Artigo escrito para o Instituto Liberal
“A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.” (Nelson Rodrigues)
Não é fácil resistir à tentação dos aplausos. Mais difícil ainda é resistir ao som do tilintar das moedas caindo em sua conta bancária. E por conta dessa fraqueza humana, demasiada humana, a era das redes sociais e da democracia de massas fez com que muitos sacrificassem a qualidade no altar da quantidade. A mídia, os políticos, os blogueiros: estão todos em busca de audiência, de votos, de recursos, e isso tem transformado cada vez mais a política em um showbiz, em puro entretenimento.
Isso tem ocorrido especialmente nos Estados Unidos, onde uma figura do mundo do entretenimento desbancou inúmeros outros candidatos de ótimo nível no Partido Republicano e tem chances, ainda que reduzidas, de ser o próximo presidente. Não quer dizer que Donald Trump seria pior do que Hillary Clinton, e sim que sua chegada comprova a tese de que a política não é mais feita na base dos argumentos, e sim do espetáculo.
É o que sustenta Douglas Murray em artigo publicado na The Spectator, em que tenta fazer um alerta aos seus concidadãos britânicos para que consigam impedir o mesmo destino. Não quer dizer que antes havia ótimo nível nos debates, e sim que há uma clara deterioração, que pode ser percebida nos “debates” das redes sociais também. O mundo da política tem flertado mais com o mundo do showbiz, e era inevitável que isso degradasse a qualidade dos debates. Há um claro trade-off entre qualidade e quantidade, e a busca do aplauso ou do voto do menor denominador comum será sinônimo de mediocridade, na melhor das hipóteses. Esse baixo nível é inegável, e Murray arrisca o motivo:
“Se há uma causa central, é o triunfo do entretenimento sobre a política. Uma antiga tentação americana, nesta temporada ela finalmente ganhou por completo. Em parte porque cada um estava se divertindo tanto que não conseguiu perceber que a nação estava perdendo.”
Como negar que seja divertido atacar os adversários políticos nas redes sociais? Como negar que seja hilário ver Trump detonando Hillary com tiradas ácidas? E se acadêmicos respeitados como Dinesh D’Souza não conseguem evitar as baixarias em seus debates, como cobrar isso das pessoas comuns, dos leigos, daqueles que simplesmente trocaram o futebol pela política como foco de diversão?
Luz, câmera e ação! O show começa, e o show sempre precisa continuar. Mas tratar a política como se fosse um espetáculo da Broadway é perigoso, e pode representar a morte definitiva da política como uma atividade nobre. Sei que ela não é tão nobre assim como gostaríamos. Sei que há jogo sujo, demagogia, populismo, desde tempos imemoriais. Mas isso não quer dizer que o que já era ruim não possa piorar. Murray diz:
“Embora os meios de comunicação americanos finjam que abominam a política agora em exposição, eles são sua progenitora. Em uma competição por telespectadores e leitores, eles passaram anos transformando o debate político em disputas acirradas por audiência. Fortunas foram feitas ao longo do caminho. Mas eles transformaram os Estados Unidos em um país onde a política se tornou showbusiness para pessoas desagradáveis.”
A esquerda, naturalmente, vai culpar a direita, mas ambos teriam parcela de culpa, segundo o autor. Até porque a esquerda sempre demonizou os adversários republicanos com rótulos exagerados, retratando-os como monstros, como vilões de filmes. E quando efetivamente surge um candidato inapto, detestável, indecente, as acusações não surtem tanto efeito, são diluídas pelos ataques exagerados de antes.
Se todo republicano não presta, é essencialmente ruim, depravado, maligno, insensível, então qual a diferença entre Reagan e Trump? O que dizem deste agora não é o que diziam do outro no passado? Como na história de Joãozinho, se você mente repetidas vezes que há um leão em seu quintal, no dia em que aparecer mesmo o bicho ninguém vai acreditar. E você poderá ser devorado.
É possível reverter o quadro, resgatar alguma nobreza nos debates políticos, focar mais nos argumentos do que nos rótulos? Difícil dizer. Num mundo dominado pelas Kardashians e demais “celebridades”, onde tudo parece entretenimento, não parece trivial manter a política fora dessa tendência. A própria participação crescente dessas celebridades nos “debates” políticos aponta na direção contrária: é a política que está sendo invadida pelo showbiz, como se atores famosos tivessem alguma autoridade sobre o assunto. Murray conclui:
“Onde antes um prêmio era colocado sobre a qualidade de um argumento, hoje as coisas estão cada vez mais reduzidas apenas a uma questão de quem está dizendo isso. Não há hábito mais claramente derivado da época em que vivemos do que a presunção de que sustentar sua narrativa, em vez de suas ideias, é da maior importância. Esse também é um hábito derivado do showbiz, onde infinitas quantidades de tempo são gastas se analisando acidentes de nascimento e sentimentos sem importância, enquanto que na vida real ninguém tem tempo para tal absurdo.”
Nós, do Instituto Liberal, faremos de tudo para remar contra essa maré. Sim, claro que nos importamos com nossa audiência, se a mensagem liberal que defendemos e na qual acreditamos está chegando em mais gente ou não, se estamos tendo sucesso na disseminação de nossos valores e ideais. Mas não pretendemos fazer isso ao sacrifício da qualidade, sem o esforço de elevar o nível do debate, buscando sempre focar nos argumentos.
Adaptar-se às mudanças estruturais é preciso. Mas resistir a certos modismos também. As redes sociais representam um instrumento fenomenal para os liberais, que não possuem muito espaço na grande imprensa. Mas saibamos utilizá-lo com cautela, e acima de tudo respeitando os leitores, os melhores leitores. Não vamos nivelar por baixo.
É natural que nos excedamos eventualmente, e estaremos atentos a esse risco para mitigá-lo. Mas a mensagem precisa ficar clara: não estamos aqui para oferecer ao grande público entretenimento, diversão, e sim para divulgar os princípios que julgamos cruciais para um mundo mais próspero, mais justo e, last but not least, mais livre!
Rodrigo Constantino