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O risco de ter uma militância fanática compensa numa guerra assimétrica?

Por que só a esquerda pode ter seus extremistas? Por que esquerdistas podem enaltecer ditadores ou assassinos sanguinários abertamente, como Fidel Castro e Che Guevara, mas um deputado de direita não pode elogiar o coronel Ustra? Por que socialistas podem colocar máscaras e depredar tudo, ainda assim sendo chamados de “manifestantes” pela imprensa, mas direitistas não podem tomar as ruas e pedir intervenção militar?

Diante desse escancarado duplo padrão, alguns pensadores de direita concluem que é burrice manter a postura civilizada numa guerra assimétrica, que é derrota certa. Para eles, a direita deve ter sua quota de radicalismo também, e se submeter às regras da guerra assimétrica seria sinal de covardia, de idiotia, ou pior: de ser um comunista disfarçado. Seria uma postura de um escravo mental da hegemonia esquerdista. Será?

Não há como negar que esse duplo padrão seja irritante, e eu mesmo o denuncio com frequência em meus textos e vídeos. O tal salvo-conduto da esquerda para abusar de poder e ignorar as leis é revoltante, e dá vontade de reagir à altura mesmo. Também cansei de alertar aos “moderados” e “isentões” que sua postura conivente para com esses extremistas iria fomentar o surgimento de uma reação do lado direito, o que é apenas natural: ninguém aguenta ver esse descalabro por tanto tempo calado, passivo.

E eis que, agora, está realmente surgindo no Brasil uma militância de direita mais aguerrida, truculenta e fanática. São pessoas comuns, sem muita cultura ou estudo, revoltadas, indignadas, saturadas e quase sem esperanças. A que resta concentram toda num messias salvador da Pátria, alguém que irá representá-los contra essa escória socialista, essa corja no poder. Repetem slogans e frases prontas de efeito, importam pautas globais para o Brasil sem adaptação para nossa realidade, e se caracterizam pelo ódio ao inimigo: os comunistas, i.e., todos aqueles que não rezam da mesma cartilha deles.

Podemos entender o sentimento de angústia. Podemos compreender o fenômeno. E podemos até mesmo julgá-lo benéfico em parte, não por concordar com seu diagnóstico ou menos ainda com sua receita, e sim por saber que essa militância truculenta ao menos lança luz sobre as contradições e hipocrisias da mídia, que busca proteger a extrema-esquerda enquanto vive a acusar a extrema-direita, inclusive aquela imaginária (tudo que não é tucano já acaba jogado para a extrema-direita).

Mas também podemos – e devemos – avaliar os aspectos negativos dessa militância. Para começo de conversa, a exceção poderá ser tomada pela regra, e a direita como um todo, em fase de ascensão no país, poderá ser confundida com essa minoria barulhenta e fanática. Isso não será nada bom nem para a direita, nem para o Brasil. Em segundo lugar, pode ser útil numa guerra ter soldados fiéis, guerreiros empedernidos dispostos a tudo para derrotar o inimigo, mas essa mentalidade de guerra não pode ser a constante numa democracia: ela é sua antítese.

Se estamos numa guerra constante, como pensam os extremistas, e derrotar o inimigo é a única prioridade, questão de vida ou morte, então não haverá respeito às leis, à Constituição, aos meios, pois o fim será importante demais, nobre demais para tolerar essas “frescuras” e “sensibilidades” típicas de um liberal (ou pequeno-burguês no linguajar comunista). A estrada é escorregadia demais, e leva inexoravelmente ao crime, à tirania, ao extermínio do debate civilizado, da necessária contemporização, da própria democracia.

Talvez seja suicídio lutar com inimigos pérfidos e fanáticos usando apenas as armas civilizadas. Mas a alternativa pode ser uma derrota já na largada: abrir mão da civilização para derrotar a barbárie, ou seja, tornar-se um bárbaro você mesmo antes que o adversário imponha isso. Nietzsche dizia que o perigo de olhar por tempo demais para o abismo é que ele pode olhar de volta. Ou seja: lutar com monstros pode nos transformar em monstros também, se não tivermos muito cuidado.

Alguns podem achar que é possível manter uma parcela de soldados como militância fanática, e que isso não irá contagiar o restante. Como na metáfora do futebol, que eu mesmo gosto e já usei bastante, haveria um papel para cada estilo, do goleiro ao atacante, do técnico à torcida. Mas, como vimos nas cenas chocantes e lamentáveis no São Januário durante o jogo entre Flamengo e Vasco, e que se repetem com alguma frequência em nosso país, o espaço ocupado pela torcida fanática e tribal pode se expandir e contaminar todo o resto, estragar o jogo em si, sem contribuir com nada positivo para seu resultado.

Um técnico ou pensador futebolístico poderia alegar que, se o outro time tem a sua torcida fanática, então seria besteira abrir mão da nossa, seria suicídio na guerra assimétrica. O problema é que alimentar Gremlins é sempre um perigo, especialmente depois de meia-noite. Os bichos saem do controle, e é ilusão crer que será possível controlar os monstrinhos para sempre. Eles têm vontade própria, sede de violência, de sangue, e como todo jacobino, não se importam em degolar o próprio líder, o guru antigo, seu criador. Sobre o episódio triste do jogo, cheguei a comentar:

O problema não é o futebol, ou a política, ou a religião. O problema é o fanatismo, a imbecilidade, o coletivismo tribal que transmite essa sensação de invencibilidade contagiante, que anula o indivíduo e libera a barbárie interior em cada um ali presente. “Uh, vai morrer”. Isso é coisa de bandido, não de torcedor.

E eis o ponto: essa postura de militância fanática pode tanto criar o monstro como atraí-lo. Ou seja, o marginal que só quer violência pode encontrar na política, na religião ou no futebol o pretexto para extravazá-la, assim como o ambiente dentro do grupo pode fomentar essa reação, como no filme “A onda”, em que um experimento fascista em sala de aula cria… fascistas. O alerta feito por Gustave Le Bon em seu estudo sobre a psicologia das massas vem bem a calhar aqui:

Uma massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo possa ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. No caso de tudo pertencer ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens dificilmente supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não podem nunca realizar atos que demandem elevado grau de inteligência. Em massas, é a estupidez, não a inteligência, que é acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos desaparece completamente. Todo sentimento e ato são contagiosos. O homem desce diversos degraus na escada da civilização. Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é, uma criatura agindo por instinto.

Portanto, tenho muito receio de alimentar uma militância de soldados mais fanáticos, cegos pela causa, pois entendo o perigo da coisa, ainda que possa compreender o lado positivo. Edmund Burke, que antecipou a barbárie que resultaria da ação dos jacobinos franceses, constatou: “A raiva e o delírio destroem em uma hora mais coisas do que a prudência, o conselho, a previsão não poderiam construir em um século”. Não se faz uma mudança efetiva e duradoura tendo como combustível somente a raiva. É preciso mudar a mentalidade, investir na cultura, e respeitar as regras do jogo.

Eu posso até entender quem está cansado demais da canalhice da esquerda, em conluio com boa parte da imprensa, e que por isso pede um pouco de extremismo “do lado de cá” também. Mas não peçam para que eu aplauda os black blocks, seja de qual lado for. São seus métodos que eu não aceito, não importando quais sejam seus fins declarados.

Rodrigo Constantino

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