Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Já escrevi muitas vezes que me considero um patriota e que valorizo a ideia de patriotismo, bem como já pontuei incontáveis vezes que o núcleo duro das ideias liberais, desenvolvidas desde os tempos de John Locke, absolutamente não apresenta nenhuma incongruência com esse sentimento. Já sustentei minha visão do que seria um patriotismo racional e também do que seria sua confusão com o nacionalismo, na acepção perniciosa do termo com que trabalham autores como Gustavo Corção.
Digamos que, de um ponto de vista pessoal, este é para mim um assunto resolvido que, de maneira geral, eu não teria intenção de revisitar, não pelo menos com o único propósito de retomar o debate sobre a sua importância e pertinência. No entanto, ao que parece, o recente caso envolvendo a solicitação do Ministério da Educação para se cantar o hino nacional nas escolas – em cujos méritos e deméritos não entrarei – reacendeu um debate sobre o assunto nos últimos dias, ensejando a que diversas vozes liberais e libertárias reapresentassem seus conhecidos argumentos contra o patriotismo, inclusive aqui em nosso site, sempre aberto à expressão de diferentes pontos de vista.
Entendi por bem comentar alguns posicionamentos que tenho visto. Cumpre iniciar com a conceituação de Roger Scruton de que “para as pessoas comuns, (…) ‘nação’ significa simplesmente a identidade histórica e a lealdade que as une no corpo político”. Para ele, “é porque somos capazes de definir a nossa condição de membro de uma sociedade em termos territoriais que, nos países ocidentais, desfrutamos das liberdades elementares que são, para nós, o fundamento da ordem política”, afinal, “nos países baseados em obediência religiosa e não secular, a liberdade de consciência é um ativo escasso e ameaçado”.
Em analogia, Scruton recorda que as diferenças de opinião só não dilaceram completamente as boas famílias porque elas entendem haver algo que as deve manter unidas em um conjunto; da mesma forma, “tem de haver uma primeira pessoa do plural, um ‘nós’, se os muitos indivíduos existem para ficar juntos, aceitando as opiniões e os desejos dos demais, independentemente das divergências”. Um “nós” nacional, cuja “liga” é mantida pela sensibilidade patriótica, é importante, porque, melhor do que um “nós” religioso, étnico ou baseado em segmentos fragmentados, serve à acomodação das divergências. Seriam “um Estado de Direito secular, uma jurisdição territorial e um idioma comum em um lugar em que as pessoas reivindicavam como sendo a sua pátria (lar)” justamente o substrato do sucesso dos Estados Unidos.
A menos que se considere o povo norte-americano o suprassumo do fascismo, é forçoso reconhecer que o apreço ao próprio povo, à “gramática” secular de manifestações culturais e figuras históricas virtuosas que irremediavelmente moldaram o ambiente em nosso entorno e exercem influência sensível sobre o que e quem somos, mesmo que por vezes não admitamos, não é incompatível com uma institucionalidade liberal, marcada por direitos individuais, livre expressão, divisão de poderes e economia de mercado.
O problema está, e nesse ponto inclusive concordo com nosso estimado colunista João Luiz Mauad, em que ninguém é obrigado a experimentar, ou ao menos não no mesmo nível, tal sentimento de apreço ou a cultivá-lo. Não é como se ele devesse ser compulsoriamente imposto para que você fosse obrigado, por exemplo, a amar o Brasil. As instituições culturais e livres iniciativas devem e podem trabalhar por inspirá-lo, mas será em última instância livre a prerrogativa de aderir a tal impulsionador e móvel de ações ou não. Aquele que deseja ir embora do país não é um “maldito desertor” ou um inimigo a ser punido, e o bom e responsável patriota saberá respeitá-lo como indivíduo livre.
Já quanto à ideia de que o patriotismo ou os patriotas configuram uma “praga” responsável pelas experiências mais autoritárias, fascistoides e degradantes da história humana, não poderia discordar mais. Tal leitura advém de um atomismo moral e de um racionalismo iconoclasta pronunciado que se manifesta em algumas versões do liberalismo, como o Objetivismo, ou mesmo em certas manifestações do libertarianismo, e absolutamente não é uma obrigação na história do liberalismo para quem se inspira em autores como Adam Smith ou Hayek.
Tiranias e experiências degradantes sempre houve. No século XX, igualmente, houve nacionalismos fanáticos, antiliberais e supressores das mínimas liberdades. Patriotas, no entanto, eram muito mais verdadeiramente os seus maiores e mais bem-sucedidos opositores. Patriotas eram Churchill e os britânicos. Patriotas foram alguns dos poucos alemães que desafiaram Hitler. Patriotas foram muitos dos que desafiaram a ditadura de Getúlio Vargas, Patriotas são hoje, amando a sua terra e sua bandeira, muitos dos venezuelanos que lutam contra a ditadura de Maduro. Patriotas foram líderes como Reagan e Thatcher, que ficaram marcados como estadistas que levaram adiante políticas liberais, exatamente ao contrário do que caricaturiza esse discurso de vilanização do patriotismo.
Patriotismo não é sinônimo de um orgulho xenófobo que coloca a nação própria acima de todos os valores fundamentais e mesmo acima das demais. Patriotismo é amor e valorização; é uma paixão e, como toda paixão, serve de eficaz combustível para as realizações humanas e os bons combates, se bem dosada, sendo parte de nossa existência tanto quanto a razão, tão imaculadamente cultuada pelos liberais aqui referidos. É um sentimento de pertença moderno, mas que é uma versão atualizada de outros sentimentos similares que há muito existiram, algo que um individualismo sóbrio e realista deveria reconhecer.
Meu principal ponto, que me levou a voltar ao assunto, é este: o patriotismo não é, nem de longe, o vilão da história e o inimigo supremo da liberdade. Muito ao contrário, não são poucas as vezes em que atuou e atua em seu benefício e inspirou os indivíduos ao bom combate. Aos que com ele não se identificam, reserve-se sempre o direito de assim agirem, no entanto sem silenciar ante tais simplificações injustas.
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