“A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.” (Nelson Rodrigues)
O jogo político é sujo, pesado, e certamente não é para amadores ou puristas. Entendo isso perfeitamente, não sou um idealista, e sou capaz de dosar meus anseios mais românticos com boas pitadas de pragmatismo. Os resultados importam.
Dito isso, acho que nunca podemos perder de vista quem somos, o que queremos e, principalmente, como pretendemos chegar lá. Tenho um texto em tom de confissão, da época da Veja (e da época em que a revista não tentava tirar leitores da CartaCapital), em que admito que o PT me faz ser uma pessoa pior. E faz mesmo.
Se o objetivo é impedir a volta dessa quadrilha terrível ao poder – e se trata de um objetivo louvável – então vale tudo? Se enxergamos um risco iminente de o Brasil virar uma Venezuela, então não temos que lutar com todas as armas para evitar tal destino trágico?
O problema é quando essa mentalidade vai criando um clima de tudo ou nada, de guerra plena, onde o adversário deve ser eliminado – e o adversário é todo aquele que não endossa cegamente a minha escolha específica para derrotar o inimigo. Nesse caso, viramos sectários, membros de uma seita, uma tribo fanática, onde a única meta importante é derrotar o inimigo, custe o que custar. O inimigo, nesse caso, já venceu.
Sim, pois esquecemos a razão do combate para começo de conversa. Não era justamente para impedir totalitários radicais de chegarem ao poder? Mas se pudermos utilizar os mesmos métodos em nome dos resultados políticos, então qual a grande diferença? Se virarmos mesmo um PT de sinal trocado, como alertou Janaina Paschoal, então o PT saiu vitorioso, de qualquer jeito.
Muitos seguidores meus ficam cobrando uma defesa mais enfática da candidatura de Bolsonaro, e reclamam quando critico o capitão. Confundem o papel de um jornalista ou mesmo de um pensador de direita com o de cheerleader de político. Até me esforço para entender o raciocínio: ele é o único que sobrou à direita com chance concreta, então temos que unir forças agora para derrotar a esquerda. Ok, mas o que realmente está em jogo aqui?
A salvação do Brasil? Impedir a volta do Foro de São Paulo e o destino venezuelano? Calma, gente. O Brasil não será salvo numa gestão, e Bolsonaro está longe de ser o ideal conservador, como muitos reconhecem. Tampouco há real risco de venezualização num eventual governo tucano, por exemplo. Seria de esquerda, sim, e ruim, em minha opinião. Mas essa tática de misturar tudo e todos sem qualquer gradação é puramente eleitoral, não uma análise séria.
Eis, aliás, o grande perigo que vejo para essa postura: abandonar o papel de analista ou de pensador independente preocupado com o longo prazo da nação e mergulhar na função menos nobre e mais míope de militante partidário e cabo eleitoral de candidato. Virar um puxa-saco de político, um bajulador disfarçado de intelectual. Novamente, não é o que sempre fizeram os petistas?
Lula deu algumas “entrevistas” para aqueles blogueiros chapa-branca, num patético jogo de cartas marcadas. Que me perdoem os que acham que vale tudo na disputa política: eu achava aquilo lamentável do lado petista, e continuo achando do “nosso” lado. “Jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”, resumiu Millor Fernandes.
Vamos supor que Bolsonaro vença: a turma da direita deverá se abster de críticas e perguntas incômodas só porque ele é um dos “nossos”? Qual postura decente esse pessoal espera das lideranças liberais e conservadoras num eventual governo Bolsonaro? A de marqueteiros ou a de quem cobra coerência, resultados e alinhamento doutrinário?
É importante questionar isso antes, pois se engana quem pensa que agora é necessário deixar diferenças e “detalhes” de lado em prol da vitória, para depois cobrar do vitorioso as medidas desejadas. Os mesmos que pedem coro aos elogios e silêncio na hora de críticas, pois está em jogo a derrota da esquerda, vão continuar demandando a mesma postura quando a direita estiver no poder. Afinal, criticar um dos “nossos” é dar arma para o inimigo, arriscar sua volta ao poder.
E sem perceber, agindo assim, vamos caminhando para o lado de lá, adotando os mesmos métodos, esquecendo e abandonando aquilo que nos diferencia deles. E o que seria isso? Ora, os princípios. Nossos valores. A capacidade de autocrítica. A honestidade intelectual, o principal ativo de quem pretende ser um analista independente e, mais importante, um ser humano livre.
Aquele que se presta ao papel de marqueteiro de candidato ou bajulador de político perde credibilidade como analista independente. É possível ser um deles; não ambos. Quem quer ficar levantando bola para seu candidato cortar, seja “lacrando”, seja “mitando”, não poderá exigir do público muito respeito depois como pensador ou analista.
Paulo Cruz resumiu com perfeição: “Contem comigo para debater seriamente a coisa, não para torcer. Já disse e repito: falei bem muitas vezes e continuo defendendo quando necessário, mas não sou capacho de ninguém. Sou livre. Saudações”. Quem abandona essa liberdade em troca da política deve aceitar as consequências. Uma delas alertada pelo próprio Cruz: “Só vou dizer uma coisa: nunca mais reclamem das entrevistas ‘chapa-branca’ da esquerda”.
O duplo padrão é a marca registrada da esquerda. A hipocrisia, a seletividade, o uso de réguas diferentes para medir as coisas, isso é justamente o que tentamos derrotar em nome do avanço da civilização e da busca da verdade. Se a direita passar a agir da mesma forma, então qual a grande diferença? Por exemplo: Ana Amélia era respeitada até ontem, e hoje passou a ser detonada, com seu passado resgatado, como quando pediu votos para a comunista Manuela (uma vergonha mesmo). Mas o passado de Bolsonaro não pode ser questionado? Ele mudou, mas ninguém mais pode ter mudado?
Viver como se todo dia fosse um segundo turno eleitoral é destruir qualquer possibilidade de diálogo sério e construtivo entre pessoas que pensam diferente dentro de certos parâmetros aceitáveis. Uma pergunta sincera que faço aos eleitores de Bolsonaro: vocês estão preparados para admitir que alguém inteligente, honesto e patriota não pretende votar nele por não considera-lo uma boa opção? Ou essa pessoa automaticamente se torna um comunista safado e globalista?
Responder a essa questão, de preferência após uma reflexão honesta, é importante para lembrar que Bolsonaro passa, mas o Brasil fica, e que o movimento liberal-conservador é maior e deve estar acima de um político qualquer. Não espero que todos me entendam. Sei como o clima está polarizado, tenso, de “vai ou racha”, e que alguns vão me acusar de “isentão” (logo eu!). Não ligo. Não estou aqui para uma corrida de cem metros rasos, mas sim para uma maratona. E esta exige fôlego, paciência e tolerância.
O que nos diferencia deles? Eis a pergunta que devemos fazer todo santo dia. “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”, alertou Nietzsche. Eu vou continuar lutando contra monstros. Mas sempre tomando o cuidado para não me transformar em um também. Afinal, quem foi que disse que existem somente monstros vermelhos?
Rodrigo Constantino
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