A revelação da Folha de que a dona Nalvinha, que apareceu no programa eleitoral do PT ao lado de Dilma, ganhou tudo na véspera, inclusive dentadura nova, é chocante. Em país sério, isso daria até impugnação da candidatura, pois fere a lei eleitoral.
Isso é compra de voto. Comentei aqui o caso, lembrando, inclusive, que a ONG que fez a doação é liderada por uma petista roxa de carteirinha. Tudo muito escancarado, como tem sido o caso do PT desde que viu a impunidade do mensalão nas urnas.
Pois bem: o livro O voto da pobreza (e a pobreza do voto), da socióloga Maria Lucia Victor Barbosa, é de 1988, e fala de uma realidade triste do nosso Brasil: a ética da malandragem, que não está ausente em classe alguma. Lá pelas tantas a autora joga justamente a pergunta: um voto vale uma dentadura? Diz ela, de forma totalmente atualizada (pelo PT):
A obtenção de favores, comum nas épocas eleitorais, vestígio nos centros urbanos do “coronelismo” do Brasil rural e interiorano, funciona atualmente de forma mais malandra. Nem sempre se responde com o voto aos candidatos que, empregando dinheiro, favores, presentes, ou atendendo pedidos de toda ordem, pensam receber em troca gratidão e lealdade dos que na sua miséria deveriam ficar agradecidos pelas dádivas recebidas. Cientes da incerteza, muitos candidatos agem com certa cautela, mesmo nas regiões mais pobres e atrasadas do país. Uma matéria do Jornal do Brasil ilustrou de forma pitoresca esse comportamento:
No Ceará, na região do Cariri – reduto político da família do vice-governador Adauto Bezerra -, é comum, nos períodos pré-eleitorais, os candidatos oferecerem, além de facilidades para obtenção dos títulos eleitorais, presentes em troca da promessa de voto. Óculos, chilenos, dinheiro e até dentaduras entram no negócio. No caso das dentaduras, o eleitor na fila vai provando, uma a uma, até encontrar a que lhe encaixe na boca. As outras voltam para uma lata d’água, à espera do próximo cidadão. Com dinheiro, a nota é rasgada ao meio. Metade fica com o eleitor; a outra metade, ele recebe depois da eleição, se o candidato tiver os votos que espera naquela urna. Com os chinelos, acontece o mesmo: um pé na hora de tirar o título, o outro depois de dar o voto. A campanha começa na hora do alistamento do eleitor.
Essa descrição lembra negócio. Puxando-se pela memória, percebem-se as raízes lusitanas. Como bem disse Caio Prado Júnior, referindo-se à política portuguesa do inicio de nossa colonização, “ela era antes de tudo um negócio do Rei”. Desde o começo, pois, o “negócio”, mais tarde uma politicagem onde o voto é negociado e a fraude a tônica constante. Negócios escusos e malandros como costumavam e ainda costumam ser as práticas usuais não só das eleições, mas no trato com a coisa pública por parte dos detentores do poder. Só que política como “negócio do Rei” foi e é, numa escala diferente, praticada também pelos “súditos”, aos quais interessa, essencialmente, levar vantagens com relação ao Estado patrimonialista.
Se as maneiras de auferir vantagens variam conforme a classe social, seria ingenuidade supor que os mais pobres sejam seres angelicais, ou coitados ignorantes imunes ao sistema. Na verdade, não só reproduzem mecanismos comportamentais assemelhados aos de outras classes sociais, adaptando-se às suas necessidades de sobrevivência, como legitimam o poder sobre eles exercido, aceitando-o como natural. Como a maioria das pessoas, querem que as coisas mudem ou melhorem, desde que o esforço seja feito por outros. O político em campanha pode ser este “outro”, que consegue a construção do barraco, arranja tratamento médico, olho de vidro, óculos, dentadura, dinheiro, etc. Pode ser também o que não apenas melhora o presente, mas o que promete o futuro, mercadejando esperanças e não se restringindo tão-somente às necessidades imediatas, ligadas praticamente a níveis mínimos de subsistência. Em todo caso, o voto se transforma na moeda com a qual se “compra” o benefício pretendido. Se os mais abastados querem empregos, cargos importantes, facilidades de vida que implicam investir no futuro, os mais pobres, no imediatismo provocado pelas premências e urgências de seu sobreviver, “intimam” os candidatos com pedidos de toda ordem, dos mais simples aos mais estrambóticos. Restará para o candidato a dúvida quanto à obtenção da “lealdade” de seu eleitor. Mesmo assim, o postulante ao cargo eleitoral sabe que o ideal é ter ouro em pó.
O mau exemplo vem de cima. O PT comprou todos que estavam à venda. Por que seria diferente com o andar de baixo? O rico empresário que aceita defender o partido em troca de subsídios, o funcionário público que pensa apenas em preservar suas regalias, o sindicalista que quer manter mamatas, nada disso é diferente, na essência, do que faz o pobre desesperado que troca seu voto por uma dentadura. Muda-se apenas o preço, mas o produto é o mesmo: o voto.
Resta saber até quando vamos conviver com esse modelo nefasto, com esse patrimonalismo absurdo, com essa “ética da malandragem” que faz com que o Brasil nunca deixe de ser o “país do futuro”. O PT não inventou nada disso. Mas com ele, regressamos com força ao triste passado!
Rodrigo Constantino
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