Arquitetos que trabalham em grandes obras públicas costumam apresentar viés autoritário. Vou levantar essa tese. Oscar Niemeyer vem logo à mente. Fez Brasília, que costuma receber muitas críticas de especialistas da área, por ter prédios feios e pouco funcionais, por praticamente não ter calçadas, por pensar pouco no indivíduo comum. Não sou arquiteto, não vou me manifestar (prefiro atacá-lo por seu comunismo, pois disso entendo mais).
Albert Speer, o arquiteto querido por Hitler e muito poderoso no Terceiro Reich, também vem à mente. Ele iria construir o futuro, colocar a Alemanha na vanguarda da Humanidade. Tudo com base, naturalmente, em seu planejamento central. O futuro seria construído de cima para baixo, fruto da mente brilhante de um indivíduo.
Não vou negar que cidades sem um mínimo de planejamento podem resultar em algo um tanto caótico. Mas tenho ainda mais receio de arquitetos que desejam concentrar o poder todo de decidir o que pode e o que não pode, como devem ser construídos os prédios, quantos, de qual tamanho, e aonde. Isso me assusta.
Como resultado prático, vemos aqueles prédios velhos e caquéticos no Leblon, o metro quadrado mais caro do Brasil, pois a prefeitura decretou o Apac, impedindo a “especulação imobiliária”. Na verdade, ao fazer isso, limita a oferta e encarece o espaço no local, estimulando a especulação imobiliária. Vemos também tombamentos que nem sempre fazem sentido, em nome da preservação histórica, e que eliminam o direito de propriedade do proprietário.
Pensei nisso tudo ao ler hoje o artigo do arquiteto e urbanista Luiz Fernando Janot no GLOBO. Ele fala da esquizofrenia do poder, citando como exemplo o Rio, que cria uma nova centralidade na Barra, enquanto tenta revitalizar o Centro. Para Janot, falta planejamento de longo prazo dos governos. E ele cita a derrocada de Detroit nos Estados Unidos para ilustrar o ponto.
Não vejo muita ligação, pois Detroit faliu após meio século de gestão do Partido Democrata, de esquerda, que não soube ou não quis enfrentar os poderosos sindicatos que, por sua vez, não aceitaram a realidade da globalização e a perda da competitividade da indústria automotiva na região. Não haveria planejamento urbanístico capaz de mudar esse quadro econômico.
Mas vamos ao trecho que eu mais gostei:
No Brasil de hoje é mais do que evidente o desinteresse pelo planejamento de longo prazo. Vive-se um delírio pseudodesenvolvimentista que transfere para o futuro o ônus da irresponsabilidade fiscal e do desperdício do dinheiro público em obras desprovidas do planejamento. As empreiteiras, penhoradas, agradecem os perdulários financiamentos do BNDES garantidos por frequentes capitalizações com recursos do Tesouro Nacional. Também não se pode esquecer as sinistras “Parcerias Público-Privadas” que, na verdade, utilizam mais recursos públicos do que privados. Os novos estádios de futebol estão aí para confirmar essa afirmação.
Não resta dúvida de que esses “elefantes brancos” vão custar caro aos pagadores de impostos, e que o BNDES faz a festa das empreiteiras. Mas quanto a planejamento de longo prazo, centralizado no próprio governo, tenho minhas dúvidas. Até porque os governos costumam ter justamente essa visão de curto prazo, de olho nas eleições. É possível evitar isso? O arquiteto continua:
A realidade econômica e financeira do mundo globalizado faz com que essas respostas não sejam tão simples como se pode supor. Para o geógrafo inglês David Harvey, a qualidade da vida urbana, ao virar mercadoria, trouxe consigo uma aura de liberdade para a escolha dos bens de consumo e para as atividades de lazer e entretenimento — obviamente, para quem tem dinheiro para usufruir desse privilégio. Esse modelo faz com que os comportamentos sociais se reduzam, apenas, à sua condição econômica. Todavia, o direito à cidade é muito mais abrangente do que esse tipo de reducionismo. As cidades, na sua essência, possuem vínculos sociais e culturais próprios, assim como estilos de vida e valores estéticos diversificados. Esses aspectos de natureza humanística não podem ser desprezados inconseqüentemente.
Aqui confesso que senti cheiro de marxismo no ar. Ser humano como mercadoria, liberdade de escolha para consumir como privilégio de poucos, comportamentos sociais como condição econômica apenas, enfim, parece-me que o reducionismo foi do próprio autor. Concordo que as cidades possuem vínculos sociais e culturais próprios, mas não creio que os governos devam controlar esse processo. Até porque eles costumam surgir e mudar de baixo para cima, de forma mais espontânea.
Janot conclui: “No futuro, quem pagará o preço pela falta de um planejamento consistente será a própria cidade”. Pode ser. Mas não me atrai a ideia de um planejamento ainda mais concentrado no próprio governo. Tenho calafrios quando penso que uma cidade inteira possa ser definida na prancheta de um poderoso arquiteto bancado pelo governo. Prefiro o “caos urbano”, que ao menos preserva mais a nossa liberdade.
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