversos pontos, a parte psicológica é intrigante. Demonstra-se como o tribalismo, a super proteção e segurança dos pais e das instituições aos jovens, com medo da possibilidade de “trauma”, praticam exatamente o contrário da terapia cognitivo-comportamental, o que causa mais ansiedade, distorção cognitiva e fragilidade; valorizando, assim, os sentimentos e evitando os problemas, a responsabilidade ou a exposição às ideias diversas, com a necessidade desses jovens de mais segurança, ou seja, regulação estatal ou instrucional da censura de ideias. Os autores mostram como se expor e aprender a lidar com as decepções, frustrações e conflitos interpessoais, mesmo que aos poucos, é a solução para uma vida mais saudável, no sentido da expressão “o que não te mata te faz mais forte”.

O politicamente correto, o “hate speech”, o discurso compulsório, “trigger warnings”, “safe space”, “virtue signalling”, “microaggression”, “victimhood culture” e etc., apoiam-se em uma combinação de pensamento tribal de grupo opressivo e grupo opressor e na ideia de sentimento ofensivo para conseguir calar o debate e as ideias contrárias e buscar a regulação do Estado.

Uma argumentação para justificar a regulação estatal é: e se uma pessoa gritar fogo na sala de cinema quando não há? Essa pessoa está fraudando os outros clientes e o proprietário da sala de cinema e deve indenizá-los; não há necessidade de regulação da liberdade de expressão, que somente irá destruí-la. Também não estamos tratando da questão de uma ameaça de morte ou de uso da força e da coerção. Tal situação é objetiva, não há o que interpretar, e é melhor saber que alguém tem a intenção de me matar, para logo poder tomar as providências cabíveis, do que ser surpreendido.

Uma ameaça à liberdade de expressão que tem profunda ligação com a ideia de ofensividade e da necessidade de regulação estatal, é a que ocorre quando fundamentalistas da religião Islã cerceiam as ideias pelo medo da morte. Matam quem critica ou satiriza a religião, com a pretensão de gerar medo, para que ninguém o faça, como foram os casos dos  editoriais Jyllands Posten, do Charlie Hebdo, do Seattle Weekly, e muitos outros. O canal Comedy Central não exibiu um episódio do desenho South Park em abril de 2006 que mostrava o profeta Muhammad, e, em julho de 2015, o Charlie Hebdo informou não mais fazer gravuras do profeta Muhammad.

Da mesma forma, nas universidades americanas, brasileiras e em manifestações com os Black blocs e etc. vê-se os pós-modernistas utilizarem a violência e a força para calarem ideias que os grupos não permitem.

O uso da força e da coerção para fazer valer suas ideias ou calar as contrárias, inclusive pelo Estado e as que entende que devam ser seguidas por Lei e regulamentos, é a ruína da sociedade. A nossa capacidade de diálogo, de pensar e por consequência a nossa dignidade como ser humano estará esvaziada. Prefere-se tentar solucionar ou fazer o mais “fácil”, condenando quem critica ou satiriza a religião ou qualquer outro grupo de ideias sob o manto da ofensividade. Analogicamente, é como o Estado condenar uma vítima de estupro pela roupa que usa ao invés do agressor e querer regular o tamanho de sua saia ou de sua roupa.

Por incrível que pareça, tem gente que nega o holocausto dos judeus, seja lá qual a sua motivação, com argumentos bem elaborados e conectados a diversos fatos, porém só serve para reforçar e continuar nos lembrando do que de fato ocorreu com uma percepção muito mais clara da verdade.

Na Inglaterra, uma pessoa foi condenada por postar um vídeo de um cão da raça pug fazendo uma saudação nazista. O cachorro pug fazendo uma saudação nazista deveria ser considerado hilário e ridículo,  pois só nos resta debochar dos nazistas.

No caso do Discurso de ódio (muitas vezes usado como sinônimo de “hate speech”), até um bom dia, ou afirmar que acredita ou não em Deus, podem ser enquadrados assim para o sentimento de determinada pessoa.

Se nós permitirmos que os sentimentos reinem pela força e coerção, iremos exterminar a liberdade de expressão e de pensamento. Punir ideias é punir pensamentos. É como a famosa frase do biografo sobre a vida de Voltaire: “Eu desaprovo o que você disse, mas irei defender até a morte o seu direito de dizê-la”.

 O uso da força e da agressão para fazer valer suas ideias (sem e com a utilização do Estado e a sua regulação) é a mesma coisa que tornar as outras pessoas escravas e as impedir de pensar e viver.

Se alguém afirma que todos os brasileiros são ignorantes, não há interferência na minha liberdade, continuo livre para contrapor a ideia, pensar de forma diferente. Agora se uma lei me impede de abarcar determinada ideia ou se é usada a força física, com certeza há o cerceamento da minha liberdade, por consequência da sociedade, negando a possibilidade de se chegar a verdade e de ter clareza nas ideias. Se as pessoas são livres para debater e racionalizar, ideias más e erradas são o caminho para se chegar à verdade e ao progresso. As pessoas precisam de todas as informações para fazerem julgamento crítico e chegarem à verdade.

Se as pessoas também não têm liberdade para expressar suas ideias, a única alternativa é a violência, pois não há possibilidade de reflexão e troca de informações. Assim notou o advogado dinamarquês, Jacob Mchangama, no artigo How Censorship Crosses Borders, ao citar o discurso de Mandela em sua defesa no Tribunal do regime apartheid: “All lawful modes of expressing opposition to [white supremacy] had been closed by legislation, and we were placed in a position in which we had either to accept a permanent state of inferiority, or to defy the Government.”

As redes sociais, como Facebook e Twitter, estão censurando páginas e perfis pelo viés meramente ideológico. Apesar de serem sites privados, há claramente violação do contrato ou do termo de serviços por parte do Facebook e do Twitter, que podem ser resolvidos na Justiça, sem necessidade de regulação estatal. Cláusulas abertas no contrato como “hate speech” também são interpretadas em favor do aderente ao contrato na Justiça.

Temos visto uma relação cada vez mais estreita entre o Estado e as redes sociais Facebook e Twitter, como regulações na Alemanha, na Rússia e na União Europeia, para citar alguns, que somente impedem ou dificultam novos entrantes no mercado e destroem a liberdade de expressão. O livre mercado é a melhor arma do consumidor. De fato, Facebook, Twitter e outras grandes só não vão mais fundo na censura ideológica porque sabem que podem acabar com o seu mercado e abrir para as concorrentes. Para não perder o mercado, verifica-se que essas redes sociais buscam a regulação estatal com diversas exigências a serem seguidas pelas redes sociais, que somente impedem ou dificultam novos entrantes e as deixariam aí sim muito livres para aplicar a censura ideológica amplamente.

A única forma de o governo resolver essa situação de censura ideológica é tirar sua regulação parasitante e não impedir as trocas voluntárias; qualquer outra tentativa de regulação será inócua e benéfica às gigantes das redes sociais. Enquanto isso não ocorre, a Justiça é a solução para as arbitrariedades das redes sociais.

Consoante manifesta Rothbard em Manifesto Libertário: “liberdade de expressão” pessoal, por exemplo, envolve quase que invariavelmente o exercício da “liberdade econômica”. De fato, o ranking de países nos índices de liberdade do Instituto Fraser indica grande ligação entre liberdades pessoais e liberdades econômicas.

Jacob Mchangama, no mesmo artigo citado anteriormente, relata que, em um estudo, encontrou forte correlação entre a liberdade de expressão e melhores indicadores de direitos humanos, democracia, riqueza, inovação econômica, menos corrupção, para citar alguns.

Portanto, Mill é certeiro ao nos mostrar que a estrita censura de ideias presumidas erradas é roubar da raça humana a prosperidade. A liberdade de expressão é essencial para o progresso.

Somente com a livre circulação de ideias se chega ao consenso e à verdade; tire isso e só resta barbárie e violência, principalmente do Estado. Não cabe ao Estado estabelecer julgamento sobre se opiniões são ofensivas ou fake news, pois acabará com a prosperidade, a possibilidade de as pessoas reconhecerem e identificarem seus erros, e somente produzirá violência como consequência.

Sobre o autor:  Vitor Humberto Sampaio Netto é Advogado.

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