Relendo meu livro Estrela Cadente, de 2005, chego ao capítulo sobre o viés autoritário do PT, que já era – ou deveria ser – conhecido desde o começo. O partido não “decepcionou”: tentou por várias vezes instaurar o controle da imprensa, dominar a democracia de dentro e criar uma “democracia” de partido único, derrubando as acusações de “paranóia” que recaíam sobre pensadores de direita, como Olavo de Carvalho. Já estava tudo lá, e o livro foi escrito antes de estourar o escândalo do mensalão, uma tentativa nefasta de conquistar todo o Congresso comprando os deputados. Segue o capítulo na íntegra:
Como se não bastassem as companhias freqüentes do governo Lula, assim como o passado de diversas pessoas que ocupam cargos de extrema importância no quadro político brasileiro atual, temos um claro viés autoritário partindo do Planalto. Não são poucas as medidas ou projetos que denotam uma clara tendência centralizadora de poder, que solapa a liberdade individual em nosso país. Já falamos do desarmamento dos civis inocentes, da interferência nas universidades, do uso abusivo de Medidas Provisórias, da tentativa de controle sobre a divulgação de dados do IBGE, e várias outras evidências desse crescente totalitarismo estatal. Vamos abordar agora outras medidas de cunho autoritário, que ofuscam a liberdade dos cidadãos.
Seria interessante, antes, lembrar da fábula da rã e do escorpião. Sem a capacidade de nadar, não podendo assim atravessar o rio, o escorpião pede para que a rã o carregue nas costas. Esta, desconfiada que o escorpião vá picá-la, nega. Mas o escorpião, esperto, explica que, caso ele faça algo com a rã, ele também irá morrer, afundando no rio. Satisfeita, a rã aceita carregar o escorpião. No meio da travessia, eis que o escorpião não resiste e pica a rã. Antes de afundarem, a rã, perplexa, pergunta o porquê desta atitude, no que o escorpião responde apenas ser esta sua natureza. Muitos no PT carregam um DNA de escorpião. O autoritarismo está na natureza de muitos hoje no governo.
O cinema é um bom exemplo para começo de análise. O presidente Lula assinou um decreto aumentando o número de dias de exibição obrigatória de filmes brasileiros nos cinemas do país, passando de 35 para 63 dias. É a conhecida “cota de tela”, nada mais que uma reserva de mercado, como tivemos a Lei da Informática, que para “proteger” nossa oligarquia nacional, penalizou todos os consumidores. Ora, o que garante a qualidade dos produtos e serviços é justamente o foco no consumidor, sendo a livre concorrência o maior estímulo para o avanço desta qualidade. Ela que força o aprimoramento dos produtos, colocando a satisfação do cliente em primeiro lugar para a sobrevivência das empresas. Quem decide se um filme é ruim ou bom, portanto, é o público. E a preferência individual através da livre escolha que irá premiar ou penalizar os produtores. Mas todo socialista detesta a liberdade de escolha do povo. Eles querem empurrar goela abaixo as suas preferências individuais.
Uma reserva de mercado, como a “cota de tela”, é a antítese do livre mercado, pois condena o consumidor ao monopólio da oferta, definida pela canetada dos burocratas do governo. O cinema nacional é financiado, em boa parte, por dinheiro estatal, através do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobrás. Qualquer um sabe que o cão não morde a mão que o alimenta. Os filmes nacionais acabam, portanto, com temas limitados pela preferência ideológica desses poderosos burocratas, na melhor das hipóteses, ou usados como doutrinação ideológica estatal, como ocorre nos países socialistas. Somente os “amigos do rei” conseguem verbas. Agradar o público deixa de ser prioridade, portanto, dando lugar à necessidade de agradar os burocratas. Em Cuba, praticamente não se fazem mais filmes, e os poucos que são feitos, são subservientes aos desejos totalitários do ditador.
O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, disse que devemos lutar contra a “hegemonia americana” em nossa cultura. Comparando o filme “Pelé” com “Homem-Aranha”, reclamou da quantidade de filmes americanos em cartaz, comparado a filmes nacionais, indianos, franceses ou russos. Em outras palavras, os indivíduos não devem mais ser livres para escolher o que gostam. Precisam, em nome da “cultura nacional”, obedecer as preferências impostas por…Guimarães! Ele disse ainda que “cabe à sociedade brasileira, através da legislação, garantir a diversidade”. Mas ora, eu poderia jurar que é justamente a sociedade que escolhe os filmes americanos!
Na verdade, essa novilíngua socialista oculta uma concentração de poder pérfida. Onde diz “sociedade”, leia-se o “governo”, mais especificamente ele, o poderoso que irá decretar as cotas para filmes, selecionando o que podemos ou não ver nas telas. A idéia estapafúrdia defendida pelo embaixador é criar leis que obriguem o consumidor a aceitar produtos que eles consideram ruins, e por isso não escolhem voluntariamente. A diversidade vem justamente da competição livre. Nos Estados Unidos existem milhões de alternativas para todos os gostos, enquanto em Cuba não há liberdade alguma de escolha. Mas essa liberdade é, aparentemente, repudiada pelos membros do governo, pois a escolha acaba sendo oposta a que eles gostariam. E essa gente é que diz ter lutado contra uma ditadura…
O governo Lula apresentou um anteprojeto polêmico e com viés autoritário. Trata-se do anteprojeto que institui a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav). A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti, afirmou que estavam “falando de domínio econômico e cultural e da soberania da nossa produção cultural”, igualando assim este debate ao “debate sobre a questão do petróleo”. O PT apela para o nacionalismo xenófobo para impor seu controle sobre os veículos de informação. O cineasta Ipojuca Pontes, no artigo “A Estranha Moralidade de Lula”, comentou sobre as medidas do governo. Ele disse que “o receituário de Lula para o problema (do cinema nacional) é o seguinte: recriar uma Agência oficial com poderes discricionários para regular, controlar, fiscalizar, fomentar e financiar o cinema, a ser sustentada com a imposição da cobrança de impostos e taxas que incidirão sobre a vida dos brasileiros”. O Ancinav não passa de um completo dirigismo estatal sobre a cultura, com intervenção absurda na vida dos indivíduos. E ainda por cima encarece o serviço, por cobrar novas taxas, como 10% sobre o valor do ingresso. Menos gente teria acesso a um dos programas prediletos do brasileiro: ir ao cinema. Um projeto absurdo desses ainda está em fase de análise e transformação, pois a dependência dos cineastas pela verba pública é tão grande, que eles acabam reféns dos caprichos autoritários de Brasília.
Fora o maior controle sobre o cinema, o governo Lula tentou criar o Conselho Federal do Jornalismo (CFJ), que buscava fiscalizar o exercício da profissão de jornalista, na linha do autoritário Chavez. A reação dos profissionais do setor foi imediata. O projeto previa punições para os jornalistas que cometesse “irregularidades”, podendo ser advertência, multa, censura ou suspensão do registro profissional. O projeto estabelecia ainda que caberia aos conselhos “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício da profissão. Argumentava-se que muitos jornalistas abusam dos seus direitos, faltando muitas vezes com a ética devida. Mas ora, contra calúnias e difamações, já existe a lei. O que o governo estava pretendendo, claramente, era aumentar seu poder e controle sobre a mídia, comportamento comum em todos os países socialistas. Lula, ao se encontrar com jornalistas brasileiros na República Dominicana, ainda teve a ousadia de dizer: “Vocês são um bando de covardes mesmo, hein? Não tiveram coragem de defender o Conselho Nacional de Jornalistas”. Coragem, para o presidente, deve ser então entregar o pescoço passivamente para a guilhotina do Estado.
Como os bolcheviques russos, que repetiam “todo poder aos soviets”, o governo Lula vem buscando todo poder aos “conselhos”, que para quem não sabe, é o significado da palavra soviet. Luiz Gushiken, secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, chegou a afirmar que “nada é absoluto, nem a liberdade de imprensa”. Frei Betto, então assessor do presidente Lula, disse que os grandes meios de comunicação “fazem um terrorismo psicológico porque não querem perder o monopólio da palavra”. Ou seja, em nome de uma participação maior das massas nos meios de comunicação, concentra-se poder nos conselhos ligados ao “partidão”. Toda nação comunista fez isso, de uma forma ou de outra. Vendiam a idéia de que a “sociedade” é quem deveria mandar, e tomavam para si ou seus aliados o controle de tudo. E o resultado concreto disso é a transformação de jornalistas em propagandistas do governo. Nas palavras do jurista Ives Gandra Martins: “O projeto do Conselho de Jornalismo é absurdo e inconstitucional. A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição. Os pulmões de uma sociedade democrática são uma Justiça e uma imprensa livres”. O projeto acabou enterrado após muita pressão. A mancha vermelha no currículo do PT, entretanto, permanece.
Ainda sobre jornalistas, tivemos o caso patético do artigo no “The New York Times” que falava do problema de bebida do presidente. O próprio artigo, escrito pelo jornalista Larry Rother, era baseado em outros artigos, como a coluna de Diogo Mainardi. Todos sabem da queda do presidente por uma cachaça. Circulam pela internet fotos do presidente bêbado em um churrasco. A reportagem em si pode ser boba, inútil ou condenável. Qualquer um tem direito de condenar seu autor. Mas a reação do governo Lula assustou pela agressividade e autoritarismo. Com a raiva controlando a razão, o governo tentou expulsar o jornalista do país. Somente diante da repercussão negativa de tal atitude é que o governo voltou atrás, sob a condição de um pedido de desculpas do repórter. Governos autoritários nunca aceitam a crítica. Fico imaginando se um manipulador como Michael Moore, adorado pelos brasileiros, estivesse no Brasil fazendo seus “documentários” sobre Lula, e não Bush. Qual seria a reação do governo? Acusam Bush de fascista, mas será que Lula iria ignorar Moore como Bush ignora, deixando-o livre para novas manipulações panfletárias contra o governo? Após esse episódio com o repórter americano, acho pouco provável. Mais uma vez, fica evidente o caráter autoritário deste governo.
Um episódio em Minas Gerais levantou suspeitas de tentativa de intimidação por parte do PT também. A Polícia Federal fez uma busca na gráfica do jornal O Tempo, do deputado federal Vitório Mediolli, do PSDB. Dois diretores do jornal acabaram algemados. A busca foi determinada pelo juiz Wauner Batista Ferreira Machado, depois de uma representação do Partido dos Trabalhadores. O Tempo foi acusado de imprimir o jornal Betim em Dia, supostamente clandestino, que estaria fazendo propaganda eleitoral ilegal. O editor Almerindo Camilo, um dos algemados, considerou a ação um atentado à liberdade de imprensa, pois afirma ter pedido para ver o mandado de busca enquanto recebeu voz de prisão. Nada foi encontrado. O mandado era para busca na gráfica, mas vistoriaram outros departamentos e revistaram gavetas. O deputado Mediolli disse que a ação foi armação político-eleitoreira com o objetivo de causar constrangimentos.
Na verdade, essa postura do PT não é novidade para quem conheceu o governo de Olívio Dutra no RS. Nelson Sirotsky, diretor do jornal Zero Hora, já havia confirmado que o governo de Olívio usava verbas de publicidade oficial para pressionar os jornais e remover jornalistas “inconvenientes”, sob a ameaça de cortar os anúncios oficiais. Denis Rosenfield escreve sobre o governo Dutra, em seu livro “PT na Encruzilhada”, que “praticamente todos os jornalistas de oposição e certos intelectuais estão com processo na Justiça”. Alguns jornalistas, inclusive, teriam dito que perderam seus empregos por pressões exercidas pelo governo junto aos donos das empresas. Que bela liberdade de expressão!
O revolucionário russo que desejava instalar uma guerra civil em seu país, Vladimir Lênin, costumava repetir as perguntas: “Por que deveríamos aceitar a liberdade de expressão e de imprensa? Por que deveria um governo, que está fazendo o que acredita estar certo, permitir que o critiquem? Ele não aceitaria a oposição de armas letais, mas idéias são muito mais fatais que armas”. O revolucionário, que levou seu país à um regime totalitário, assassino e cruel, costumava ser um símbolo da esquerda no passado, e ainda hoje muitos o admiram. Em contrapartida, Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, dizia: “Uma vez que a base de nosso governo é a opinião do povo, nosso primeiro objetivo deveria ser mantê-la intacta. E, se coubesse a mim decidir se precisamos de um governo sem imprensa ou de uma imprensa sem governo, eu não hesitaria um momento em escolher a segunda opção”. Não por acaso os Estados Unidos chegaram onde chegaram, com cerca de 30% da economia mundial, enquanto o “urso de papel” naufragou em seu próprio lamaçal. Parece claro por qual modelo o governo Lula tem maior queda.
Outra tentativa do governo Lula controlar mais ainda o poder foi tirar da gaveta a “lei da mordaça”, um projeto de lei destinado a calar os membros do Ministério Público. A independência do Ministério Público é fundamental para que este cumpra com suas atribuições. Ele foi concebido pelo Constituinte de 1988 como Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tendo por objetivos precípuos a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Pela “lei da mordaça”, estaria proibida a divulgação de dados sobre processos em andamento. Trata-se de censura pura. Um cerceamento da liberdade de informação típico de uma ditadura.
O antropólogo Roberto DaMatta, em entrevista à Veja, comentou sobre as medidas do governo Lula: “Há atualmente um surto de centralização. São os velhos barões se insurgindo com novos nomes. O governo quer um barão para mandar em cada setor: barão da imprensa, barão da universidade, barão da cultura…”. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, não poupou críticas à Lula também. Disse, em entrevista à Gazeta de Alagoas, que a MP 232 “denota uma soberba ditatorial do governo, um viés de imposição por força, usando de uma medida extrema para legislar, e uma fraqueza do Congresso”. Não são poucos os que estão assustados com esse viés autoritário do governo Lula. E não é para menos…
Algo comum em governos autoritários é a explosão dos gastos com propaganda. A realidade preceisa ser distorcida de qualquer maneira. Segundo dados da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República (Secom), foram desembolsados R$ 867 milhões em publicidade em 2004. Isso representa um aumento de R$ 250 milhões em relação a 2003, ou mais que 40%. O veículo da mídia que mais recebeu recursos foi, de longe, a televisão. Quase 60% dos gastos totais com publicidade tiveram esse destino, que atinge melhor as massas. O Brasil não vai nada bem, nosso desemprego ainda é alto, os impostos são absurdos, a criminalidade assusta, mas o governo Lula gasta quase um bilhão de reais para “vender” sua imagem.
A nossa ABIN, Agência Brasileira de Inteligência, fechou um acordo oficial com o DGI, serviço secreto cubano. Segundo o ministro Dirceu, trata-se de “um dos melhores serviços secretos do mundo, junto com o de Israel e da Rússia”. Isso vem de um dos seus alunos, não vamos esquecer. Teremos, portanto, um intercâmbio entre agentes, trocando informações. Creio que após todas as informações disponíveis no livro, essa medida dispense maiores comentários. A espinha já reage automaticamente com calafrios.
O preço da liberdade é a eterna vigilância. Como dizia o filósofo David Hume, “raramente se perde qualquer tipo de liberdade de uma só vez”. A democracia, por si só, não garante a liberdade individual, e Hitler ou Chavez estão aí como provas irrefutáveis. Uma sociedade aberta é conditio sine qua non para a manutenção da liberdade do povo. Isso exige uma imprensa livre, sólidas instituições independentes do governo e o império da lei. No Brasil, ainda estamos engatinhando nesse sentido. Mal tiramos as fraldas da ditadura. O Estado ainda mantém uma interferência absurda na vida do cidadão. O paternalismo precisa ser combatido, pois o Estado não é pai de ninguém. Os impostos abusivos precisam ser reduzidos, para que sejamos cidadãos livres e não escravos de Brasília. E por fim, essa tentativa de controle centralizado precisa ser duramente combatida, para a salvação da democracia. A rã precisa acordar para a realidade, e abandonar a idéia de carregar o escorpião nas costas.
Rodrigo Constantino