Por Claudir Franciatto, publicado pelo Instituto Liberal
Para entender minha tese aqui, talvez o leitor tenha que assistir a um filme de mais de 20 anos atrás, cujo título é Mera Coincidência (Wag the Dog, 1997). Nenhum sacrifício exigido, porque a obra é deliciosa, com um show de Dustin Hoffman e Robert de Niro. Apesar de um enredo que não faria sentido nestes tempos de mídias sociais intensas – já que toda a trama ficcional gira em torno de uma vigarice do governo americano mancomunado com a grande imprensa manipulada.
O magistral Hoffman faz o papel de Stanley Motss, um grande produtor de Hollywood que ficou famoso e riquíssimo. Tudo graças à sua destreza em lidar com situações espinhosas. Diante de cada problema, implicando qualquer magnitude de gravidade, ele repetia seu bordão favorito: “Piece of cake”. Ou seja, “moleza”, “fácil de resolver”, “deixa comigo”. Enquanto todos em volta se desesperavam, perdidos e aflitos, ele já estava maquinando uma saída que transformaria o limão numa açucarada limonada. “Piece of cake”, dizia, e sempre conseguia êxito.
Ele provavelmente chegaria aos seus últimos dias imbatível e invencível. Não fosse um pequeno detalhe que o leitor só saberá mais à frente. Algo que acomete a muitos de nós. Uma tentação que afeta nossas vidas em todas as áreas, colocando em risco muitas vezes anos de trabalho intenso. Você entenderá onde quero chegar. Algo que sobrepujou e ceifou a trajetória daquele produtor cinematográfico – um indivíduo que pode ou não ser obra de ficção.
Cito isso porque Stanley Motss, a personagem habilidosa e destemida de Mera Coincidência, me lembra sempre o professor-filósofo da Virgínia, Olavo de Carvalho. Sua longa e solitária atuação nas intrincadas movimentações ideológicas, filosóficas e políticas do cenário brasileiro é também marcada por visão, destemor e habilidade em localizar e atacar o problema.
Enquanto todos estávamos mais envoltos ao que aparecia na grande mídia, Olavo ficava tentando chamar a atenção para o Foro de São Paulo, nefasto movimento que era encoberto por uma imprensa vendida. O PT estava no poder, ao qual chegou a despeito dos alertas enviados a civis e militares no decorrer dos anos anteriores.
Enquanto a maioria de nós ficávamos crendo que a política brasileira era dividida entre uma direita moderada e uma esquerda aceitável, Olavo chamava a atenção para a trama PSDB/PT, os dois lados de uma mesma e maquiavélica moeda “progressista”. Ora, “piace of cake” para esse pensador que começava a atrair a atenção de alunos ávidos para compreender a realidade. Ele entendia e acenava com o que precisava ser feito. O duro era ser ouvido no deserto da alienação geral.
Enquanto a maioria de nós ficava burilando um enfrentamento entre liberais e conservadores contra comunistas, estatistas e nacionalistas, ele lá de solo americano repisava seus alertas sobre o problema do globalismo, do gramscismo e seu marxismo cultural. Não lhe demos (o devido) ouvido. E deu no que deu.
Apesar de subestimar a força do liberalismo econômico em especial, e do sábio liberalismo no geral, Olavo tem demonstrado lucidez e inteligência emocional para perseverar em realidades que ele sabiamente decodifica. Mas tem demonstrado mais do que nunca que vai escorregar. Vai ser traído pelo mesmo vírus que derrotou amargamente a personagem de Dustin Hoffman.
No filme, o produtor Stanley Motss chega a seus objetivos dando jeito em todas as situações e mostrando o que ninguém mais via. Só que, no final, ele se perdeu porque queria publicamente os louros pelos resultados que obteve. Não vou contar como, mas ele foi fragorosamente derrotado pela vaidade. Aquela que levou o rei Salomão a lastimar em um de seus Provérbios: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade”.
Uma ideia, um posicionamento, uma visão e uma opinião, cada uma dessas expressões só é boa mesmo quando o é por si própria. No momento em que uma ideia depende de seu formulador para ser aceita, já surge o problema. E quando o ser humano perde a objetividade por causa da vaidade, começam a surgir os problemas. Olavo de Carvalho é independente e fala só por si mesmo, mas pode estar perdendo o timingpor causa dessa sorrateira inimiga, a vaidade. Que ele pense nisso.
O ego tem sempre que ser inferior aos resultados das ações. Porque no final, pode acreditar: somos apenas pó mesmo. Fácil entender isso. Piece of cake.
*Sobre o autor: Claudir Franciatto é jornalista e escritor.
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