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“Assim como uma sociedade adequada é governada por leis, não por homens, uma associação adequada é unida por idéias, não por homens, e seus membros são leais às idéias, não ao grupo.” (Ayn Rand)

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Existe uma profunda diferença entre o indivíduo independente que busca seu conhecimento através da razão e do questionamento honesto e aquele que abdica desta ferramenta para aderir a um grupo que lhe fornece respostas prontas, liberando-o do exercício da reflexão. O primeiro irá sempre confrontar os fatos com suas teorias prévias, e respeitar a lógica para chegar às suas conclusões. O segundo irá repetir “verdades” já dadas pelo grupo, e o questionamento imparcial lhe será extremamente doloroso.

Em seu livro Philosophy: Who Needs It?, a novelista Ayn Rand trata deste tema, lembrando que aqueles que buscam um grupo, neste sentido acima, estão atrás da proteção contra os “de fora”, eximindo-se da necessidade do pensar por conta própria. O que o grupo demanda em troca é a obediência às suas regras, as quais o sujeito está ansioso para atender, justamente porque elas representam esta “proteção”. E quem cria estas regras? Teoricamente, a tradição, mas na prática são os líderes do grupo. Na mente do novo membro do grupo, é por aqueles que conhecem os mistérios que ele não precisa saber.

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O mandamento básico de todos estes tipos de grupos, e que precede quaisquer outras regras, é a lealdade ao grupo. Não a lealdade às idéias, mas ao grupo. Como exemplos de grupos formados com base nestas características estão o racismo e a xenofobia, onde o medo ou o ódio aos outsiders são alimentados em detrimento da razão. O estrangeiro passa a ser um inimigo, independentemente de suas crenças e valores, apenas por ser um estrangeiro. A cor da pele, e não os valores individuais, passa a ser critério de aceitação pelos membros do grupo.

Ayn Rand chama este tipo de grupo coletivista de tribalismo, e afirma que este é um produto do medo, enquanto o medo é, por sua vez, a emoção dominante de qualquer pessoa, cultura ou sociedade que rejeita a maior ferramenta de sobrevivência humana: a razão. Ela diz ainda que o welfare state dividiu o país em grupos de pressão, cada um lutando por privilégios especiais à custa dos demais, de forma que o indivíduo não atrelado a qualquer grupo vira presa desses predadores.

Quando os homens estão unidos por idéias, ou seja, por princípios claros, não há espaço para favores políticos ou poder arbitrário. Os princípios servem como um critério objetivo para determinar as ações e julgar os homens, sejam os líderes ou outros membros. Em contrapartida, quando se trata de um grupo unido feito um rebanho bovino, o seu membro será sempre tratado com complacência, enquanto os “de fora” serão duramente condenados, sem que tenham cometido qualquer falta. O uso de dois pesos e duas medidas é característica comum a estes grupos, e vale tudo para salvar a pele de algum membro do rebanho, por mais criminoso que tenha sido seu ato.

Investigar, como disse Humboldt, “e a convicção que emerge do livre investigar é espontaneidade; crença, por outro lado, é dependência de algum poder externo”. É por isso que “existe mais autoconfiança e firmeza no pensador que investiga e mais fraqueza e indolência no crente que confia”. O entusiasmo desses crentes é inteiramente dependente da supressão de toda a atividade da razão. “A dúvida é tortura apenas para o crente, mas não para o homem que segue os resultados de sua própria investigação”.

Os grupos descritos por Ayn Rand buscam crentes, não indivíduos livres que pensam por conta própria e questionam os dogmas do grupo. Por isso tanto ódio aos indivíduos que parecem não necessitar do rebanho e sentem-se livres para questionar suas crenças. Na ausência de pilares racionais que sustentem suas idéias, os membros deste grupo precisam desesperadamente de mais adeptos, na esperança de que a quantidade possa suprir a falta de qualidade. Sentem-se seguros apenas em bando. O argumentum ad populum é o único conhecido por seus membros. Quem precisa da lógica quando “todos pensam igual”? *

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Gustave Le Bon, que estudou a psicologia das massas, concluiu que a estupidez é somada nestes grupos, não a inteligência. A razão não exerce influência alguma nesses rebanhos. E uma das características mais comuns das crenças é a intolerância. “Quanto mais forte a crença, maior a intolerância”, sendo crença aqui entendida como o oposto de convicção real. Homens dominados por tais sentimentos não são capazes de tolerar aqueles que não aceitam suas crenças. Os indivíduos independentes são sempre os maiores inimigos dos rebanhos. E o maior antídoto contra rebanhos bovinos sempre será aquilo que eles mais abominam: a razão humana!

* Na peça Um Inimigo do Povo, escrita pelo norueguês Henrik Ibsen no século XIX, vemos um homem com a coragem moral de manter sua integridade e convicção apesar da enorme pressão popular contra sua pessoa. Apesar dos exageros normais da dramaturgia, trata-se de um caso interessante de um pensador livre, um indivíduo apenas, combatendo a ignorância da maioria, e não cedendo nem mesmo sob o risco de completo isolamento e até falência pessoal. O personagem central da peça, Dr. Stockmann, após descobrir que os famosos banhos da cidade estavam contaminados, esperava obter grande respeito e admiração por parte dos demais habitantes. Mas toda a cidade passou a repudiar o autor da infeliz descoberta, preferindo ignorar os fatos, como se assim estes pudessem, num passe de mágica, desaparecer. Após refletir sobre a reação da maioria, Stockmann diz ter feito uma descoberta ainda mais importante que a poluição dos banhos. Seria a poluição moral da comunidade civil, calcada na mentira, na hipocrisia. Ele passa a considerar o maior inimigo da verdade como sendo a maioria compacta, que luta contra a razão individual. Para Stockmann, o homem mais forte do mundo é aquele que se sustenta sozinho. Está certo que Aristóteles já havia dito que o homem é um “animal cívico”, que só se completa como homem na polis. Ele nos lembra que “aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto”. Stockmann talvez tivesse obtido melhores resultados com meios menos radicais. Na vida real, é muito raro encontrar alguém com tanta convicção moral e independência, a ponto de ignorar por completo a pressão das massas. Mas isso não anula a importância da mensagem de Ibsen. Confrontar a falsidade geral, fugir da necessidade de pertencer a um “rebanho bovino”, tendo que aderir a um pensamento monolítico, faz-se crucial para qualquer indivíduo que ama a liberdade e a verdade. Não seguir uma ditadura do “politicamente correto”, não depender da aprovação alheia sempre, é um caminho necessário para pensadores livres. Colocar a verdade dos fatos acima dos interesses imediatos é fundamental para quem defende a honestidade. Mesmo que tal postura reduza o grau de “sociabilidade” do indivíduo algumas vezes. Mesmo que tais atitudes possam colocar um indivíduo íntegro como suposto inimigo do povo, que tantas vezes prefere ignorar a verdade a ter que enfrentá-la com coragem. No fundo, a humanidade agradece a independência de pensamento desses raros e corajosos indivíduos. Pode ser um tanto idealista a imagem de um indivíduo seguro de si, convicto do seu dever moral, enfrentando tudo e todos para defender nada mais que a verdade. Mas é um idealismo que vale admirar, ao menos para reforçar o alerta contra a ditadura do consenso. Afinal, como nos dizia o dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, “a unanimidade é burra”.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.