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O Super Bowl deu uma aula prática de formação de preços no livre mercado
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Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal e originalmente no blog do autor

Consoante os ensinamentos da Escola Austríaca (e da vida real), os preços, em um ambiente de trocas voluntárias, são estabelecidos por meio do julgamento de valores feito por cada um dos consumidores. Ou seja, a valoração de um dado produto ou serviço, dotada da subjetividade individual que lhe é peculiar, pode variar em função do grupo de indivíduos considerado, e oscilar conforme o passar do tempo, posto que a demanda e a oferta por determinado bem não são fixas.

Pois foi exatamente o que ocorreu com o show do intervalo da partida decisiva da NFL (liga de futebol americano), conhecida como Super Bowl, quando a transação comercial entre os organizadores do evento e os músicos que se apresentam ao final do segundo quarto passou, no decorrer de décadas, por um processo que culminou na inversão de papéis entre consumidor e cliente.

Esta história começa em 1993, quando, com a apresentação de Michael Jackson, tem início a era das estrelas do pop roubando a cena da bola oval no show do intervalo. Uma das ligas mais lucrativas do planeta, a NFL sempre despendeu milhões de dólares para manter os índices de audiência (e até elevá-los) em um momento do jogo no qual, em tese, o interesse do torcedor é bem menor. E deu certo: em pouco tempo, anunciar naquele curto período virou sinônimo de investir nos segundos mais caros do mercado publicitário.

Todo ano, as propagandas lançadas no Super Bowl costumam suscitar grande repercussão, tanto pela criatividade dos comerciais quanto pela fortuna desembolsada pelos anunciantes, bem como pelos exóticos garotos-propaganda escalados pelas marcas. Nada mal para vinte minutos que, em tese, só serviam para buscar mais cerveja na geladeira e ir ao banheiro, e acabaram dando origem ao maior evento de mídia dos Estados Unidos.

A enorme exposição gerada pela oportunidade de apresentar-se no Super Bowl foi, gradativamente, conforme subiam os ratings de cada espetáculo anual, agregando valor à marca da NFL, de tal sorte que ter a chance de subir no palco improvisado no campo do estádio passou a ser um privilégio exclusivo de artistas de renome. A banda irlandesa U2, após realizar um show do intervalo em fevereiro de 2002, capitalizou vendas estratosféricas nas semanas seguintes, rendendo consideráveis dividendos à banda.

Ora, se havia, no princípio, uma demanda pela organização do evento por atrações musicais capazes de alavancar a audiência do programa, aqui o cenário sofria um tipping point: como o Super Bowl já estava com sua imagem consolidada junto ao público, os músicos é que passaram a demandar a oferta de espaço no show do intervalo. Não demorou nada, então, para que a NFL não mais remunerasse os artistas diretamente, limitando-se a, tão somente, arcar com os custos da apresentação (como passagens aéreas, hotéis, estrutura do palco, e tudo mais).

E assim funcionou durante quase uma década, sem ninguém da indústria fonográfica achar ruim trabalhar sem receber cachê – nem serial loucos de assim proceder, pois ainda valia muito a pena aparecer no Super Bowl. O Busílis de verdade começou em 2013, quando surgiram os primeiros rumores de que, pela primeira vez, a organização do evento iria cobrar uma espécie de “jabá” dos artistas que quisessem se apresentar para seus mais de um bilhão de espectadores mundo afora. Pior: a primeira vítima era a queridinha Beyoncé. Na sequência, Kate Parry e Coldplay também foram instados a “doar uma quantia em dinheiro” (sic) para mostrarem seus talentos na final da NFL.

De acordo com o The Guardian, a liga afirmou que a “doação” poderia acontecer na forma de uma parcela dos lucros das turnês após a apresentação no Super Bowl ou alguma outra contribuição financeira escolhida pelos músicos. A ideia não foi recebida com alegria pelos artistas, e muito menos por seus fãs, que consideraram um ultraje aplicar as regras do “frio capitalismo” sobre seus ídolos – aquele mesmo sistema que permitiu que esses mesmos ídolos ficassem podres de ricos.

Mas não tem jeito: quando duas partes de uma relação comercial sentam para negociar (e não há “autoridades” querendo intervir), quem tem mais garrafas para vender grita mais alto. E assim tem se sucedido deste então: caso a caso, NFL e artistas chegam a um acordo – Lady Gaga, por exemplo, será a bola (oval) da vez em 05/02/2017, e foi dispensada de pagar para cantar. A mesma sorte pode não ter aquele que for escolhido para 2018.

Curioso observar como este fenômeno também acontece no cotidiano de pessoas comuns, pois profissionais detentores de certa mão de obra especializada que esteja em falta no mercado de trabalho podem, eventualmente, exigir altos salários de seus empregadores. Todavia, esta conjuntura fará com que muitas pessoas busquem a formação nesta mesma área de atuação, o que irá, em breve, saturar as filas do RH dessa empresa, e irá pressionar para baixo o salário destes profissionais empregados – os quais precisarão, a fim de manter sua remuneração em níveis altos, aumentar sua produtividade, buscando, para tal, mais conhecimento. O oposto pode ocorrer com um estagiário que recebe apenas uma bolsa, mas demonstra grande potencial durante o treinamento, e, na hora de ser efetivado, pode requerer um bom salário.

Ora, se com João e Maria é assim, por que com pessoas famosas deveria ser diferente? Se demanda e oferta sofreram um desequilíbrio tal que os papéis se inverteram, paciência: é do jogo (sem o perdão do trocadilho). Se antes o evento comprava o direito de exibir o talento dos artistas, eles, agora, é que precisam comprar espaço no evento. E tudo ocorreu dentro das regras do livre mercado, e, o mais importante, sempre buscando agradar aqueles que sintonizam suas televisões no programa. Se o valor gerado pela NFL (alcance planetário da transmissão esportiva) encontra-se, atualmente, em patamar superior ao valor gerado pelos músicos, que o primeiro seja compensado pelo segundo. Tudo natural em se tratando de trocas voluntárias.

Neste jogo de interesse financeiro (que está mais para uma queda de braço), a NFL marcou um golaço – ou um touchdown, melhor dizendo, e com direito a trick play. E todos saíram ganhando, até mesmo os cantores reclamões e seus fãs pentelhos. Assim não fosse, e o espetáculo não teria seguido até hoje. Aliás, a produção só faz se superar continuamente, mesmo em meio às circunstâncias do “cruel capitalismo”.

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