“A soma do conhecimento de todos os indivíduos não existe em lugar algum como um todo integrado.” (Hayek)
O que forma o valor de um determinado produto? Para muitos, o valor natural na troca é determinado pelos custos relativos de produção. Ao menos é o que sustenta a economia clássica. Pode-se notar esta visão objetiva do valor tanto em Adam Smith como em Karl Marx, que disso extraiu o conceito de “mais-valia”. O economista James Buchanan fez um profundo estudo sobre o tema em seu livro Custo e Escolha, analisando inúmeras visões distintas para chegar à sua conclusão. Vamos passar por algumas dessas análises.
Partindo de Adam Smith, tem-se que um castor deveria ser trocado por ou ter o valor de dois cervos, caso matá-lo custasse o dobro do trabalho de matar um cervo. Esta visão não é apenas extremamente simplista, ela é errada. O preço, que é um valor realizado de troca, não só pode divergir como realmente divergirá do valor do custo realizado. Esta teoria ignora um componente crucial da formação de preços, que é a demanda, sempre subjetiva. Ora, não importa quanto custa construir uma fábrica de gelo no Alaska, o valor desse produto será muito baixo por lá. Afinal, não há muita utilidade para gelo lá.
A introdução da teoria de utilidade marginal iria revolucionar a teoria de valor após 1870. Segundo os teóricos da utilidade marginal, o valor de troca é, em todos os casos, determinado pela utilidade marginal, pela demanda. A oferta é fixa no ponto de troca do mercado, portanto, os valores relativos ou preços são estabelecidos exclusivamente através das utilidades marginais relativas. Os valores seriam fixados à margem, o que resolve o paradoxo do diamante ser mais caro que a água, apesar da utilidade maior desta. O valor em uso e o valor em troca já não eram mais possivelmente contraditórios. Para Buchanan, “nascia então o cálculo econômico”.
A economia da utilidade marginal geralmente é denominada de “economia do valor subjetivo”, em contrapartida à teoria clássica de custo de produção, que era objetiva, no sentido em que se supunha que as mensurações externas dos custos comparativos fossem capazes de gerar prognósticos sobre o valor normal de troca de mercadorias. Enriquecendo ainda mais a teoria de valor subjetivo, os economistas austríacos desenvolveram ensaios convincentes sobre o assunto, especialmente Mises e Hayek.
Para Buchanan, “a teoria econômica de um modo geral certamente poderia ter evitado várias confusões modernas se os ensaios de Hayek tivessem tido maior disseminação e compreensão mais ampla”. Em um estudo de 1937, ele já tinha enunciado as características fundamentais da metodologia subjetivista. A economia subjetivista representa uma negação expressa da objetividade dos dados que norteiam a escolha econômica. O indivíduo que faz a escolha seleciona determinadas opções preferidas segundo seus próprios critérios. Isso bate de frente com os modelos de “equilíbrio” dos neoclássicos, que tendem a tratar a informação de uma forma objetiva.
Para os austríacos, custo é o valor subjetivo que o agente atribui aos fins aos quais renuncia quando decide empreender um determinado curso de ação. Não existem, portanto, custos objetivos que tendam a determinar o valor dos fins. Como explica Jesús Huerta de Soto em sua obra sobre a Escola Austríaca: “São os preços dos bens finais de consumo, como materialização no mercado das avaliações subjetivas, que determinam os custos nos quais se está disposto a incorrer para produzi-los, e não ao contrário como tão freqüentemente dão a entender os economistas neoclássicos nos seus modelos”. Mises, em seu clássico Human Action, resume de forma brilhante: “Os custos são iguais ao valor vinculado à satisfação que se deve sacrificar para alcançar a meta visada”. Custo é um fenômeno de avaliação pessoal, e não algo independente dos agentes de mercado.
James Buchanan lamenta o relativo ostracismo dessas idéias: “O conceito de custo de oportunidade – que surgiu em decorrência das abordagens de bom senso e dos austríacos subjetivistas –, o conceito que floresceu por duas décadas na escola inglesa, parece ter sido derrotado em sua luta por um lugar entre os paradigmas da economia moderna”. Não é fácil explicar esse triste fato. A argumentação não foi refutada e, conforme concorda Buchanan, “permanece válida”. Buscar a ressurreição dessa sólida, porém ignorada teoria, é o objetivo de Buchanan ao escrever o livro. O custo de qualquer escolha tem múltiplas dimensões. O custo previsto influencia a escolha, e a escolha feita irá definir o custo. O valor atribuído pelo indivíduo às alternativas preteridas ao fazer uma escolha será crucial na formação final do custo, e tal valor é subjetivo.
Essa noção tem profundo impacto em diversos ramos da economia, incluindo a escolha dos gastos públicos, ou a mentalidade de que lucro empresarial é a exploração do trabalhador. O preço, ou valor de um produto, incluindo o salário, não é algo que possa ser obtido de forma objetiva, ignorando-se as preferências subjetivas dos agentes econômicos. Isso já derruba sozinho o conceito de “mais-valia” marxista. O quanto de trabalho é executado pela pessoa não diz nada sobre o valor final do que ele produz. Este irá depender das preferências dos consumidores, da avaliação subjetiva que estes fazem no livre mercado. Por isso um jogador de futebol pode ganhar milhões enquanto um trabalhador de uma fábrica acaba pobre. Como um marxista explicaria o valor de milhões pago por um quadro de Picasso, por exemplo? Será que o preço da obra de arte deveria ser o somatório dos custos dos insumos, como tinta, pincel e tela? Alguém realmente consegue acreditar nisso?
David Hume já tinha notado também a subjetividade do valor: “A conclusão geral é que não é a partir do valor do objetivo visado por um indivíduo que podemos explicar o prazer que ele sente, mas somente a partir da paixão com que o objetivo é observado, e do êxito da tentativa de conquistá-lo”. O filósofo conclui: “Os objetos não possuem nenhum valor em si mesmos, absolutamente; o seu valor resulta exclusivamente da paixão”. E esta, naturalmente, será sempre subjetiva, irá depender de cada indivíduo. O que um estima, o outro pode considerar repulsivo.
O verdadeiro “equilíbrio” será atingido sempre que as partes realizam uma troca voluntária, já que naquele determinado momento, julgam-na mutuamente benéfica. O valor é subjetivo, e por isso as escolhas voluntárias dos indivíduos são o mecanismo mais eficiente de transmissão de informação na economia. Com base nisso que os austríacos já tinham mostrado a impossibilidade de cálculo racional numa economia socialista. Não existe modelo econométrico, por mais complexo que seja, que possa substituir a informação das preferências subjetivas, pulverizada em milhões de indivíduos.
Não há um valor “justo” obtido de forma objetiva por um observador imparcial. A Gosplan, na falida União Soviética, pode atestar na prática esta teoria. Seus complexos modelos econométricos tentavam calcular o valor “justo” para milhares de produtos, e o resultado foi uma escassez generalizada, deixando prateleiras vazias e criando um mercado negro lucrativo. Somente a livre formação de preços, obtida pelo funcionamento do mercado sem manipulação por parte do governo, pode garantir a verdadeira eficiência da economia.
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
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