Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal
Donald Stewart Jr. (1931-1999) foi um empresário e grande defensor da liberdade no Brasil. Ao longo de sua vida, participou de diversos think tanks liberais, como a Sociedade Mont Pèlerin, o CATO Institute, a Heritage Foundation, a Atlas Foundation, o Fraser Institute, a Liberty Fund e o Institute of Economic Affairs, fundando em 1983 o Instituto Liberal. Em 1988, no intuito de resumir o pensamento que acreditava e defendeu por toda sua vida, escreveu a obra “O Que é o Liberalismo”.
No início da obra ele traz o conceito de liberalismo como
“uma doutrina política que, utilizando ensinamentos da ciência econômica, procura enunciar quais os meios a serem adotados para que a humanidade, de uma maneira geral, possa elevar o seu padrão de vida.”[1]
Ao longo da obra, o autor se aprofunda na teoria, buscando desmistificar mitos do pensamento liberal e demonstrar, de forma propositiva, como o liberalismo visa o melhor a todos dentro da sociedade.
Vale ressaltar que é evidente existir liberalismo além da Escola Austríaca. A Escola Neoclássica possui um relevante legado. A Análise Econômica do Direito, a Teoria da Escolha Pública e a Teoria Econômica da Informação são exemplos disso, a partir dos trabalhos de Ronald Coase, Milton Friedman, Gary Becker, entre muitos outros[2].
A despeito disso, o livro focaliza nas contribuições da Escola Austríaca. Essa escola econômica possui muitas colaborações, principalmente críticas ao socialismo e ao intervencionismo, a Teoria do Sistema Bancário, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, a Teoria Evolutiva das Instituições, a Teoria da Função Empresarial, além da Análise crítica ao conceito de Justiça Social, mormente pautadas em Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Murray Rothbard e Israel Kizner[3].
A Escola Austríaca, como toda corrente de pensamento, não é homogênea, possuindo ramificações. Mas a argumentação de ‘O que é o Liberalismo’ é centralizada no pensamento hayekiano, pois sua argumentação não é baseada na moral, mas sim no desenvolvimento da sociedade por meio da cooperação e a ordem espontânea.
Após fazer um histórico do liberalismo, de seus pensadores pioneiros, passando por seu apogeu e posterior declínio, Donald argumenta a favor de um livre mercado internacional ao criticar as barreiras alfandegárias, por se tratarem de reservas de mercado que encarecem produtos e serviços para os consumidores, interferindo na ideia miseniana de “soberania dos consumidores”. Trata-se, explica, de uma espécie de plebiscito diário e contínuo pelo qual cada centavo dá direito a um voto.
Mais que isso: demonstra que o liberalismo, uma doutrina política que se opõe a distribuição de privilégios, critica os defensores de políticas de subsídios, principalmente quando o Estado o faz com suas empresas, facilitando o o que Sérgio Lazarinni definiria anos depois no livro “Capitalismo de Laços”, prática em que os maiores prejudicados são os consumidores.
A partir disso, Donald Stewart Jr. busca sintetizar o pensamento da doutrina liberal em 7 princípios a serem perseguidos: cooperação social, igualdade perante a lei, ausência de privilégios, respeito aos direitos individuais, responsabilidade individual, respeito às minorias e liberdade de entrada no mercado.
Dessa forma, o caminho da liberdade inclui reformas. Donald cita como modelo o caso da Nova Zelândia, com o anúncio de diversas reformas estruturais de uma só vez, porém aplicadas gradualmente e levando em consideração todas as consequências que essas reformas poderiam acarretar em curto prazo, a fim de mitigar eventuais efeitos negativos.
Mas, para que isso seja politicamente viável é preciso de uma mudança no pensamento dos brasileiros a respeito do liberalismo, fazendo assim uma transformação na janela política (a janela de Overton) a favor do livre mercado e das liberdades individuais.
Em reedição lançada em 1995, Donald mostra-se otimista com as reformas liberalizantes do Governo Fernando Henrique Cardoso, após a estabilização da inflação. O liberalismo teria vencido, e o Brasil, após muitas décadas, voltaria a crescer e a se desenvolver. As próximas reformas seriam a da previdência social, a tributária, a trabalhista e a sindical.
Passadas 2 décadas, no entanto, o otimismo não se confirmou. Nenhuma dessas reformas foi feita, apesar de estarem pautadas em todas as eleições presidenciais e volta e meia serem objeto de discussão no debate público. A precoce sensação de vitória fez muitos liberais abandonarem o trabalho a favor das ideias da liberdade. Vários dos Institutos Liberais criados pelo país foram fechados, havendo um verdadeiro renascimento do movimento liberal tão somente no 2º mandato de Luis Inácio Lula da Silva.
Assim, como já dito, nos últimos anos houve enormes progressos no movimento liberal, a listar: a criação de centenas de grupos de estudos pelo país afora; a publicação de livros de ciência política que se tornaram best-sellers; a vitória de algumas chapas liberais em eleições para DCE em universidades brasileiras; a organização de centenas de eventos, palestras e promoção de debates com teor liberal; e a quebra do monopólio da esquerda nas manifestações de rua, que muito influenciaram no processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Após ele, o Governo Temer ascendeu e tem pautado reformas, como a PEC do Teto dos Gastos, a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista e a Reforma Tributária. Tal como em 1995, parece que a liberdade está vencendo. Vencemos?
Definitivamente não.
Conforme demonstrou Ikeda, quando a crise do intervencionismo se manifesta, causando uma crise macroeconômica, com recessão, inflação e desemprego, os governos são pressionados a, contra sua própria ideologia, promover reformas na direção liberalizante. Teríamos então a fase contracionista do ciclo intervencionista[4]. Entrementes, conforme a experiência mostra, tão logo as primeiras reformas liberalizantes aliviam as crises do intervencionismo, o processo de reformas é abortado e as práticas intervencionistas retomadas[5].
Por conseguinte, mais que nunca, o movimento liberal brasileiro precisa se fortalecer e atuar contribuindo para que essa fase contracionista dê lugar a um novo paradigma, com o poder do Estado brasileiro muito mais limitado. E que o ativismo pioneiro de Donald Stewart Jr. nos norteie nessa jornada.
[1] P. 13
[2] Ver mais na obra A Escola Austríaca, de Jesús Huerta de Soto.
[3] Ibidem.
[4] Ver A Economia do Intervencionismo, de Fabio Barbieri.
[5] Ibidem, p. 106.
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