Não dá mais para ficar de fora das rusgas entre algumas lideranças intelectuais e políticas da direita em ascensão no Brasil. Sinto-me no dever de me intrometer, tentando colocar panos quentes para apaziguar os ânimos exaltados. Escrevi um breve comentário ontem em minha página do Facebook e foi o suficiente para perceber que era preciso me aprofundar mais. Tive vários comentários interessantes, algumas críticas legítimas, mas umas tiradas impressionantes. O clima está tenso e há certa postura de seita em alguns dos seguidores desses pensadores e políticos envolvidos.
Para quem caiu de paraquedas e não acompanhou o desenrolar da coisa, um resumo bem sucinto, até porque eu mesmo não fui aos detalhes completos: Kim Kataguiri, o jovem líder do Movimento Brasil Livre, fez algumas críticas a Bolsonaro, por sua (antiga) visão mais nacionalista e intervencionista, e teceu elogios a uma suposta “esquerda democrática”. Seguidores de Bolsonaro reagiram com virulência, Kim tornou-se de repente um inimigo da liberdade, um vendido, e Reinaldo Azevedo veio em sua defesa. Olavo de Carvalho criticou a postura de Reinaldo, assim como seus ataques “infundados” a Bolsonaro. Reinaldo respondeu com alguns textos. É mais ou menos isso.
O que penso de tudo isso? Que há ego inflado demais em jogo, disputa por espaço nessa direita em ascensão, e falta de humildade por parte de alguns. Mas o pior mesmo é, em minha opinião, a reação de certos seguidores dessas lideranças, que agem de forma fanática, típica postura de igrejinha, de seita. E isso faz mal ao movimento liberal e/ou conservador a longo prazo, ainda que seja imprescindível contar com alguns soldados mais inflamados no momento. Abaixo, meus “dois cents” sobre a coisa toda.
Kim é muito jovem ainda, e nunca foi da direita propriamente dita, e sim um libertário. Claro que Bolsonaro não seria exatamente um guru seu, assim como Olavo de Carvalho. Isso não muda o fato de que o garoto se tornou uma importante liderança entre os militantes de direita, ou pelo menos anti-petistas. Ele coloca a mão na massa, sai a campo para protestar, pressionar o governo, demandar o impeachment da presidente. Claro que é, portanto, um aliado de todos que não aguentam mais o PT.
Na última vez que estive com ele pessoalmente, disse que tinha que manter os pés no chão, ser humilde, evitar que a fama e o poder repentinos lhe subissem à cabeça. O poder, afinal, corrompe, e todo liberal que leu Lord Acton sabe disso. Se o caminho político parece natural a alguém com tal perfil, tudo bem! Nós podemos desconfiar da via política, com razão, mas também precisamos de nossos jovens engajados na luta concreta do dia a dia. Marcel van Hattem que o diga! Logo, acusar Kim de ser apenas um Lindbergh Farias novo parece injusto. Deixemos o rapaz enveredar por essa trajetória, pois ele, mesmo tão jovem, já tem mais consistência liberal do que a imensa maioria no Congresso hoje. Seria um upgrade tê-lo lá.
E Jair Bolsonaro? Ora, Bolsonaro nunca será unanimidade na direita, se incluirmos os liberais no grupo. Sua trajetória é mais distante do ideal liberal, e ele sempre foi um combatente corajoso da corja petista, mas isso não torna ninguém automaticamente um liberal. Já fez declarações no passado que incomodam a turma mais liberal, sobre privatização, sobre censura de biografias, sobre regime militar. Mas isso não quer dizer que devamos aceitar sem crítica os ataques chulos e caricatos que ele recebe da esquerda. Isso seria fazer o jogo do inimigo.
Bolsonaro tem evoluído em vários pensamentos, principalmente em economia, mas não é só isso: o fato de ele representar o exército de um homem só naquele Congresso avermelhado é suficiente para colocá-lo do lado dos heróis na luta contra o comunismo. O maior problema que vejo está mais na postura de alguns de seus seguidores, que realmente o elevaram ao panteão dos deuses e prestam uma reverência não muito saudável quando se trata de política. A idolatria, o fanatismo cego, o culto à personalidade, essas coisas remetem a modelos bem distantes do liberalismo ou mesmo do conservadorismo de boa estirpe.
É a mesma crítica que faço a alguns seguidores de Olavo de Carvalho. Tratado como um mestre infalível por alguns, Olavo passou à categoria divina, acima dos reles mortais e de qualquer crítica. Quando isso vira apenas uma hashtag como #Olavotemrazão ou declarações como “Olavo adquiriu o direito de mandar qualquer um à merda”, tudo bem, fica até engraçadinho. Mas quando ele passa a ser visto realmente como um sujeito clarividente e infalível, isso é muito preocupante. Leiam Mente Cativa, de Czeslaw Milosz, e entendam que tipo de gente “tem” 100% de razão. Só em “seitas fechadas” vemos esse tipo de fenômeno, e seitas fechadas não combinam com a postura cética dos liberais e conservadores.
Talvez seja útil nesse momento delicado exercer esse tipo de influência nos seguidores. Talvez a tal “união da direita” seja mesmo um fetiche, e o “fusionismo” seja uma bobagem. A esquerda cresceu com muita briga. Mas eis a diferença que vejo: as brigas eram mais internas, e os esquerdistas sabiam se mostrar unidos para fora. Não desejo um pensamento monolítico na direita, tampouco acho desejável e possível que todas as lideranças concordem sempre ou evitem confrontos. Eles são naturais e até saudáveis. Desde que não destruam as chances de união tática.
É esse meu maior receio. Quando a esquerda se encontra na fase mais fragilizada de sua história recente, quando os movimentos liberais e conservadores ganham força a cada dia, quando precisamos unir forças para combater o verdadeiro inimigo, que ainda está no poder causando enormes estragos, vem a turma do andar de cima à direita e se digladia de forma infantil. Não digo que as divergências em si sejam infantis, mas a reação de alguns, sim.
Ora, alguém está mesmo disposto a sustentar de forma séria que Reinaldo Azevedo é um esquerdista, um socialista fabiano e um inimigo da liberdade, que nada fez pelo Brasil nos últimos anos? A Veja pode ter despertado suspeitas legítimas com suas decisões recentes, como eu mesmo já disse, mas daí a achar que todos ali se tornaram petistas da noite pro dia vai uma distância abismal. Felipe Moura Brasil, discípulo de Olavo, continua por lá, não? E Reinaldo mesmo continua batendo pesado no PT, não? Ele precisa reverenciar Bolsonaro para ser “um dos nossos”, por acaso?
Cada macaco no seu galho. Há espaço para diferentes abordagens na direita, e há vários pontos de interseção com os liberais mais radicais, ou mesmo com alguns libertários (excluo os “liberteens”, aqueles esquerdistas que encontraram guarida no libertarianismo para pregar a libertinagem). Admiro a militância do jovem Kim, respeito muito o intelecto e os textos de Reinaldo Azevedo, dou meu apoio ao corajoso político Bolsonaro e reconheço, com ressalvas, a importância da contribuição de Olavo ao pensamento conservador brasileiro. Digo com ressalvas pois acho que ele poderia fazer muito mais se tivesse postura diferente, mais agregadora, já que bagagem intelectual ele possui de sobra.
Não quero uma direita totalmente coesa, pois isso é impossível e nem acho que seja desejável. Mas quando alguns passam a enxergar Kim, Reinaldo, Bolsonaro ou Olavo como os verdadeiros inimigos a serem derrotados, enquanto temos no poder a gangue petista, isso me assusta e tira meu sono. Cada um desses, à sua maneira, é um líder desse movimento de direita, e com a liderança vem o fardo da responsabilidade. Não vou fugir do meu. À medida que fui ganhando mais espaço e mais leitores (hoje são mais de 100 mil seguidores no Facebook), isso trouxe junto o peso da responsabilidade. Não dá mais para “brincar de Orkut” quando tanta gente leva a sério o que você diz. Quando exercemos influência de formadores de opinião, isso deve ser usado com cuidado e moderação.
Participo de uma rede de debates bem seleta, e recentemente ocorreu um racha lamentável, com a debandada de cinco participantes. O motivo: ataques pessoais a um grande empresário amigo deles e da causa liberal, mas “pragmático” em excesso para o gosto de alguns. Entendo as críticas, das quais compartilho. Mas era preciso chegar a esse ponto? A falta de tato, de senso de prioridade, acaba produzindo efeitos negativos. Se pessoas esclarecidas, todos com claro viés liberal, brigam a ponto de uns abandonarem um grupo para evitar situações delicadas, então como vamos seduzir e persuadir a maioria?
A incapacidade de convivência civilizada e cordial com quem diverge de alguns pontos, mantendo-se o essencial em acordo, sempre foi para mim chocante quando se trata de liberais e conservadores. A esquerda faz a festa com tanta desunião por picuinhas. Eu concordo com muita coisa que escreve Reinaldo Azevedo, admiro a combatividade de Bolsonaro e admito sua evolução intelectual, respeito o intelecto e a contribuição de Olavo e alimento esperanças de que Kim será, eventualmente, uma voz liberal na política. Preciso mesmo tomar um partido? Há que escolher um lado aqui?
Eu escolho o lado que luta contra os socialistas! E nenhum deles está desse outro lado negro da força. Quanto às discordâncias, que sejam debatidas, expostas, criticadas com argumentos. Sem se perder de vista o “big picture”, o verdadeiro inimigo. Como diz a música “Hey You” do Pink Floyd, que apesar de escrita pelo esquerdista Roger Waters serve muito bem aos direitistas brasileiros:
Hey you, out there on the road
Always doing what you’re told,
Can you help me?
Hey you, out there beyond the wall,
Breaking bottles in the hall,
Can you help me?
Hey you, don’t tell me there’s no hope at all
Together we stand, divided we fall.
Não me peçam para detonar essas lideranças citadas acima, ainda que eu possa ter várias críticas a fazer a eles. No momento, são todos meus aliados de causa. Afinal, qualquer causa em prol da liberdade passa, antes, pela derrota do PT. Vejam o que aconteceu na Venezuela, que só respira com alguma chance de reação agora porque a oposição finalmente se uniu. Os nazistas foram derrotados com a união tática dos Estados Unidos e da União Soviética, não vamos esquecer. Depois os americanos tiveram que enfrentar os comunistas, mas só depois que Hitler, a ameaça imediata, havia sido eliminado.
Precisamos do espírito conciliador de um Lobão aqui. Chegará o tempo, espero, em que minhas divergências com Olavo de Carvalho, Jair Bolsonaro, Kim Kataguiri e Reinaldo Azevedo poderão receber foco prioritário. Não é esse o momento. Hoje, vejo todas essas divergências como quase insignificantes perto do denominador comum que deveria nos unir. O elo, a cola que precisa unir a direita hoje, é o combate ao lulopetismo, ao bolivarianismo, ao socialismo, ao “progressismo” nefasto que vem destruindo nosso país, nossa economia, nossos valores morais. Contem todos comigo nessa batalha de vida ou morte!
Rodrigo Constantino
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