Verissimo fala em sua coluna de hoje de sua primeira experiência num voo internacional de avião. Lá se vão muitos anos! O humorista lembra como a viagem era longa, repleta de vômito, e ainda assim com todos vestidos de forma impecável a bordo, já que o avião era um item de luxo para poucos. Diz ele:
Minha primeira viagem de avião durou quatro dias. Porto Alegre a Miami. Não, o piloto não era o Santos Dumont. E não, não ficamos quatro dias no ar. Ia-se de Porto Alegre ao Rio de Janeiro num daqueles Douglas do tamanho aproximado de uma turbina dos jatos de hoje. No dia seguinte fazia-se o trecho Rio-Recife. No outro, Recife-Trinidade, no Caribe. Finalmente Trinidade-Miami. Chegava-se alguns quilos mais magro, pois uma das atividades de bordo, nos aviões da época, era vomitar. O avião não precisava jogar para você vomitar. O avião não precisava nem decolar. O cheiro do interior dos aviões induzia ao vômito. É a isso, crianças, que se referem aqueles saquinhos de papel com as palavras “Para indisposição”. Quer dizer “Vomite aqui em vez de no vizinho”. Hoje ninguém vomita mais em avião, mas os saquinhos permanecem, talvez prevendo algum regurgitador nostálgico.
Com vômito e tudo, viajar de avião era coisa fina. As mulheres se vestiam com o melhor que tinham para entrar num avião. Os homens usavam gravata. […] Estas lembranças são só para comentar como voar mudou, não só porque se massificou e os aviões ficaram maiores, mais rápidos e, apesar de tudo, mais seguros (e não cheiram mais), mas porque se perdeu aquela aura de prazer que começava no aeroporto, na expectativa de embarque numa experiência rara.
De fato, aconteceu com a aviação o que aconteceu com vários outros setores: o progresso, a massificação, a transformação do que era um luxo para os poucos ricos em dia a dia para quase todos, para as classes mais baixas. A famosa “curva S” descreve bem esse fenômeno. Diz basicamente que um produto passa por três grandes fases: a inovação, a massificação e a saturação. No primeiro momento, a empresa lança o produto ainda não testado pelo mercado, e as primeiras “cobaias” compram. Em seguida, caso o produto tenha boa aceitação, a empresa intensifica a produção, obtendo importantes ganhos de escala, que permitem uma forte redução nos preços, tornando o produto acessível ao grosso dos consumidores. Por fim, o produto já atingiu uma penetração tão grande que está saturado, dando espaço para substitutos mais modernos.
Não dá nem para listar a quantidade de produtos que experimentaram essa trajetória. Basta citar alguns exemplos bastante óbvios, como o automóvel ou o computador. Na época da Ford e seu Modelo T, existiam literalmente centenas de empresas competindo por esse novo mercado. Ninguém sabia ainda quais seriam os modelos vencedores. Apenas os mais ricos podiam se dar ao luxo de comprar um carro. Com o passar do tempo, e com os ganhos de escala, os preços foram caindo e as vendas explodindo. O carro era um produto popular então. O mesmo ocorreu com computadores. As antigas máquinas da IBM eram caríssimas, e poucos podiam pagar por ela. Ao decorrer dos anos, com avanços tecnológicos e ganhos de escala, milhões de usuários passaram a usufruir dos benefícios de um computador.
Isso tudo tem uma relevância enorme para o modelo econômico que deve ser adotado em um país. Em primeiro lugar, devemos entender que o processo de tentativa e erro é crucial para o progresso. O conhecimento é disperso, pulverizado na sociedade, limitado, e ninguém tem como saber a priori o que irá funcionar melhor, nem mesmo os desdobramentos das inovações. Os sonhos de voar dos irmãos Wright ou de Santos Dumont levaram ao avião, mas nem eles teriam como imaginar um Boeing 747 ou o novo Airbus gigante. As ideias têm conseqüências que nem seus próprios autores podem imaginar.
Logo, o melhor meio de progredir é garantir a liberdade individual e a livre competição, para que o método de tentativa e erro vá filtrando o que funciona melhor, de acordo com as preferências dos próprios consumidores. Isso condena totalmente a alternativa de um planejamento central, feito por algum órgão de supostos “clarividentes”, que determinam o que será mais adequado ao povo. O dirigismo estatal é a antítese desse modelo capitalista liberal que produz o progresso e torna os bens acessíveis aos mais pobres.
Em segundo lugar, fica claro que os mais ricos exercem uma utilidade fundamental para os constantes avanços. Eles são as tais cobaias, que irão experimentar as inovações com preços ainda proibitivos, pela falta de escala. São eles que compram aparelhos de celular quando estes custam uma fortuna, e após ficar mais claro qual o produto mais competitivo e demandado, os produtores iniciam uma produção em massa, barateando o produto. Quando os ricos compram uma televisão de LCD, pagando milhares de dólares, estão testando as novas tecnologias disponíveis, fornecendo um importante feedback aos produtores, que passarão depois a produzir em grande escala o produto mais competitivo e demandado, tornando-o acessível ao restante dos consumidores.
Logo, fica claro que a desigualdade material não é um problema em si, e que os mais ricos acabam atuando como cobaias das massas. Atualmente, qualquer família de classe média americana desfruta de um carro com segurança e conforto, um refrigerador, um computador, um microondas, enfim, de produtos que antes eram vistos como bens luxuosos para poucos.
Verissimo é um defensor do modelo socialista, um crítico ferrenho do capitalismo. É curioso que uma pessoa com sua inteligência, capaz de criar histórias divertidas do cotidiano, não consiga ligar causa e efeito nessa gritante evolução no ato de voar, que ele descreve em sua coluna de hoje. Se dependesse apenas da Aeroflot soviética, ou da estatal cubana, o mundo inteiro estaria voando da mesma forma que o humorista voou há décadas. Na verdade, não o mundo inteiro: apenas a casta da nomenklatura, os poderosos e influentes, aqueles que, nos regimes socialistas, exploram o restante.
Em vez de ter a curva S, haveria apenas um traço: a estagnação em linha reta, a ausência de progresso, a divisão estanque das castas e classes sociais, que ironicamente o socialismo promete acabar. Se Verissimo tivesse que voar de Aeroflot num mundo sem o capitalismo, o saquinho de vômito seria a menor de suas preocupações!
Diante desse quadro de avanço, em que tanta gente que no passado poderia apenas sonhar em pisar num avião hoje viaja rotineiramente, qualquer pessoa com bom senso iria celebrar o efeito do capitalismo. Mas não é o que faz o socialismo. Essa ideologia da inveja prefere focar nas desigualdades apenas, e apontar para os ricaços que hoje podem desfrutar de uma primeira classe luxuosa ou de um jatinho particular, ignorando que o povo agora pode viajar em bons e confortáveis aviões, com segurança e velocidade, o que era o luxo sonhado pelos ricaços há algumas décadas.
E não venham alegar que o socialista quer apenas tornar esse luxo acessível aos mais pobres, pois, como vimos, quem faz isso é o capitalismo. O petista Lula pode até ter feito o discurso de que seu governo colocou mais pobres nos aeroportos e isso incomodava a elite, mas sabemos que é tudo balela. Quem colocou esses pobres nos aviões foi o capitalismo. O lulopetismo retirou deles essa conquista, espalhando miséria, desemprego e inflação.
Rodrigo Constantino