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Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal

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Neymar estreou pelo Paris Saint-Germain no último domingo, após muita expectativa pela primeira partida do atleta mais caro da história do esporte. Mais alvoroço ainda causaram as cifras envolvidas em sua transferência de Barcelona para a capital francesa.

Afirmar que professores e médicos deveriam ser remunerados no mesmo patamar, dada a importância de suas atividades, virou lugar comum nas discussões que se sucederam. A seu turno, pessoas mais focadas no empirismo empreenderam esforços para demonstrar que, em um ambiente de trocas voluntárias, o preço de uma determinada mão de obra é determinado pelo próprio mercado, e não por alguma autoridade dotada de poder para tabelar salários.

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A resultante destes debates deixa claro que os valores recebidos como contraprestação por um dado serviço dependem muito mais da vontade subjetiva dos consumidores e do número de usuários que pagam por ele do que de juízos de valor eventualmente elaborados por pessoas supostamente esclarecidas.

De maneira tal que é possível traçar um algoritmo que indicará se você pode tornar-se rico em seu atual trabalho ou não, bastando percorrer seus poucos passos. Considere-se, aqui, que o Estado não intervém (muito) na economia criando barreiras para entrada de investidores nos setores produtivos nem beneficiando empreendedores específicos com crédito barato custeado pelo restante da sociedade, por exemplo.

Eis aí o caminho para a bonança a ser percorrido em um país onde o governo deixe os agentes econômicos agirem livremente – e não permita que funcionários do Estado recebam contracheques ostentando meio milhão de reais e digam que “não estão nem aí”.

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Evidência de sua validade é o fato de que Pelé, o melhor futebolista de todos os tempos, amealhou fortuna tão somente após sua aposentadoria. Na época em que Edson Arantes do Nascimento desfilava talento nos gramados, ninguém conseguia fazer o que ele fazia, muitas pessoas consideravam uma experiência quase divina vê-lo jogar, mas este era um privilégio de poucos, já que a evolução dos meios de transporte e de comunicação só viria a alcançar seu auge algumas décadas mais tarde – possibilitando, aí, sim, que muitas pessoas usufruíssem de seus dribles e jogadas geniais simultaneamente.

Com cada fã do esporte do planeta (atingidos pelas transmissões via televisão e até pela Internet) contribuindo um pouquinho, tornou-se viável reduzir o lucro dos investidores na margem (per capita) para aumentá-lo a partir do maior volume de transações efetuadas. Típico negócio de ganha-ganha: um lado ganha entretenimento a preço acessível, o outro serve Champagne de quase R$3.000 aos amigos como quem paga uma rodada de Skol.

Nada para se espantar: com as associações desportivas enriquecendo por meio do processo elucidado, elas puderam passar a oferecer maiores vantagens na disputa pelos melhores jogadores. Tal cenário demonstra, ainda, que a combinação “mágica” de mais dinheiro circulando em um determinado segmento da iniciativa privada com a “briga” pela mão de obra disponível sempre resulta em aumento de salários para os trabalhadores. Nos dias atuais, até mesmo atletas medianos (para não pegar pesado) ganham mais do que Pelé recebia em seus tempos áureos.

Nada contra o neurocirurgião ou o professor com doutorado que ganham menos que o Neymar, mas o primeiro não tem como operar várias pessoas ao mesmo tempo (muito embora alguns deles que dirigem o trabalho de diversos outros profissionais do mesmo ramo também possam ganhar fortunas, como o novo chefe da oncologia do Sírio-Libanês), e o segundo, normalmente, dá aula para no máximo algumas dezenas de alunos por vez – e aqueles que superam essa limitação logram ficar tão ricos quanto o brasileiro, tal qual Carlos Wizard.

Até aí, tudo dentro do razoável, apesar dos números do negócio entre PSG e Barça impressionarem de fato. Mas daí vem o detalhe que passou despercebido pela quase totalidade dos analistas: o preço pago pelo passe do atleta e o salário oferecido estão dentro da realidade dos clubes de futebol na Europa? Foram eles o resultado de negociação pura e simples entre as partes?

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Para entender esta questão, é preciso retroceder ao momento da assinatura de contrato entre o brasileiro e o clube catalão. O Barça, na ocasião, planejou a carreira de Neymar no longo prazo, e sua intenção era de que ele viesse, em algum ponto, a substituir o ídolo Lionel Messi, tanto em seu papel de principal figura em campo, quanto no coração dos torcedores.

Pensando nisso, foi estipulada, de comum acordo entre contratante e contratado, uma multa rescisória que parecia, a princípio, ser impagável por uma entidade esportiva. €$222.000.000. É zero pra caramba, em moeda forte. Qual clube poderia desembolsar tal quantia sem ir à bancarrota (e clubes de futebol podem ir à falência no Velho Mundo, ao contrário do que ocorre no Brasil)? Que patrocinador poderia preencher este vultuoso cheque? Tudo levava a crer, então, que Neymar ficaria na Espanha até o fim de seu contrato.

Agora um exercício de imaginação: considere que o CEO da Audi seja um aficionado por futebol; que seu sonho seja ver o Bayern de Munique dominando o futebol mundial; que ele resolva, então, patrocinar o clube alemão; e que, num surto de megalomania, resolva ele contratar Neymar, depositando sua fantástica multa rescisória, concordando com um salário nababesco e entregando-lhe de bandeja para o treinador do time da Baviera.

Pergunta: o que aconteceria com esta empresa no dia seguinte? Acertou quem respondeu que veria seu valor de mercado despencar violentamente!

Ora, uma empresa que deve satisfações a acionistas não pode se aventurar desta forma. O risco de o investimento não dar retorno é considerável e depende de fatores alheios à ingerência dos administradores.

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E se o brasileiro cair na gandaia e não jogar absolutamente nada – fato muito comum entre jogadores sul-americanos? E se houver ciúmes do restante do elenco e restar comprometida sua performance – e sua capacidade de agregar valor aos produtos do clube?

E se…pois é. Empresas que estão sujeitas aos mecanismos de estímulo do livre mercado não podem trabalhar com tantas hipóteses incertas que possam redundar em prejuízo, ainda mais em se tratando de uma área estranha a sua atividade-fim: fabricar e comercializar carros.

Ou seja, o dia seguinte da notícia da aquisição de Neymar registraria um forte movimento na bolsa de venda de ações da Audi, com a decorrente redução do valor de seus papéis e prejudicando sua capacidade de investimento.

A partir deste raciocínio, deduz-se que o Barcelona não estava de todo errado em sua lógica. Não fosse pelo detalhe crucial: os magnatas do ouro negro árabe e outros bilionários oriundos de países com pouca liberdade econômica não estão preocupados com nada disso.

Roman Abramovich já havia ensinado esta lição quando despejou dinheiro a rodo no Chelsea, da Inglaterra. O bilionário russo é mais daqueles que se deu muito bem quando da dissolução da URSS, ocasião em que subornou autoridades governamentais para obter concessões para exploração de petróleo e alumínio, além de estar envolvido no contrabando de diamantes de Angola e enfrentar até mesmo acusações de que teria embolsado recursos emprestados pelo FMI a Rússia. Em suma: foi o capitalismo de laços que formou o time campeão da UEFA Champions League de 2012.

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Al-Khelaïfi, novo dono do PSG e responsável pela transação de Neymar, é, a seu turno, amigo de Tamim bin Hamad al-Thani, que desde 2013 é o emir do Catar. Os dois jogaram tênis profissional juntos e a boa relação com a autoridade suprema do país garantiu ao empresário o comando do Qatar Sports Investment (QSI), braço esportivo do Qatar Investment Authority (QIA), fundo criado pelo governo local para investir em diversos projetos espalhados pelo mundo. Além disso, Al-Khelaïfi é também um dos membros do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2022.

Trocando em miúdos: foi verba estatal proveniente de uma das monarquias absolutistas mais ditatoriais existentes (país onde vigora a lei islâmica e que dá suporte a terroristas, por sinal) que levou Neymar para a cidade luz. Assim fica fácil brincar de Elifoot na vida real: se tudo der errado, qual o problema?

Pela mesma lógica torta, a Caixa Econômica Federal pode patrocinar metade dos times da série A do Brasil sem preocupar-se com as consequências. Empresas protegidas da concorrência por regulações estatais, como operadoras de planos de saúde (Unimed/Fluminense), ou empreendimentos que lucram muito devido à absurda taxa de juros nacional provocada pelo déficit público (Crefisa/Palmeiras), até podem brincar de Sheik às vezes… mas não muito. A Rede Globo, uma das maiores beneficiárias do BNDES, também costuma distribuir bônus por direitos de transmissão muita acima dos praticados no restante da América do Sul, pelas mesmas razões.

Empresas que concorrem pela preferência de consumidores sem auxílio governamental já não podem se dar a este luxo – ou não deveriam. Experiências fracassadas no Brasil deixam isso claro: Grêmio (ISL), Palmeiras (Parmalat) e Corinthians (MSI) já sofreram pesados castigos por apostarem em parcerias milionárias que bateram em retirada tão logo o lucro cessou e o prejuízo (ou a insolvência) bateu à porta. Não é trairagem: é matemática básica imposta pela realidade do mundo dos negócios.

A composição bilionária do time do Paris Saint-Germain, propiciada pelos petrodólares em abundância de seu novo proprietário, causou revolta nos defensores do famigerado “fair play financeiro” (favoráveis a proibir, por regulamento, que os gastos dos clubes excedam suas próprias receitas), os quais alegam que “o capitalismo está estragando a magia do futebol”.

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Como foi possível constatar, o livre mercado não tem nada a ver com isso. O problema é que o futebol não tem como isolar-se em uma bolha: estando ele exposto ao crony capitalism, como todos nós, será por ele afetado inevitavelmente.

A solução, para não variar, é mais liberdade econômica. Just like that