Alexandre Schwartsman é um economista sério, com inclinações liberais, com quem costumo concordar bem mais do que discordar. Em sua coluna de hoje na Folha, porém, penso que ele escorregou. Ou melhor, fez um alerta legítimo, mas sua análise ficou incompleta, para dizer o mínimo. Pode ser questão de falta de espaço, claro, mas fiquei com a sensação de que ele acenou para a esquerda em busca de aplausos.
A começar pelo que chamou de debate estúpido: se o nazismo era de esquerda ou de direita. Ora, é um debate sério, com muitos pensadores respeitáveis que colocam o nacional-socialismo do lado dos demais totalitarismos de esquerda, pregando sempre mais estado e menos livre mercado e indivíduo. Mas seu “argumento” foi bobo:
Tratava-se, porém, de pergunta tão estúpida (os comunistas alemães da época poderiam respondê-la sem dificuldade, caso não tivessem sido massacrados pelos nazistas) que não desperdicei minha atenção com aquilo.
Deveria ter “desperdiçado” sua atenção, meu caro. Afinal, o fato de nazistas terem trucidado comunistas não quer dizer absolutamente nada sobre suas afinidades ideológicas. Irmãos se matam pelo poder. Primos trucidam uns aos outros pelo monopólio do território. Seitas similares entram em guerra justamente pelo “narcisismo das pequenas diferenças”.
Recomendo a análise do grande liberal austríaco Ludwig von Mises sobre o nazismo, e ficará claro como ele era, no fundo, parecido com seu “inimigo mortal”, o comunismo. Outro grande liberal austríaco, Hayek, sabia que ambas as ideologias disputavam o mesmo perfil de alma coletivista. E Alan Besançon tem ótima análise sobre os “gêmeos heterozigotos” em A infelicidade do século.
Descartar, portanto, como “estupidez” a afirmação de que o nazismo deve entrar para o rol de ideologias totalitárias de esquerda não me parece algo muito sábio. Há controvérsias, claro, depende muito das definições dos conceitos, mas uma postura mais humilde diante de tema complexo se faz necessária, em minha opinião.
Essa longa introdução, contudo, não é o cerne da questão aqui, e sim o alerta final do autor sobre um eventual governo de Bolsonaro:
Isso dito, basta um mínimo de esforço de pesquisa histórica para notar que, no Brasil, regimes que seriam inequivocamente considerados de “direita”, como o governo Geisel (bom, sei lá: alguém pode começar a debater no Facebook se o velho general era, na verdade, um comunista enrustido), patrocinaram uma política econômica extraordinariamente intervencionista, marcada pelo dirigismo estatal e pelo aumento do gasto público, bem como por uma política agressiva de substituição de importações, de cujas consequências ainda não nos livramos inteiramente.
Também não é necessário ir muito longe para concluir que um político de “direita”, como Jair Bolsonaro, compartilha de uma visão econômica muito próxima do geiselismo (aliás, Dilma Rousseff também), transparente em sua atuação parlamentar, com declarações mercantilistas, de restrição à participação de capital estrangeiro em eventuais privatizações etc.
Sim, li as propostas do coordenador do seu programa econômico, mas, num mundo em que mesmo nos EUA a pessoa que deveria supostamente conter os exageros do presidente renunciou precisamente por falhar na missão, só muita ingenuidade justificaria a crença de que o domador é capaz de jantar o urso, quando toda a experiência histórica sugere que quem costuma se dar bem é, adivinhem, o urso…
A analogia não é ruim, mas ignora que Bolsonaro vem dando sinais sinceros de mudança na área econômica faz tempo. Sim, o ranço nacionalista militar ainda está presente, como fica claro em certas declarações. Será que Paulo Guedes será capaz de “domar o urso”?
Eis uma importante questão para os liberais, receosos de dar apoio a alguém instável quando o assunto é livre mercado e globalização. O risco existe, sem dúvida. Publiquei ontem um texto do jovem libertário Luan Sperandio em que ele defende o afastamento dos liberais da candidatura, alegando que o mercado deve manter sua desconfiança. Comentei ao final:
Os alertas do autor merecem reflexão, e é parte da essência do liberal ser cético e desconfiar de políticos, ainda mais daqueles que mudam muito de discurso. Dito isso, e conhecendo muito bem Paulo Guedes, que foi meu chefe por seis anos, acredito que este jamais aceitaria o papel de Joaquim Levy. Do mesmo jeito, em que pese seu ranço militarista de nacional-desenvolvimentista, Bolsonaro tampouco é Dilma, a começar pelo sincero desejo de melhorar o país e a humildade em reconhecer seu desconhecimento na área econômica. Portanto, ainda que a desconfiança seja legítima, eu particularmente não teria tanto medo assim de dar uma chance ao pacote Bolsonaro/Paulo Guedes. Se o “mercado” ficasse muito apavorado, isso seria oportunidade de compra, em minha opinião. Claro que há o risco de nem toda a agenda liberal de Guedes ser adotada num eventual governo Bolsonaro, mas não vejo o risco de o capitão seguir no sentido contrário àquele sugerido pelo economista liberal.
Como o próprio Schwartsman cita o caso de Trump, vale lembrar que até aqui o presidente fez um bom governo, não só na área econômica, ao reduzir impostos corporativos e cortar regulações como nenhum outro antes dele, como no combate às pautas “progressistas” em geral. E nem tudo se resume à economia, é bom lembrar.
Ainda assim, a gestão econômica de Trump, em que pese a recente medida protecionista contra o aço chinês e brasileiro, está longe de ser catastrófica, e sem dúvida representa um avanço em relação ao governo Obama, um intervencionista fanático. Alguém acha mesmo que a situação estaria melhor com Hillary Clinton?
Voltando ao Brasil, Bolsonaro não precisa abraçar toda a agenda liberal de Paulo Guedes para fazer um bom governo, com viés liberal. Quando falamos que as perspectivas são ruins, é preciso dizer: com relação ao quê? Que outro candidato com chances concretas seria mais liberal do que Bolsonaro com Guedes no Ministério da Fazenda? Alckmin? Ciro Gomes?
Política não só é a arte do possível, como também um “concurso de feiúra” muitas vezes, ou seja, vota-se por eliminação dos piores. Claro, os liberais têm finalmente alguém que representa bem sua doutrina: João Amoedo do Partido Novo. Pode ser que Flávio Rocha saia candidato também. Mas se o filtro se der por chances reais de vitória, num eventual segundo turno entre Bolsonaro, que parece estar quase lá, e algum outro candidato, como o tucano ou alguém ainda mais à esquerda, Bolsonaro seria tão ruim assim mesmo?
Digamos que a chance de o “urso” engolir o domador seja de 40%: ainda assim sobram 60% de probabilidade de ele adotar parcialmente a agenda liberal. E isso para falar somente de economia, pois há um mundo para além da economia que necessita urgentemente de uma reação mais firme da direita contra a hegemonia de esquerda.
Já Alckmin seria mais previsível pela ótica do mercado. Sabemos o que esperar dele: a mediocridade de sempre dos tucanos, com algumas reformas tímidas na economia, e várias concessões indevidas aos socialistas no resto. A pusilanimidade tucana permitiu o avanço petista, não custa lembrar. Entre os 40% de chance de mudança mais profunda com viés liberal, ou os 100% de chance de algumas mudanças tímidas do social-democrata, cada um é livre para escolher, de acordo com seu perfil de risco.
Falando como liberal, não tenho esse medo todo de Bolsonaro. E estou bastante cansado da mediocridade e covardia dos tucanos. Acho, inclusive, que o Brasil precisa de um choque mais vigoroso para mudar o status quo mesmo, já que o modelo falido dos tucanos não vai nos tirar do pântano, e os riscos de continuar nele são enormes para a sociedade. As mudanças graduais não terão força para impedir o caos. Podemos fazer como aqueles que Churchill denunciou: escolher a desonra para fugir da guerra, e acabar com a guerra do mesmo jeito.
Vejam, por exemplo, a postura ainda como candidato de Alckmin, afirmando que não pretende bater no PT, e sim olhar para o futuro. Ora, e que futuro tem o Brasil se não derrotarmos de vez o petismo, se não explicarmos que a destruição atual tem como causa a mentalidade esquerdista, que o PT, o PSOL e companhia representam a maior ameaça ao nosso futuro?
Talvez a análise de Schwartsman peque pelo excesso de economicismo, ignorando o aspecto cultural, em que os “porraloucas”, como ele diz, tomaram conta de tudo com efeitos terríveis para a sociedade. Mesmo que a economia não decole, em algum momento teremos de enfrentar para valer a corja comunista incrustada em nossas instituições, nas universidades, na imprensa, nas escolas. Geraldo demonstra alguma determinação para tanto, por acaso?
Os liberais não estão errados em alertar para o risco do “urso” Bolsonaro. Mas para a análise ficar completa, é preciso levar em conta o risco da mediocridade tucana como alternativa. Foi ela, afinal, que nos trouxe até essa situação lamentável de hoje.
Rodrigo Constantino