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Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal

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Semana passada, enquanto os brasileiros escolhiam seus prefeitos e vereadores, ocorria, paralelamente, uma votação que já virou lugar-comum na região Sul: um plebiscito propondo a separação dos três estados meridionais do restante do país. Mais importante do que repercutir o resultado – 95,74% dos 616.917 votantes optaram pelo “sim” – é debater por que, volta e meia, alguém levanta essa possibilidade que contraria o texto constitucional. Seria preconceito com as demais regiões? Arrogância? Suicídio (especialmente tratando-se do Rio Grande do Sul e suas finanças combalidas por Tarso Genro)? Não creio. A resposta, a meu ver, passa pela excessivamente restrita autonomia de estados e municípios em relação à União Federal, seja no que tange à desarrazoada destinação da riqueza por eles criada, seja no tocante à limitada prerrogativa dos governos locais para instituir leis.

O Brasil adota o princípio federativo, em decorrência do qual não se admite o direito de secessão, isto é, o vínculo entre as entidades componentes da Federação é indissolúvel. Vale observar ainda que, sendo a forma federativa de Estado cláusula pétrea, conforme o art. 60, §4º, da CF/88, não é possível que emenda constitucional institua a possibilidade de secessão.

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Por outro lado, como já explicado neste artigo, muito da riqueza gerada pelos cidadãos é endereçada a Brasília, o que provoca as rotineiras romarias de prefeitos e governadores ao Planalto com o pires na mão, implorando por recursos – os famigerados “grupos de pressão” descritos por Hayek, em outra de suas facetas. Alguns chegam a decretar estado de calamidade pública “fake” para fazerem jus a maiores fatias. Pior: dentro deste contexto, e cientes de que o Banco Central é detentor da faculdade de “imprimir dinheiro” do nada, especialmente endividando-se por meio da oferta de títulos (provocando inflação e alta dos juros), muitos administradores locais, confiantes em um futuro resgate financeiro, gastam de forma totalmente irresponsável, e depois correm até o Ministro da Fazenda implorando por socorro.

Além disso, pouquíssimos aspectos de nossas vidas podem ser normatizados pelas administrações municipais e estaduais, uma vez que a competência legislativa para criar leis sobre quase tudo é exclusiva do Congresso Nacional – um grande problema, visto que as pessoas envolvidas nas questões locais seriam as mais indicadas para elaborar os regramentos pertinentes. Para não mencionar que editar leis que devem ser cumpridas de forma homogênea por todo o país é desconsiderar a heterogeneidade de nossa nação.

Tal conjuntura pode ser comparada à seguinte situação hipotética: um grupo de empregados de uma empresa de pequeno porte acredita que os recursos do empreendimento onde laboram deveriam ser alocados de forma totalmente diversa do que costuma fazer seu empregador; eles creem, inclusive, que determinados colegas de trabalho são remunerados com valores acima do valor que geram, e que a falência, portanto, será inevitável no médio prazo. Eles resolvem, então, pedir demissão e abrir o próprio negócio, pois acreditam que, gerindo um estabelecimento do gênero da forma como planejam, os resultados serão bem mais positivos – neste exemplo, pouco importa se eles têm razão.

Todavia, defrontam-se com uma lei qualquer que os impede de desligar-se da empresa. Diante do impasse, não restará muita opção aos empregados senão seguirem tentando cada um obter o maior salário possível junto ao empregador, cada qual a sua forma (por meio de métodos desonestos e antiéticos, se preciso). Ou, caso não se resignem com as circunstâncias, podem tentar obter via judicial a rescisão contratual, como jogadores de futebol costumam proceder em litígios contra seus clubes.

Esse anseio pela rescisão nada mais é do que o sentimento que exorta uma parcela de gaúchos, catarinenses e paranaenses a concordarem com a separação do restante do Brasil. Não é que eles não gostem do empregador e demais colegas: eles apenas acham que podem se sair melhor por conta própria. E convenhamos que tal iniciativa costuma fazer parte do prólogo da história de sucesso de muitos empreendedores que construíram grandes companhias.

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De se ressaltar aqui que a amostra é pouco representativa, pois somente dirigem-se às urnas dos separatistas, em larga maioria, aqueles que possuem opinião formada sobre o tema ou endossam a proposta – o que resulta em um percentual de “sim” tão alto. Os adeptos do “não”, bem como aqueles que nunca pararam para refletir sobre o assunto (esses predominam), preferem não perder tempo com uma consulta de caráter extraoficial e seguir seus caminhos normalmente. Se assim não fosse, o escore seria diferente, sem dúvida. Eis o que acontece quando o voto não é obrigatório, prática adotada em diversos países desenvolvidos: manifestam-se somente aqueles interessados no resultado do escrutínio; quem não faz ideia do que está acontecendo ou subestima a relevância do resultado, prefere não emitir julgamento – quadro este bastante salutar, a meu ver.

De qualquer forma, o que motiva estes plebiscitos sui generis tem muito mais a ver, portanto, com a frustração por não poder tomar os próprios rumos do que com qualquer outro fator. Em um país com tanta extensão territorial, é normal que diferenças culturais entre os habitantes das cinco regiões surjam e demandem tratamentos diversos para aspectos idênticos de nossas vidas – esse, aliás, é um dos motivos porque os Estados Unidos da América tiveram tanto êxito em sua trajetória, na medida em que a soberania do povo de cada estado americano é muito maior se comparada com o que ocorre no Brasil.

Será que estados com estatísticas alarmantes de violência não gostariam de estatuir leis penais mais rigorosas? Ou que regiões com muito desemprego não gostariam de elaborar as próprias leis trabalhistas e tributárias (em relação às últimas, 70% dos tributos no Brasil são federais), a fim de combater essa mazela social? Enfim, não seria coerente permitir que as decisões que irão nortear uma determinada parcela da sociedade partam dela mesma?

Olhar com desdém para esta pretensão em nada ajuda na busca por um entendimento entre as partes. Assim como a Europa não conseguiu digerir o Brexit (muito embora os índices da economia da Inglaterra tenham evoluído após o plebiscito), os brasileiros que não residem na região Sul normalmente não compreendem que, em vez de fazer piadas e considerar esta ambição uma insanidade, todos deveriam, unidos, clamar pela chance de andarem com as próprias pernas, sem precisar pedir carimbo toda hora para Brasília.

Tal relação entre União Federal e demais entes federativos assemelha-se em muito com o vínculo que se forma entre governantes e governados no Brasil: pagamos quase metade do valor gerado por nosso trabalho para que o Estado nos devolva na forma de serviços públicos, sendo que a alternativa – reter uma significativa parte deste capital e aplicá-lo sem intermediários – sequer é considerada pela população. Estados e municípios, em um arranjo similar, destinam ao Distrito Federal muito da riqueza produzida, e precisam esperar que esta retorne, eventualmente, na forma dos PACs da vida e demais programas. Claro que alguns “afortunados” receberão uma contrapartida maior que os demais, e não é necessário muito esforço de elucubração para saber quais métodos serão empregados com este propósito.

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O Globalismo guarda uma conexão ainda mais estreita com essa nossa cultura de delegar a uma estrutura centralizada a condição de deliberar sobre nossos conflitos locais. Em 2015, uma corte arbitral da União Europeia decidiu que as empresas de todos os países membros deveriam remunerar, como tempo efetivamente trabalhado, o deslocamento para o trabalho dos empregados que não laboram em local fixo. Aqui não cabe argumentar a favor ou contra o teor da diretriz, mas sim o caráter arbitrário e invasivo de uma ordem emitida por burocratas não eleitos e que sequer são conhecidos pelos afetados por suas prescrições. Isso em um continente com costumes de tal sorte díspares que jamais justificariam tal organização administrativa concentrada em meia dúzia de políticos instalados em hotéis cinco estrelas de Bruxelas.

Rasgar este “contrato” nefasto é o que os adeptos do movimento “O sul é o meu país” pretendem, mas acredito que alterar suas cláusulas seja mais do que suficiente para serenar os ânimos dissidentes. A emancipação não é garantia de melhorias, levando em conta o elevado número de municípios que foram criados no Brasil após 1988, e o fato de que a maioria deles sobrevive tão somente do Fundo de Participação dos Municípios. Não podemos, todavia, desconsiderar que centros administrativos menores e mais independentes renderam bons dividendos em muitas experiências mundo afora (a Suíça e seus “cantões” não me deixam mentir). Não importa se um eventual desmembramento seria benéfico ou prejudicial para o povo envolvido no caso em tela; o que interessa é que há uma solução muito mais elementar e menos traumática para todos: rever o pacto federativo, tirando dos corredores dos prédios públicos da capital federal as deliberações sobre o nosso porvir.

O Sul não é o nosso país, mas é a nossa casa, e nela queremos ter mais poder decisório. E chega de viver de mesada: que tal uma experiência administrando nossa própria conta corrente? Mais liberdade, mais responsabilidade. Básico, mas esquecido há tempos. Desde o descobrimento, salvo engano. E eu duvido que os demais brasileiros também não aspirem por viver desta forma. Assim eu intuo, ao menos. E a boa notícia: com um pouco de pressão popular, é possível atingir este objetivo sem lançar mão de revoluções ou inconfidências.

Quem sabe até não sobre um Nobel da Paz para o político que apaziguar os sulistas, hein. Não está nada difícil recebê-lo nas últimas décadas…

Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR. Também publica artigos em seu site: https://bordinburke.wordpress.com/ 

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