Lá vamos nós, com um daqueles textos que preferia não ter de escrever. Quem pode ser contra o avanço das delações premiadas e da Operação Lava-Jato? O Brasil quer, precisa passar a limpo sua política, tomada pelo cancro da corrupção em estágio de metástase. Aquilo que era prática comum chegou ao estado da arte com o PT, com o agravante de que havia, ali, um DNA totalitário, de permanência “eterna” no poder, inspirado no comunismo.
Ou seja, a institucionalização da corrupção. Mas sabemos que o sistema é todo podre. E quem restará após a lavagem total? Merval Pereira, em sua coluna de hoje, faz a distinção entre o que fez o PT e os outros:
Entre as muitas vantagens da Operação Lava Jato destaca-se a revelação, em tintas fortes, da evolução do esquema de corrupção montado na política nacional, que atingiu o seu ápice nos anos petistas. Para se ter uma ideia do que estamos falando, basta constatar que todos, simplesmente todos os ministros que ocuparam o Gabinete Civil nas gestões Lula e Dilma são alvos de graves acusações de corrupção.
A relação tem nomes ilustres: José Dirceu, na cadeia, duplamente envolvido no mensalão e no petrolão, Dilma Rousseff, também respondendo a impeachment, Erenice Guerra, Antonio Palocci, senadora Gleisi Hoffman, Aloisio Mercadante, Jaques Wagner e Lula, aquele que foi sem nunca ter sido.
[…]
O PT tem razão, não inventou a corrupção. Delcídio e Sérgio Machado foram tucanos antes de entrarem no PT e PMDB, e nada indica que tenham mudado o comportamento na atuação política pela simples mudança de legenda. Mas a narrativa que está sendo montada em Curitiba mostra que a chegada do PT ao poder institucionalizou a corrupção, potencializando-a.
[…]
De um esquema restrito à campanha eleitoral, o PT utilizou a experiência do lobista Marcos Valério como política de Estado, para forrar suas burras e a dos seus aliados e apaniguados, em busca do poder permanente. Agora estão todos juntos e misturados, mas é preciso separar as ações para que a culpa da degenerescência institucional não se perca nessa geleia geral que envolve a todos.
E, sobretudo, é urgente uma reforma político-partidária baseada nos novos critérios que estão sendo implantados a ferro e fogo a partir do novo protagonismo do Judiciário e das exigências da sociedade.
Eis o ponto-chave: com o que está acontecendo, estamos vendo uma geleia geral, uma mistura de alhos e bugalhos. O grande risco é institucional: o que sobra disso tudo? Se a política em si no Brasil é corrupta, então não resta quase ninguém se a sanha puritana for levada adiante. Digo mais: se o país é corrupto, restam poucos se o “império das leis” for imposto da noite para o dia. Duvida? Pense em todos os esquemas existentes por aí, pense na “cerveja” dos policiais, na “mãozinha” do burocrata para fugir da fila, nos camelôs, nos vendedores ambulantes em sinais de trânsito, nos empregos sem carteira assinada etc.
Quando o custo da legalidade é proibitivo, por excesso de regras, a “informalidade”, eufemismo para ilegalidade, é o ar rarefeito que quase todos respiram para fugir da asfixia estatal. E eis o que temo aqui: ao se clamar contra a “corrupção” ou a “criminalidade”, em geral e abstrato, clama-se contra o ladrão de galinha e o estuprador de crianças ao mesmo tempo. São todos “criminosos”. Mas a quem interessa não fazer a distinção?
Não quero ser mal compreendido. Acho que toda corrupção deve ser punida. Como liberal, sou o primeiro a defender o império das leis. Apenas acho que uma cultura carcomida não se muda da noite para o dia, num passe de mágica. Como diria Santo Agostinho, “dê-me castidade, Senhor, mas não agora”. Certas coisas levam tempo. Não se produz um bebê em um mês engravidando nove mulheres diferentes. O parto exige seu estágio natural. E há muitos brasileiros querendo parir uma Suíça em poucos meses. Querem sair do inferno para o paraíso sem nem passar pelo purgatório.
Meu próximo livro, Brasileiro é Otário? – O alto custo da nossa malandragem, que será lançado mês que vem, bate justamente na cultura do jeitinho, argumenta que nosso excesso de “malandragem” produziu apenas um país de otários. A frase escolhida para a epígrafe foi aquela conhecida, de Stanislaw Ponte Preta: “Restauremos a moralidade, ou nos locupletemos todos”. Só quero dizer aqui que não acho viável, que acho perigoso, tentar restaurar essa moralidade em uma semana.
Nivaldo Cordeiro escreveu em sua página do Facebook comentários nessa linha, preocupado com o que vem por aí (é bom dar um desconto, pois meu amigo Nivaldo sempre foi um nuvem negra pessimista):
Se Eduardo Cunha optar pela delação premiada, para salvar a família, terá a oportunidade de fazer acerto de contas com os traidores todos. Esse jogo da verdade em política pode ser deletério. A verdade política é como a verdade familiar, não pode ser dita em voz alta. Certo que a Eduardo Cunha seguirão outros figurões que sabem todos os segredos, para salvar a família, como ele. Não sobrará ninguém. Como na guerra de trincheiras de antigamente, os mais valentes é que morrem primeiro. Não há sobreviventes, até os fracos não têm vez. Vamos ver até onde o sistema político brasileiro suportará o peso da verdade em praça pública. Temo pelo que virá.
O justiçamento dos políticos pela sanha dos procuradores pode levar o país ao beco sem saída do filistinismo, que redundará no totalitarismo. Algo assim como ocorreu nas guerras religiosas, em que os que se julgavam mais puros foram os mais cruéis e intolerantes. Muitos morreram. Querer pureza em política é o mesmo que querer pureza em puta. Mas a puta suporta a má fama e o desnudar de seus vícios. A política não. Desde que se ligou o motor da delação criou-se a lógica de que só se salva quem deda. O último que dedar é bobo. Como desde sempre ganhar eleições é ato de corrupção, implícito ou explícito, todo o nosso sistema político ficou à deriva. Um perigo. Ninguém é puro o bastante para exigir pureza, nem os juízes. O puritanismo em política é o caminho da perdição, da violência, da revolução, do totalitarismo.
Sobre puritanismo e totalitarismo do terror, escrevi aqui com base na figura de Robespierre, o Incorruptível. Sobre os comentários de Nivaldo, o jornalista José Maria e Silva acrescentou:
Em suma: se a grande causa da corrupção é o excesso de estado, será que estamos no caminho de redução de seu escopo mesmo? Há controvérsias. Até que ponto não resultará disso tudo mais controle estatal ainda?
Volto ao começo: não queria escrever esse texto. É muito mais fácil bancar o puritano vestial no puteiro e pregar um moralismo absoluto e redentor. Mas em política? E no Brasil? E em poucos meses? Piada. Não sobra ninguém, não sobra nada. O sistema implode. Algo que muitos idealistas ou revolucionários até gostariam. Eu não. Li Burke e já me aproximo dos 40 anos (faltam poucos dias). Não tenho a idade do romantismo, apesar de alguns nunca o abandonarem, o que soa um tanto patético.
A Lava-Jato precisa do apoio da população. A limpeza precisa continuar. Os petistas, que não praticaram “apenas” corrupção, precisam pagar por seus crimes, e precisa ficar claro que seus “malfeitos” foram de natureza e essência diferentes. Os caciques do PMDB e do PSDB também devem pagar, pois não temos bandidos preferidos. Mas devemos agir com cautela. E confesso não saber se é mais possível. O gênio saiu da garrafa. O brasileiro quer um messias salvador. Meu receio é jogarmos o bebê fora junto com a água suja. O bebê é nossa jovem e capenga democracia. Será que ela aguenta essa limpeza geral em tão curto espaço de tempo?
Rodrigo Constantino
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