Quando Joaquim Levy aceitou ir para o Ministério da Fazenda do governo Dilma, o lado de cá, dos que têm mais consciência da situação econômica brasileira e não foram doutrinados pela Unicamp, ficou dividido: alguns aplaudiram, pois reconheciam ao menos alguma chance de bom senso nas medidas, impedindo uma guinada total ao “desenvolvimentismo” inflacionista que nos trouxe até esse caos; e outros alertaram que o doutor de Chicago iria apenas servir como cortina de fumaça e bode expiatório para a esquerda.
Eu estava no segundo time, como os leitores sabem, e creio que a cada dia fica mais evidente que era a leitura correta da coisa. Entendo o raciocínio do outro time: já que Dilma é o que é, já que Mercadante é o que é, já que Nelson Barbosa é o que é, então que ao menos alguém com alguma noção de economia possa se infiltrar no ninho das serpentes para evitar uma catástrofe total. Não podemos abraçar a máxima de “quanto pior, melhor”, pois corremos o risco de virar uma Argentina.
Tudo bem: mas continuamos com o risco de virarmos a próxima Argentina, quiçá uma nova Grécia. Perdemos o grau de investimento da S&P, o dólar disparou, e o quadro está se agravando. Tudo isso com o “Chicago boy” na área, dando aval ao “ajuste fiscal” mais patético de que se tem notícia, calcado basicamente em aumento de impostos e no resgate da absurda CPMF. Foi para isso que Levy saiu do Bradesco e assumiu o ministério? Demétrio Magnoli, em sua coluna de hoje, volta ao assunto com sua visão negativa do papel que Levy exerce ali:
A política econômica não existe no vácuo ideológico, num compartimento sanitizado e regulado exclusivamente pelas leis da lógica. O giro anunciado pela ascensão de Levy dependia, para funcionar, do reconhecimento explícito do fracasso da “nova matriz econômica” do mandato original — e, portanto, de uma ruptura política completa com o lulopetismo. A presidente, porém, entregou-se à missão impossível de enganar o país por uma segunda vez, indicando que a Terra Prometida situava-se logo além de túnel circunstancial, cuja travessia, penosa mas curta, demandava apenas o ajuste fiscal. No conto infantil que narrou, Levy cuidaria da travessia, enquanto Nelson Barbosa, o verdadeiro teórico da “nova matriz econômica”, aguardaria no banco do passageiro para retomar o volante junto com os primeiros raios de luz. A nova CPMF nasceu da falência desse projeto, com a finalidade de vendar os olhos de todos no momento em que o comboio da economia, descontrolado, desce rumo ao precipício.
Levy, o “neoliberal”, cumpre a função de tenor no ato final da ópera bufa da “nova matriz econômica”. Seu ajuste fiscal, inicialmente apresentado como ato magistral de corte de gastos públicos, revela-se agora, até para os mais néscios, como aquilo que efetivamente sempre foi: uma derrama tributária mal disfarçada pela farsa da reforma ministerial. Operando como agente do lulopetismo, o superministro do Bradesco pretende cobrar dos cidadãos os custos da irresponsabilidade fiscal de Dilma, de forma a conservar intactos os alicerces da política econômica que fracassou. A nova CPMF, muralha de proteção do passado, serve para resistir à exigência de reformas econômicas estruturais capazes de recompor a produtividade e estimular o investimento privado.
A última frase que destaquei é o ponto-chave aqui. O ótimo é inimigo do bom, diz o ditado, lembrando que às vezes precisamos aceitar um resultado apenas decente em vez de sonharmos com utopias e perfeições. É verdade. Mas também é verdade que o “razoável” pode ser o inimigo do necessário. Ou seja, podemos nos contentar com um troço bem mais ou menos, achando que com isso evitamos o pior, enquanto, na verdade, fugimos daquilo que tínhamos que fazer para evitar mesmo o pior.
Algo como um sujeito com câncer tomar uma aspirina para passar a dor em vez de encarar a necessária quimioterapia. Entendo o medo dos empresários e economistas com uma equipe liderada por Dilma, com Mercadante e Barbosa, sem Levy lá no meio para impedir atrocidades ainda maiores. Mas esse “razoável” (e bota aspas nisso!), esse medíocre, também está evitando o ajuste fiscal necessário para resgatar nossa economia. Se, para fazermos as reformas estruturais, é preciso ver o Diabo de perto, que seja; a alternativa é mudar de mala e cuia para o inferno de vez!
Para quem acha que sequer há crise econômica (sim, tem umas figuras que repetem isso por aí e possuem milhares de leitores), ou que ela está sendo exagerada pela “mídia”, pelos “especuladores”, por intuitos “golpistas” eleitorais, eu teria uns cem gráficos para mostrar, mas escolhi somente um, que deveria assustar bastante qualquer pessoa com um mínimo de noção de economia:
Se essa trajetória do endividamento do nosso governo não lhe assusta, caro leitor, então largue logo a faculdade de economia da UERJ, UFRJ ou Unicamp e compre meu curso básico de economia! Os fundamentos econômicos estão podres e nossa tendência é simplesmente insustentável. O Brasil quebrou com o PT, e isso não é picuinha de tucano ou invenção de especulador: é um fato!
Acreditar que a volta da CPMF e esse “ajuste fiscal” endossado por Levy vão resolver o problema é um sonho de uma noite de verão, de quem prefere o conforto da ilusão ao desconforto da verdadeira cura. Há quem acredite em magia, em xamanismo, em “banho de pipoca”, sei lá, qualquer invencionice de algum charlatão por aí. Outros preferem a realidade, mesmo que ela possa doer no curto prazo.
O Brasil precisa, com urgência, de reformas estruturais. A presença de Levy no governo tem servido para afastar essa medida necessária, para que os inflacionistas ganhem tempo, para empurrar um pouco o caos com a barriga. Mas isso também aumenta o tamanho do problema à frente, da mesma maneira que o bêbado que evita a ressaca com mais bebida está apenas garantindo uma ressaca muito maior depois, quiçá uma cirrose fatal.
Levy precisa sair. Se ainda tiver algum resquício de patriotismo, deveria pedir demissão jogando a sujeira no ventilador, explicando para os mais leigos o que está em jogo e como essa turma no governo impede o verdadeiro ajuste necessário. Seria um ato nobre que poderia redimir seu currículo manchado, por ter aceitado fazer esse papelão de agente petista que engana os trouxas com um “ajuste fiscal” patético e prejudicial aos trabalhadores. Sai já daí, Levy!
Rodrigo Constantino
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